Li esta história há muitos anos, não lembro onde. Motociclista e
pedestre conversam sobre o preço da flamante Harley Davidson que o
primeiro acabou de comprar. Diante do valor informado, superior a cem
mil reais, o pedestre se exclama escandalizado: “O senhor tem ideia de
quantas pessoas poderiam ser alimentadas com esse dinheiro?”. O
motociclista se detém por instantes a pensar e responde. “Não posso
precisar um número, mas muita gente se alimentou com o dinheiro que
paguei. São mineiros das jazidas de ferro de Carajás e de cobre do
Chile; são operários da montadora e de algumas dezenas de fábricas de
insumos e componentes; são designers, engenheiros, administradores,
publicitários, lojistas, vendedores; são servidores públicos,
despachantes, importadores e exportadores. Um bocado de gente!”.
É
de dar dó a desigualdade que se estabelece entre quem sai da escola com
uma série de chavões malignamente enfiados no seu repertório cerebral e
quem sai da escola com competências que lhe permitem vislumbrar além da
primeira cerca. Quem está errado não é o aluno. É a Educação, é a
escola.
Em muitos auditórios, ao longo da vida, encontrei gente
convencida de que os desníveis sociais são produto das injustiças
cometidas por quem tem contra quem não tem. E muitas escolas custeadas
por famílias que têm estão infiltradas por professores que também têm,
mas agem para que seus alunos pensem como o moço da calçada em seu
diálogo com o dono da moto. Convencem seus pupilos de que o mundo seria
mais justo, ou de que haveria um número maior de donos de bicicletas se
aquela Harley Davidson desaparecesse do conjunto dos bens de consumo.
As vítimas desse acidente cerebral, no passo seguinte – pasmem! – olham
para o Estado, justiceiro-padrão dos totalitários, e afirmam: “Justiça
será dar uma bicicleta para cada um com o dinheiro daqueles que têm
automóvel ou moto”.
A injustiça, porém, não é um subproduto da
prosperidade de um ou de muitos, mas é o produto de um Estado que se
apropria de quase 40% da renda nacional e vai proporcionar, lá na ponta,
a quem mais precisa, a pior educação, um sistema de saúde em que os
pacientes morrem na fila de espera de um exame e um saneamento tão
precário que produz persistente mortalidade infantil (12,4/1000). Tudo,
porém, empacotado para presente em forma do mais degradante
paternalismo. E sem nenhuma oportunidade.
A ideia do
igualitarismo é resultado da fácil associação entre igualdade e justiça.
Da utopia da igualdade vem o corolário segundo o qual o desejo de ser
melhor, e até mesmo “o” melhor, se torna uma anomalia. Sobrevém a
rejeição a quem se destaca e ao reconhecimento do valor do mérito. Como
resultado, chega-se a uma “cultura” escolar na qual se estuda o mínimo e
se assiste ao menor número possível de aulas. Logo ali adiante, a
competência, a competitividade e a produtividade caem e a economia
padece com a falta de estímulos. Nada que o comunismo não tenha exibido
em profusão como insucesso e miséria.
Um país que se abraça nesse
pé de tuna está pedindo para sofrer. Nenhuma das ideias que detêm o
desenvolvimento social e econômico do país é mais danosa do que assumir o
igualitarismo como objetivo. É uma ideia que se espreme entre o
marxismo-leninismo e seu genérico mais simpático e ambíguo, o
socialismo, que chega voando numa pomba branca com uma rosa vermelha no
bico.
Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e
Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do
site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de
jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba,
a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus
brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.