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domingo, 8 de novembro de 2020

Quando a desgraça vem empacotada para presente - Percival Puggina

Li esta história há muitos anos, não lembro onde. Motociclista e pedestre conversam sobre o preço da flamante Harley Davidson que o primeiro acabou de comprar. Diante do valor informado, superior a cem mil reais, o pedestre se exclama escandalizado: “O senhor tem ideia de quantas pessoas poderiam ser alimentadas com esse dinheiro?”. O motociclista se detém por instantes a pensar e responde. “Não posso precisar um número, mas muita gente se alimentou com o dinheiro que paguei. São mineiros das jazidas de ferro de Carajás e de cobre do Chile; são operários da montadora e de algumas dezenas de fábricas de insumos e componentes; são designers, engenheiros, administradores, publicitários, lojistas, vendedores; são servidores públicos, despachantes, importadores e exportadores. Um bocado de gente!”.

É de dar dó a desigualdade que se estabelece entre quem sai da escola com uma série de chavões malignamente enfiados no seu repertório cerebral e quem sai da escola com competências que lhe permitem vislumbrar além da primeira cerca. Quem está errado não é o aluno. É a Educação, é a escola.

Em muitos auditórios, ao longo da vida, encontrei gente convencida de que os desníveis sociais são produto das injustiças cometidas por quem tem contra quem não tem. E muitas escolas custeadas por famílias que têm estão infiltradas por professores que também têm, mas agem para que seus alunos pensem como o moço da calçada em seu diálogo com o dono da moto. Convencem seus pupilos de que o mundo seria mais justo, ou de que haveria um número maior de donos de bicicletas se aquela Harley Davidson desaparecesse do conjunto dos bens de consumo.

As vítimas desse acidente cerebral, no passo seguinte – pasmem! – olham para o Estado, justiceiro-padrão dos totalitários, e afirmam: “Justiça será dar uma bicicleta para cada um com o dinheiro daqueles que têm automóvel ou moto”.

A injustiça, porém, não é um subproduto da prosperidade de um ou de muitos, mas é o produto de um Estado que se apropria de quase 40% da renda nacional e vai proporcionar, lá na ponta, a quem mais precisa, a pior educação, um sistema de saúde em que os pacientes morrem na fila de espera de um exame e um saneamento tão precário que produz persistente mortalidade infantil (12,4/1000). Tudo, porém, empacotado para presente em forma do mais degradante paternalismo. E sem nenhuma oportunidade.

A ideia do igualitarismo é resultado da fácil associação entre igualdade e justiça. Da utopia da igualdade vem o corolário segundo o qual o desejo de ser melhor, e até mesmo “o” melhor, se torna uma anomalia. Sobrevém a rejeição a quem se destaca e ao reconhecimento do valor do mérito. Como resultado, chega-se a uma “cultura” escolar na qual se estuda o mínimo e se assiste ao menor número possível de aulas. Logo ali adiante, a competência, a competitividade e a produtividade caem e a economia padece com a falta de estímulos. Nada que o comunismo não tenha exibido em profusão como insucesso e miséria.

Um país que se abraça nesse pé de tuna está pedindo para sofrer. Nenhuma das ideias que detêm o desenvolvimento social e econômico do país é mais danosa do que assumir o igualitarismo como objetivo. É uma ideia que se espreme entre o marxismo-leninismo e seu genérico mais simpático e ambíguo, o socialismo, que chega voando numa pomba branca com uma rosa vermelha no bico.

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 
 

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Poder ilimitado - Merval Pereira

[O Supremo Tribunal Federal reconheceu que pela Constituição o presidente da República é soberano para decidir sobre o indulto.
Diante de tal fato, ou o Supremo recua e muda sua Suprema decisão (o que aumentará a já crescente INSEGURANÇA JURÍDICA), ou se muda a Constituição ou cessam as tentativas de impedir o presidente Bolsonaro de exercer seus PODERES CONSTITUCIONAIS.]

O precedente aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017, no governo Michel Temer, considerando que o indulto é uma prerrogativa política do Presidente da República que não pode ser limitada, permite que agora o presidente Jair Bolsonaro queira indultar os policiais presos pelos massacres de Carandiru e Carajás. Como define o constitucionalista Gustavo Binemboim, "sempre no Brasil a exceção se transforma em permanente, uma anomalia leva a outra".
[vamos por partes esclarecer sobre os 'massacrados' de Carandiru e Carajás.
Carandiru é um bairro da cidade de São Paulo onde se localizava a Casa de Detenção. 
As rebeliões eram frequentes  e sempre com mortes de inocentes, exigindo ações policiais em que morriam os presos responsáveis pela rebelião, policiais no estrito cumprimento do dever legal e inocentes.

Em 2 out 92, ocorreu mais uma rebelião e diante da necessidade de ser contida - sob pena de mais mortos e estímulo a outras rebeliões, inclusive em outros presídios -  a PM paulista foi autorizada a usar da força necessária para neutralizar a rebelião.

