As
declarações fazem parte do livro “General Villas Bôas: conversa com o
comandante", recém-lançado pela Editora FGV, a partir de depoimentos
concedidos pelo general ao longo de cinco dias entre agosto e setembro
de 2019. A
entrevista, com mais de 13 horas de duração, foi comandada pelo
professor e pesquisador Celso de Castro. Vítima de uma rara doença
neuromotora de caráter degenerativo, [Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)] Villas Bôas hoje respira com ajuda
de aparelho e se locomove em cadeira de rodas.
Na véspera do
julgamento, Villas Bôas afirmou, no Twitter, que a instituição "julga
compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à
impunidade". E que o Exército também defende o "respeito à Constituição,
à paz social e à Democracia", e que a instituição "se mantém atenta às
suas missões institucionais". Na época, a postagem foi interpretada,
principalmente no PT, como uma pressão sobre o STF.
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No
livro, o militar narra que o texto foi redigido por várias mãos na alta
cúpula do Exército. "O texto teve um 'rascunho' elaborado pelo meu
staff e pelos integrantes do Alto Comando residentes em Brasília. No dia
seguinte da expedição, remetemos para os comandantes militares de
área. Recebidas as sugestões, elaboramos o texto final, o que nos tomou
todo expediente, até por volta das 20 horas, momento que liberei para o
CComSEx (Setor de comunicação do Exército) para expedição", descreveu
Villas Bôas.
A postagem gerou reação na época. Sem citar
diretamente Villas Bôas, o então ministro do STF Celso de Mello disse
que um comentário realizado por "altíssima fonte" foi "claramente
infringente do princípio da separação de Poderes" e alertou contra
"práticas estranhas e lesivas à ortodoxia constitucional".
O
general afirma que o então ministro da Defesa, Raul Jungmann, e o então
ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Sérgio
Etchegoyen, não foram avisados da postagem, assim como os chefes da
Marinha e da Aeronáutica. Mesmo não sendo alertados, o texto do post não
foi rechaçado por Jungmann e Etchegoyen, após a publicação.
Durante a entrevista, o general afirma que duas motivações moveram o
Alto Comando do Exército a adotar a ofensiva. Uma delas foi o aumento
das demandas por uma intervenção militar em encontros com empresários e
pessoas da sociedade civil. Apesar de classificar estes que clamavam por
uma ruptura em outra parte do livro como “tresloucados”, ele afirma que
agiu daquela forma para conter uma possível convulsão social.
"Externamente,
nos preocupavam as consequências do extravasamento da indignação que
tomava conta da população. Tínhamos aferição decorrente do aumento das
demandas por uma intervenção militar. Era muito mais prudente preveni-la
do que, depois, sermos empregados para contê-la. Internamente, agimos
em razão da porosidade do nosso público interno, todo ele imerso na
sociedade. Portanto, compartilhavam de ansiedade semelhante", descreve.
No
livro, o militar voltou a classificar o episódio como "oportuno".
"Tratava-se de um alerta, muito antes que uma ameaça", narra em trecho
da entrevista. A mesma opinião já havia sido manifestada pelo general em
entrevista ao GLOBO, na série "Décadas de Ruptura".
A postura de
Villas Bôas nas redes sociais converge com um projeto pessoal empregado
por ele naquela oportunidade para que o "Exército voltasse a ser ouvido
com naturalidade". Com isso, os militares falariam mais com a imprensa,
ocupando os espaços de debate. Vários deles, como Villas Bôas, foram
para o Twitter. Outros atuavam nos bastidores na tentativa de
influenciar a narrativa política.
Ao longo da última década, o general Rêgo Barros, então chefe do
Centro de Comunicação do Exército, foi responsável por comandar todo o
planejamento para discutir estratégias e atitudes de comunicação, cuja
agenda envolvia reuniões diárias.
Bolsonaro rompeu com politicamente correto
Em outro trecho, ao falar sobre o governo Bolsonaro, Villas Bôas refuta a ideia de que o presidente representa a volta dos militares ao poder, mesmo havendo recorde de militares em cargos de primeiro e segundo escalão. Para o general, "Bolsonaro deu ênfase ao combate ao politicamente correto, do qual a população estava cansada.”Segundo
o general, a esquerda aderiu ao "politicamente correto" com "pautas
esvaziadas desde a queda do comunismo", a partir da oposição de classes.
Isso faz, na avaliação do militar, que haja dificuldade de enxergar a
realidade, sem se importar com os resultados produzidos Para ele,
isso mostra que a sociedade está "carente de valores universais, que
igualem as pessoas pela condição humana, acima da classificação
aleatória que se lhes atribui."
"Quanto maior a ênfase, por
exemplo, nas teorias de gênero, maior a homofobia; quanto mais igualdade
de gêneros, mais cresce o feminicídio; quanto mais se combate a
discriminação racial, mais ela se intensifica; quanto maior o
ambientalismo, mais se agride o meio ambiente; e quanto mais forte o indigenismo, pior se tornam as condições de vidas de nossos índios",
relatou na entrevista.
Questionado sobre a conversa entre ele e o presidente, quando este
disse que o general era um dos responsáveis pela sua chegada ao Palácio
do Planalto, disse que a conversa “morrerá” entre eles e que “não foi
um tema de caráter conspiratório”.
No livro, ao mesmo tempo em que
rechaça a sua proximidade com a política, assim como a do Exército, o
militar relata encontros com o ex-presidente Michel Temer para discutir
uma reação do Exército à possibilidade de impeachment e também com os
presidenciáveis de 2018 para debater “projeto nacional”.
Sobre o
governo Dilma, o general afirma que havia um distanciamento da cúpula
militar com o Planalto, diferentemente da relação nos dois mandatos do
ex-presidente Lula. Diz que os indícios de corrupção, a evolução
negativa da economia e os moldes da Comissão da Verdade despertaram "um
sentimento de traição em relação ao governo". "Foi uma facada nas
costas, mesmo considerando que foi decorrência de antigos compromissos
assumidos pela presidente Dilma", relata o general, para quem a comissão
foi vista como "revanchismo".
Brasil - Jornal O Globo