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segunda-feira, 4 de novembro de 2019

A política como um pesadelo - Fernando Gabeira

Será que o porteiro realmente viu um dos assassinos procurando por Bolsonaro, que nesse dia estava em Brasília?

Enquanto a mancha se desloca para o Sul e ameaça Abrolhos, já não sei mais se a espero no Rio ou vou ao seu encontro. De qualquer forma, tento manter o foco no desastre ambiental enquanto as loucuras na política se desdobram num ritmo vertiginoso.
No princípio da semana, pensei em dedicar as horas vagas a pensar na questão da linguagem na política, que me surpreende tanto quanto a mancha de óleo. Os deputados do PSL brigam entre si com memes e se insultam usando personagens de história infantil. Se não parasse com as crianças, de vez em quando, não saberia quem é Peppa. Uma das contendoras na luta interna foi chamada de Peppa pelos adversários. Ainda bem que eu já vi as aventuras da porquinha rechonchuda.
Pensei em refletir sobre a nova geração de políticos e como a linguagem da infância ainda está presente no seu imaginário. 

Mudei de eixo à tarde. Vi imagens do depoimento de Alexandre Frota na CPI das Fake News. Ele exibiu cartazes com frases do guru dos Bolsonaro, Olavo de Carvalho. Era tão escandaloso que fiquei tentado a examinar o avanço da linguagem pornográfica no discurso da extrema direita.
Foi então que vi aquele vídeo da hienas cercando o leão Bolsonaro e pensei em voltar ao universo infantil. Não houve tempo. Eduardo Bolsonaro invocou o AI-5, numa entrevista a Leda Nagle. Voltei aos anos 60 e pensei até em mostrar como as coisas mudaram nesse quase meio século. Desisti desse esforço pedagógico. As pessoas que confundem épocas tão díspares não o fazem por ignorância, mas por necessidade. Constroem um enredo mental para o papel que amariam representar. No caso de Eduardo Bolsonaro, é a vontade de reviver a ditadura, com poder absoluto sobre a vida e a liberdade de expressão dos outros. 

Em certas viagens a Ouro Preto, fantasio uma volta ao século XVIII. Mas só por alguns momentos, quando não há carros nem buzina. Há tempos, quando Ronnie Lessa, acusado de matar Marielle Franco, foi preso, achei explosivo o fato de ser vizinho do homem que se tornou presidente da República. Imaginei como isso não daria um roteiro para uma série de televisão. Li que o filho mais novo do presidente namorava a filha do matador. Imaginei as possibilidades clássicas dessa história. 

Vejo surgir agora um novo personagem dramático: o porteiro do condomínio Vivendas da Barra. Ele é o mais antigo dos funcionários, deve conhecer todos os moradores, seus hábitos e relações superficiais. Sua lembrança do dia da morte de Marielle Franco enriqueceu as fantasias sobre a vizinhança de Bolsonaro com Ronnie Lessa, miliciano, matador e comerciante de armas. [lembrança  que surgiu mais de 500 dias após a suposta pergunta]
Será que o porteiro realmente viu um dos assassinos [sic] procurando por Bolsonaro, que nesse dia estava em Brasília? Por que teria anotado o número da casa buscada pelo cúmplice do matador [sic] como se fosse a casa de Bolsonaro? Como pode ter ouvido a voz de seu Jair, sem estar sintonizado com o canal da Câmara dos Deputados, onde Bolsonaro estava naquele momento?

Não vou especular sobre esse mistério, enquanto não ouvir a versão do próprio porteiro. As procuradoras do MP do Rio dizem que ele provavelmente mentiu.
Mas por que um velho e experiente porteiro confundiu duas casas? Para nós que vemos imagens aéreas, elas são todas iguais. Somos traídos pela superficialidade de nossa percepção, como os esnobes que dizem que a caatinga é monótona porque toda a vegetação é igual. 

Para ele, certamente cada uma delas tem uma história, desde o tipo de visitas aos pequenos cuidados cotidianos, instalação elétrica, vazamentos, no sentido literal.
Não entendo como pode ter confundido. Mentiu e enganou? Foi induzido? Sua memória funciona bem ou já dá sinais cotidianos de pequenas confusões? Para um roteirista, é relativamente fácil cobrir essas lacunas. Para mim, no entanto, os tempos são desconcertantes. Volto a perseguir a mancha. Também é desconcertante. Mas pelo menos vejo pessoas reais, com as luvas negras de óleo, tentando limpar as praias, proteger corais e mangues. Desenhos infantis, frases pornográficas, jovens aspirantes a ditador ou mesmo intrincados enredos policiais — tudo é uma espécie de desastre, mas pede outro tipo de voluntariado, equipamento e paciência.
 