Houve confronto que resultou em 111 presos rebelados mortos.
A ação policial contou com o apoio integral da população tanto que o comandante da operação, coronel PM Ubiratan Guimarães, foi eleito deputado estadual,  utilizando como número o 14111, obtendo 56.155 votos - isto em 2001, mais votos do que os obtidos pelo deputado Rodrigo Maia em 2014.
Vale lembrar que o julgamento do coronel foi anulado pelo TJ-SP e todos os PMs julgados e condenados tiveram os julgamentos anulados - por falhas no primeiro julgamento e alguns foram absolvidos a pedido do Ministério Público.]
Quando o Supremo, através de uma liminar da então presidente Carmem Lúcia, e posteriormente por uma ação do ministro Luis Roberto Barroso, proibiu que o indulto fosse concedido em certas situações, para os ministros favoráveis à autonomia completa do presidente da República extrapolou suas funções, exercendo uma ação privativa do presidente.

Indulto tem que ser “genérico e abstrato”, expressão técnica jurídica para definir que não pode ser pessoal nem determinado, direcionado a um grupo. Como Bolsonaro pode ter êxito ao indultar presos por casos específicos como os que já citou? Fazendo do jeito que Temer fez.  Basta pegar os tipos penais que os policiais cometeram, e não precisa mais nem mesmo definir o tempo de cumprimento de pena. Os presidentes de uns tempos para cá têm sido muito generosos. O tempo mínimo da pena para os aptos ao indulto, que já foi mais de 12 anos, foi diminuindo até que, com Temer, deixou de existir. Isto é, todos os condenados estão habilitados a ser indultados.

 No indulto do seu primeiro ano de governo Temer estabeleceu que só poderiam ser beneficiados pelo perdão pessoas condenadas a no máximo 12 anos, e que, até 25 de dezembro de 2016, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes.
O indulto  seguinte não estabelecia um período máximo de condenação, e reduzia para um quinto o tempo de cumprimento da pena para os não reincidentes.

No caso da Lei de Anistia, ela foi geral e irrestrita, mas diferencia-se do indulto. A anistia tem que ser aprovada pelo Congresso, e o indulto depende exclusivamente do presidente da República.O problema é que o indulto nos termos em que pode ser concedido por Bolsonaro, atingirá qualquer policial, mesmo miliciano.  O ministro aposentado do STF, Ayres Brito, considera que o Estado não pode indultar a si mesmo, através dos seus agentes condenados, como os policiais. Ele adverte que, sob o princípio da razoabilidade, não é possível uma lei falar mais alto que a Constituição, “mesmo que também a lei possa consubstanciar uma política pública de combate mais severo a determinadas condutas”. [o ministro Ayres Brito, após se aposentar, se tornou - com o devido respeito - esquecido e loquaz (quem fala demais...).
Esqueceu que foi ele quem considerou legal a inclusão,  pela escarrada ex- presidente Dilma, no decreto que regulamenta a Lei de Acesso a Informação, de inciso autorizando a divulgação individualizada do salário dos servidores públicos e loquaz quando emite uma opinião  que pretende limitar o que a Constituição não limita.
"Constituição Federal:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: 
...
XII -  conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei; (os grifos são do Blog Prontidão Total.)"
 
Portanto, diz Ayres Brito, o indulto “não pode ser usado como política pública de contraponto a ponderações especiais que a Constituição e a lei já fizeram para mais fortemente inibir e sucessivamente castigar certas condutas”. Sob pena de a Constituição e as leis darem com uma das mãos, e o Presidente da República tomar com a outra, ironiza Ayres Brito.  Os ministros do Supremo que consideram possível essa atuação de contenção se baseiam no “controle da constitucionalidade”, que define a capacidade do poder do Judiciário de controlar atos do Executivo que contrariem princípios constitucionais, como moralidade, probidade administrativa, razoabilidade, proporcionalidade.

O relator do caso, ministro Luis Roberto Barroso, [vencido na decisão colegiada do STF, mencionada no inicio da matéria, por ter legislado, 'modificando' em despacho o alcance do dispositivo constitucional transcrito.] escreveu um artigo sobre o caso Marbury contra Madison que, julgado em 1803 nos Estados Unidos, introduziu no mundo jurídico o entendimento de que o Poder Judiciário pode invalidar atos dos poderes Legislativo e Executivo que sejam contrários à Constituição.

O ministro Celso de Mello contou no julgamento do caso de Michel Temer que o então presidente Sarney decidiu a seu tempo tirar do indulto os crimes “contra a economia popular”, pois lutava para controlar a hiperinflação e queria dar o exemplo.  Pela Constituição, o presidente pode inclusive conceder a graça, o perdão, a um único indivíduo. Esse privilégio do presidente da República foi mantido pela Constituição de 1988. Caso Bolsonaro não encontre uma saída jurídica para dar um indulto que pegaria até mesmo policiais envolvidos em milícias, pode fazer uso desse instrumento que nunca foi adotado no Brasil.

Merval Pereira,  jornalista - O Globo
[concluindo com esclarecimento sobre os 'massacrados' de Carajás:
o caso de Eldorado de Carajás, consistiu em que invasores de terras, de propriedades privadas, buscando demonstrar poder e forçar a desapropriação de terras que invadiram,  bloquearam uma rodovia, BR 155;

o governo do estado do Pará determinou que os invasores fossem retirados - que superavam aos 4.000 individuo e estavam iniciando uma março rumo a capital estadual para pressionar as autoridades.  

Houve reação por parte dos sem terra, confiantes no elevado número e os policiais para não serem assassinados foram compelidos a usar a força necessária, neutralizando a reação e logrando se livrarem dos invasores.
A prova da inocência dos policiais é que passados mais de 20 anos ainda não houve sentença definitiva condenando os policiais.]