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segunda-feira, 30 de agosto de 2021

CPI das fake news volta em setembro e deve manter Bolsonaro sob pressão até 2022 - Mariana Carneiro

O Globo 

Investigação

CPI da Covid está na reta final, mas os problemas para o governo no Senado devem continuar. Assim que a comissão da Covid acabar, a CPI das fake news vai voltar a funcionar – e desta vez, com foco em um tema nevrálgico para a campanha à reeleição de Jair Bolsonaro.


O senador Ângelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI (o M vem de mista, por reunir deputados e senadores) [cumprimentamos à Mariana pela brilhante ideia de explicar o significado do M na sigla, poderia gerar outras interpretações.] já combinou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que fará uma reunião com os membros da CPI depois do feriado de 7 de setembro para definir a data de reinício dos trabalhos. A CPI estava hibernando desde março de 2020, quando os trabalhos presenciais do Congresso foram suspensos em razão da pandemia. 

[manter Bolsonaro sob pressão?   
pressão faz bem ao capitão; o estimula a manter a luta a favor do povo brasileiro; 
o presidente Bolsonaro antes do primeiro turno eleições 2018 já estava sob pressão; 
a pressão de verdade, a mais forte, começou em 14 março 2019, desde então foi fogo cerrado, "fogo de barragem" - veja calendário completo 14/03/2019 a 16/08/2021
Aqui, confira a pressão por grupo/área.]

A expectativa é que já seja possível reativar a CPMI das Fake News até o final de setembro, quando se espera que a CPI da Covid finalize e vote o relatório final. Como a prorrogação da comissão já estava autorizada um pouco antes da parada, ela deve ter mais seis meses de funcionamento. Considerando que a CPI ainda vai parar para o recesso de final do ano, a investigação deverá se esticar até abril de 2022, quando começa oficialmente a campanha eleitoral.

O presidente da CPI e a relatora, Lídice da Mata (PSB-BA), já se reuniram na semana passada para fazer um primeiro inventário do que a CPMI tem e que caminhos deverá seguir. Uma das prioridades será dar andamento ao pedido já aprovado e encaminhado ao Supremo Tribunal Federal de compartilhamento de informações do inquérito das fake news, que tem entre os alvos o próprio Jair Bolsonaro, por propagar desinformação sobre as urnas eletrônicas, e seu filho Carlos.

Quando a CPMI aprovou esse requerimento, em setembro de 2019, o ministro Alexandre de Moraes informou que a investigação ainda era preliminar. Agora, dois anos depois, os membros da comissão esperam obter informações que permitam descobrir não só quem fez e quem pagou pelos disparos em massa ilegais realizados na eleição de 2018.  Como o inquérito ainda está em curso, a CPI alimenta a expectativa de identificar quem segue cometendo crimes na internet.

Outra providência em análise é solicitar informações ainda sigilosas obtidas em outro inquérito, o dos atos antidemocráticos, que também mirava aliados do presidente, como as deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP). No início de agosto, a equipe técnica que trabalhava para a comissão das fake news chegou a ser cedida para a CPI da Covid, mas como os trabalhos do relator Renan Calheiros já estão próximos do final, eles já voltaram a dar expediente na CPMI das fake news. 

O potencial da CPMI para causar dano à campanha de Bolsonaro em 2022 vai depender do andamento de todas essas iniciativas. Se ela inibir a criação de perfis e grupos usados para disseminar mentiras nas redes sociais e ajudar a tornar o ambiente da campanha eleitoral um pouco mais sadio, já se poderá dizer que foi bem sucedida.

Mariana Carneiro - Blog Malu Gaspar - O Globo 


segunda-feira, 4 de novembro de 2019

A política como um pesadelo - Fernando Gabeira

Será que o porteiro realmente viu um dos assassinos procurando por Bolsonaro, que nesse dia estava em Brasília?