Fernando Gabeira, jornalista - O Globo
 
 
 

domingo, 27 de outubro de 2019

Madame Natasha pede compostura verbal - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

Está faltando compostura verbal no país

A boa senhora recomenda que os bolsonaristas evitem a cloaca do idioma

Natasha acredita que todos podem continuar defendendo suas posições, mas não devem usar a cloaca do idioma para se expressar

Madame Natasha tem opiniões políticas e não as revela, até porque quase sempre estão erradas. Ela zela pelo idioma e pela compostura no seu uso. Natasha acompanhou a campanha eleitoral do ano passado e convenceu-se de que Jair Bolsonaro e seus seguidores apresentavam-se como paladinos da lei, da ordem, da moralidade e dos bons costumes. Neste mês de outubro, ela colecionou falas de alguns poderosos e assombrou-se com o que viu. Coisas que não se dizem numa casa de família e que nunca se ouviram na política brasileira. 

Quem puxou o desfile da incontinência foi o presidente. Falando a um grupo de garimpeiros, Bolsonaro disse que “o interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, é no minério”. Dias depois, quando um cidadão perguntou-lhe onde estava seu amigo Fabrício Queiroz, o doutor respondeu: “Tá com tua mãe”. (É o caso de relembrar a conduta do general João Figueiredo em Florianópolis, em 1979. Quando ele ouviu o que não gostou, vindo de uma manifestação, partiu para cima dos estudantes aos gritos: “Eu gostaria de perguntar por que a minha mãe está em pauta. Vocês ofenderam minha mãe.” É a velha história: Não se deve botar mãe no meio.)

O delegado Waldir, líder do PSL na Câmara, deu a Bolsonaro o veneno da sua própria incontinência. Reagindo à iniciativa que pretendia tirá-lo do cargo, ele disse, durante uma reunião do partido: “Vou implodir o presidente. (...) Não tem conversa, eu implodo o presidente, cabô cara. Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo, cara. Eu votei nessa porra. (...) Eu andei no sol 246 cidades, no sol gritando o nome desse vagabundo.” (Dias depois, repetiu: “Ele me traiu. Então, é vagabundo”.
O deputado Felipe Francischini (PSL-PR) acrescentou: “Ele começou a fazer a putaria toda falando que todo mundo é corrupto. Daí ele agora quer tomar a liderança do partido que ele só fala mal?” [parece que o implodidor colocou o explosivo no local errado e foi ele o implodido.]

Dias depois começou uma briga de textos. A deputada Joice Hasselmann desentendeu-se com Eduardo Bolsonaro (“moleque”) e foi rebatida pela colega Carla Zambelli, que a chamou de Peppa: “Só agradeço a Deus por estar tirando o véu da sacanagem ao povo brasileiro e mostrando quem é quem”. 

Finalmente, o deputado Daniel Silveira, que gravou a fala do Delegado Waldir, defendeu-se: “Alerto sobre a tentativa de pedir cassação de mandato. Garanto que não estão acostumados com alguém como eu. Tenho muita coisa para f*** o parlamento inteiro. Eu vou bagunçar o coreto de todo mundo, vou sacudir o Brasil.”
(...)
Natasha acredita que todos eles podem continuar defendendo suas posições, mas não devem usar a cloaca do idioma para se expressar. Ela torce para que Daniel Silveira conte o que sabe e gostou muito da ameaça de Joice Hasselmann: “Não se esqueçam que eu sei quem vocês são e o que fizeram no verão passado”. Tomara que conte.

A senhora faz esse apelo porque zela pelo idioma, mas lembra o que ensinou o escritor mexicano Octavio Paz: “Quando uma situação se corrompe, a gangrena começa pela linguagem.” 


(....) 

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e gostou do projeto do senador Marcelo Castro (MDB-PI) propondo que os usuários de energia solar ou eólica paguem royalties aos governos estaduais, pois a luz e o vento seriam bens da União”.

O cretino refletiu e acha que alguém deve propor a cobrança de um imposto aos desempregados. Afinal eles usam bens e serviços públicos sem pagar nada.
Eremildo lembra que o rei da Itália punha fiscais nas praias para impedir que mulheres roubassem água do mar, cuja salinidade é adequada para cozinhar o macarrão. 

Publicado Folha de S.Paulo e O Globo - Elio Gaspari, jornalista