A intolerância por trás da mente doentia do homem
que ouvia a voz de Deus, “comunicava-se” com Lula e, por muito pouco, não mudou
o rumo da história
DESEJO DE
MATAR - Oliveira disse que atacou Bolsonaro, entre outras coisas, por
“divergências ideológicas” com o candidato (//Reprodução)
No dia 1º
de setembro, o garçom Adélio Bispo de Oliveira abriu sua página no Facebook e
enviou a seguinte mensagem a Jair Bolsonaro: “Espero que esta sua valentia
realmente exista no dia em que você me vê (sic)”. Num português
claudicante, Bolsonaro é chamado de “marionete do capitalismo” e de “bonequinha
de Washington”. Por fim, o garçom faz uma ameaça: “Vc merece tomar um tia (tiro)
nesta cabeça de b… q vc tem”. Cinco dias depois dessa mensagem, Oliveira provou
que não estava blefando. Ele foi ao encontro do candidato em Juiz de Fora, no
interior de Minas Gerais, e tentou matá-lo com uma facada no abdômen. Preso,
disse que praticara o crime em razão de suas divergências ideológicas e
religiosas com o candidato do PSL — sobretudo por causa do discurso “racista e
antissemita” do deputado.
Cinco
meses antes de atacar Bolsonaro, Adélio Bispo de Oliveira também enviou
mensagens ao ex-presidente Lula. Em uma delas, manifestou seu apoio à
candidatura do petista. “Se estão tentando barra (sic) sua candidatura,
claro que é pq sabem dos riscos de se perder o poder em uma disputa
democrática”, escreveu. O texto foi postado na página do Facebook chamada Lula
Oficial. O título da mensagem era: “Adelio Bispo de Oliveira para Lula
Presidente 2018”. Em seu comentário, o garçom fez um apelo ao ex-presidente: “O
mundo comunista e até parte do mundo capitalista te agradeceria se vc
escrevesse sua biografia e colocasse claramente os elos de ligações entre seus
inimigos e a maldita maçonaria (sic)”. E alertou o petista para tomar
cuidado com uma conspiração: “E verá que não são meramente homens que se
declaram (…) seus inimigos, mas um sistema nazista secreto que existe no Brasil
já a (sic) muito tempo”. Ao final, desejou sorte ao ex-presidente.
O garçom
também enviou três mensagens à presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann. Numa
delas, de março deste ano, deu palpites sobre a escolha do candidato petista a
presidente: “Caso Lula não venha realmente concorrer, espero vê (sic) vc
na disputa, segunda alternativa o Mercante (refere-se a Aloizio Mercadante)”.
E “alertou” para o fato de que, assim que as candidaturas fossem anunciadas,
haveria uma caçada aos candidatos ordenada pelo juiz Sergio Moro e por “toda a
maçonaria”. Oliveira ainda se opôs à possibilidade de uma aliança do PT com o
candidato Ciro Gomes, do PDT, hipótese discutida na pré-campanha. Disse que
Jaques Wagner estava “equivocado” quando pedia que o PT cedesse, pois, no seu
raciocínio, o partido cedeu ao chegar ao poder “e deu no que deu”.
A aparente proximidade com o PT, a ameaça
encaminhada a Bolsonaro e o apoio a Lula, que na época do crime ainda era o
candidato oficial do PT à Presidência da República, poderiam sugerir uma
relação de causa e consequência quando se busca compreender a motivação do
atentado. Em vez disso, as mensagens são apenas o retrato doloroso de uma mente
perturbada, pois elas nem sequer chegaram aos pretensos destinatários. Durante
as investigações, a Polícia Federal quebrou o sigilo telemático do garçom e
encontrou suas mensagens endereçadas a Bolsonaro e a Lula. Só que os perfis com
os quais Oliveira se comunicava — “Jair Messias Bolsonaro” e “Lula Oficial” —
são falsos e, portanto, não pertencem a nenhum dos dois
A polícia
concluiu que Oliveira tentou matar Jair Bolsonaro sem a ajuda de outras
pessoas. VEJA teve acesso à íntegra do inquérito que investigou a tentativa de
assassinato. São 567 páginas de depoimentos, laudos e informações que
reconstituem os passos de Oliveira desde o momento em que ele teria tomado a
decisão de tirar a vida do candidato do PSL até o instante em que o atacou.
O crime começou a se materializar com uma
coincidência. Oliveira estava em Juiz de Fora à procura de emprego quando soube
pelos jornais que o deputado faria campanha na cidade. Segundo ele, já havia
algum tempo que “vozes” o instruíam sobre o que precisava ser feito. Era a
oportunidade perfeita para atender às instruções que ouvia mentalmente. Dois
dias antes da visita, o garçom começou a fotografar e filmar lugares por onde
provavelmente o presidenciável passaria. Os policiais encontraram em seu
celular imagens da Câmara Municipal, da praça central e de um hotel, roteiros
previstos na agenda de Bolsonaro. Para cometer o crime, ele escolheu uma faca
de cerca de 30 centímetros de um jogo de duas peças que comprara em
Florianópolis, Santa Catarina. Sua intenção inicial, como escreveu na mensagem,
era matar o candidato com um tiro na cabeça. Chegou até a treinar os disparos,
mas, como não havia tempo nem tinha dinheiro para comprar um revólver, optou
por uma solução mais simples.