Enquanto a mancha se desloca para o Sul e ameaça Abrolhos, já não sei mais se a espero no Rio ou vou ao seu encontro. De qualquer forma, tento manter o foco no desastre ambiental enquanto as loucuras na política se desdobram num ritmo vertiginoso.
No princípio da semana, pensei em dedicar as horas vagas a pensar na questão da linguagem na política, que me surpreende tanto quanto a mancha de óleo. Os deputados do PSL brigam entre si com memes e se insultam usando personagens de história infantil. Se não parasse com as crianças, de vez em quando, não saberia quem é Peppa. Uma das contendoras na luta interna foi chamada de Peppa pelos adversários. Ainda bem que eu já vi as aventuras da porquinha rechonchuda.
Pensei em refletir sobre a nova geração de políticos e como a linguagem da infância ainda está presente no seu imaginário. 

Mudei de eixo à tarde. Vi imagens do depoimento de Alexandre Frota na CPI das Fake News. Ele exibiu cartazes com frases do guru dos Bolsonaro, Olavo de Carvalho. Era tão escandaloso que fiquei tentado a examinar o avanço da linguagem pornográfica no discurso da extrema direita.
Foi então que vi aquele vídeo da hienas cercando o leão Bolsonaro e pensei em voltar ao universo infantil. Não houve tempo. Eduardo Bolsonaro invocou o AI-5, numa entrevista a Leda Nagle. Voltei aos anos 60 e pensei até em mostrar como as coisas mudaram nesse quase meio século. Desisti desse esforço pedagógico. As pessoas que confundem épocas tão díspares não o fazem por ignorância, mas por necessidade. Constroem um enredo mental para o papel que amariam representar. No caso de Eduardo Bolsonaro, é a vontade de reviver a ditadura, com poder absoluto sobre a vida e a liberdade de expressão dos outros. 

Em certas viagens a Ouro Preto, fantasio uma volta ao século XVIII. Mas só por alguns momentos, quando não há carros nem buzina. Há tempos, quando Ronnie Lessa, acusado de matar Marielle Franco, foi preso, achei explosivo o fato de ser vizinho do homem que se tornou presidente da República. Imaginei como isso não daria um roteiro para uma série de televisão. Li que o filho mais novo do presidente namorava a filha do matador. Imaginei as possibilidades clássicas dessa história. 

Vejo surgir agora um novo personagem dramático: o porteiro do condomínio Vivendas da Barra. Ele é o mais antigo dos funcionários, deve conhecer todos os moradores, seus hábitos e relações superficiais. Sua lembrança do dia da morte de Marielle Franco enriqueceu as fantasias sobre a vizinhança de Bolsonaro com Ronnie Lessa, miliciano, matador e comerciante de armas. [lembrança  que surgiu mais de 500 dias após a suposta pergunta]
Será que o porteiro realmente viu um dos assassinos [sic] procurando por Bolsonaro, que nesse dia estava em Brasília? Por que teria anotado o número da casa buscada pelo cúmplice do matador [sic] como se fosse a casa de Bolsonaro? Como pode ter ouvido a voz de seu Jair, sem estar sintonizado com o canal da Câmara dos Deputados, onde Bolsonaro estava naquele momento?

Não vou especular sobre esse mistério, enquanto não ouvir a versão do próprio porteiro. As procuradoras do MP do Rio dizem que ele provavelmente mentiu.
Mas por que um velho e experiente porteiro confundiu duas casas? Para nós que vemos imagens aéreas, elas são todas iguais. Somos traídos pela superficialidade de nossa percepção, como os esnobes que dizem que a caatinga é monótona porque toda a vegetação é igual. 

Para ele, certamente cada uma delas tem uma história, desde o tipo de visitas aos pequenos cuidados cotidianos, instalação elétrica, vazamentos, no sentido literal.
Não entendo como pode ter confundido. Mentiu e enganou? Foi induzido? Sua memória funciona bem ou já dá sinais cotidianos de pequenas confusões? Para um roteirista, é relativamente fácil cobrir essas lacunas. Para mim, no entanto, os tempos são desconcertantes. Volto a perseguir a mancha. Também é desconcertante. Mas pelo menos vejo pessoas reais, com as luvas negras de óleo, tentando limpar as praias, proteger corais e mangues. Desenhos infantis, frases pornográficas, jovens aspirantes a ditador ou mesmo intrincados enredos policiais — tudo é uma espécie de desastre, mas pede outro tipo de voluntariado, equipamento e paciência.
 
Fernando Gabeira, jornalista - O Globo