Com tudo
esquematizado em sua mente, Oliveira partiu para a execução do plano às 10h08
de 6 de setembro. Naquele momento, deixou a pensão onde estava hospedado, foi
até uma lan house no centro da cidade e acessou sua conta no Facebook. Vinte
minutos depois, deixou a loja e rumou para o lugar onde Bolsonaro começaria a
cumprir sua agenda na cidade. Passava do meio-dia quando Oliveira chegou a um
shopping, a 100 metros do hotel onde o candidato do PSL almoçava com
empresários locais. O garçom gravou vídeos do hall de entrada, da reunião dos
apoiadores do candidato e exibiu até o jornal que, mais tarde, usou para
esconder a arma do crime. Para não chamar atenção, ele se juntou a um grupo de
manifestantes que protestava em frente ao hotel. Às 15h12, menos de vinte
minutos antes do crime, gravou as últimas imagens, que mostram o instante em
que tentava se aproximar do presidenciável — Bolsonaro, nesse momento, já
estava nos ombros dos apoiadores. O vídeo tem apenas cinco segundos.
A partir
daí, para reconstituir o atentado, a Polícia Federal analisou mais de 150 horas
de imagens feitas por manifestantes ou gravadas por dezoito câmeras de
segurança instaladas em dez pontos do trajeto feito por Bolsonaro no centro de
Juiz de Fora. Minutos antes do ataque, o candidato do PSL chegou à Praça
Halfeld, acenou para os militantes e se dirigiu à escadaria da Câmara
Municipal. A manifestação seguiu adiante, com o candidato sendo carregado pelos
militantes. A cada passo, Adélio tentava se aproximar mais de seu alvo,
buscando a melhor oportunidade para atacá-lo, já com o jornal numa das mãos
escondendo a faca. Para forçar a aproximação, dizia que queria tirar uma foto
de Bolsonaro e até gritava frases de apoio ao presidenciável — protegido por um
cordão de quase vinte seguranças. Após várias tentativas, Oliveira conseguiu
furar o cerco e atingir Bolsonaro com a faca.
Crimes
assim naturalmente alimentam teorias de conspiração. Mas afinal por que
Oliveira quis matar Bolsonaro? As explicações foram apresentadas em três
depoimentos prestados por ele à Polícia Federal. No último deles, gravado em
vídeo onze dias depois do crime, Adélio reafirma que praticou o atentado por
motivos ideológicos e religiosos e também “respondendo às ameaças que ele
(Bolsonaro) tem feito, pelas ideologias que ele acredita, por ameaças de morte
a pessoas” (veja o quadro abaixo). A Polícia Federal concluiu a primeira
parte da investigação, conduzida pelo delegado Rodrigo Morais Fernandes, e
constatou que no dia do ataque Oliveira agiu por conta própria. Acusado de
cometer crime contra a segurança nacional, ele poderá ser condenado a até dez
anos de prisão. Por precaução, um segundo inquérito foi instaurado, para apurar
se houve alguma conspiração, se outras pessoas participaram do atentado ou o
influenciaram, incluindo suspeitas sobre o envolvimento de uma organização
criminosa. Preocupada com o acirramento da disputa no segundo turno das eleições,
a PF também reforçou a segurança dos candidatos, que agora contarão com uma
escolta de 35 agentes, e intensificou a vigilância sobre as redes sociais.
(...)
MOTIVO DO
ATENTADO
“Por divergências ideológicas e respondendo às ameaças que ele tem feito, pelas
ideologias que ele acredita, por ameaças de morte… contra pessoas que têm
ideologias diferentes das dele. Dos muitos discursos. Discursos racistas,
quando fala de negros, quando fala de quilombolas. Tem muita coisa. Tem
discursos antissemitas. A gente já ouviu o discurso dele. Discursos contra o
povo árabe, basicamente como se todos fossem terroristas, como se o Brasil não
pudesse ter relacionamento com o povo árabe, enquanto temos um árabe governando
o país, um libanês (refere-se a Michel Temer).”
O
PLANEJAMENTO
“A responsabilidade é inteiramente minha, de mais ninguém. (…) Me veio à
cabeça. Quando vi nos jornais que ele estaria (em Juiz de Fora). Dois, três
dias antes, eu acho. Nem acreditei. Já estava em cima. Resolvi jogar na
loteria, digamos assim. Talvez eu conseguisse, talvez eu não conseguisse
(atacar Bolsonaro).”
EM NOME
DA RELIGIÃO
“Essa é a segunda razão pela qual eu fiz. Esse bom Deus, esse meu Deus que me
ordenou a fazer. O Bolsonaro… Ele é um impostor. É meio cristão, mas não é
cristão… Está tentando puxar o público evangélico, recrutar os evangélicos para
ser o presidente da República, mas ele é um impostor infiltrado pela maçonaria
no meio protestante. Ele não tem nada… Basta fazer uma pergunta para ele em
relação à Bíblia.”
A ARMA DO
CRIME
“Parte de um jogo que comprei, para uso doméstico. Tentei levá-la comigo
(refere-se à faca), escondida no corpo, escondida na roupa. Tava enrolada num
papel de jornal.”
NA HORA H
“Um pouco antes, sim (refere-se ao fato de ter ouvido vozes), mas teve um
momento que eu quase desisti porque achei que seria impossível a aproximação.
Era impossível se aproximar. Quase desisti.”
Colaboraram
Laryssa Borges e Hugo Marques
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