Folha de S. Paulo - UOL
Em maio, o prefeito de Corrente havia pedido dez mil luvas, mil aventais impermeáveis, cinco mil máscaras e 240 litros de álcool ao governador. A rede pública de Brasília estava sobrecarregada, e o estoque de equipamentos de proteção entrara em colapso em pelo menos dois hospitais. No dia 17 de julho, o governador oficializou a doação, e no lote iriam 12.560 máscaras. O pedido havia sido de cinco mil.
Em agosto, sem relação com esse caso, foram presos o secretário de Saúde de Brasília e seis de seus colaboradores. Com relação, o Ministério Público de Contas representou contra Ibaneis para que se investigasse a regularidade da doação, até mesmo porque foi feita sem licitação e sem a avaliação de sua conveniência. Ibaneis Rocha foi criado em Corrente, tem três fazendas em municípios vizinhos e boas relações com o prefeito local, que é candidato à reeleição.
Pelo menos nove unidades da Federação viram seus governos metidos em malfeitorias com o dinheiro da saúde pública. Descobriram-se irregularidades nos hospitais de campanha do Rio de Janeiro e até a compra de respiradores pelo país afora, mas doação do que faltava num estado para mimar amigo de outro é coisa que só se viu em Brasília.
No dia 14 de setembro, a juíza Sandra Cristina Candeira de Lira, do Tribunal de Justiça de Brasília, intimou o governador Ibaneis Rocha para “esclarecer a dinâmica dos fatos” incluindo no “polo passivo da lide”. Em português: Ibaneis se tornou réu. Sabe-se lá como terminará essa história, mas a providência terá a virtude de expor os mecanismos desse caso singular de filantropia. Ibaneis Rocha é um advogado e empresário bem-sucedido. Em 2018, declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de R$ 98 milhões. Em sua campanha, ele tinha o slogan “Pra Fazer a Diferença”. Fez. [um dos motes de sua campanha era dizer que pagava do próprio bolso o necessário para realizar alguns 'milagres' que ele prometia fazer quando eleito.]
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Cuecas
Seguindo uma regra jurídica antiga, celebrizada pela fala do traficante carioca Elias Maluco ao ser capturado, em 2002 (“prende, mas não esculacha”), o ministro Luís Roberto Barroso mandou guardar num cofre o vídeo da apreensão da lingerie financeira do senador Chico Rodrigues.
Tudo bem, mas em 1949, o deputado Barreto Pinto foi cassado por quebra de decoro porque a revista “O Cruzeiro” publicou fotografias nas quais posava de “casaca e cueca.” Barreto Pinto não tinha dinheiro na cueca e morreu garantindo que foi enganado pelo repórter David Nasser e pelo fotógrafo Jean Manzon, que haviam se comprometido a não publicar as fotografias de corpo inteiro.
Madame Natasha
Desde o dia em que Natasha viu o ministro Edson Fachin lendo uma longa citação do professor Edson Fachin num de seus votos no Supremo Tribunal Federal, a senhora acompanha com atenção suas falas. Outro dia, ele votou num caso em que se discutia o direito de o presidente da República escolher os reitores de universidades federais entre os integrantes das listas tríplices que lhe são enviadas.
A lei diz que as universidades são autônomas e que as listas devem ter três nomes. O doutor disse o seguinte: “Está em horizonte mais ampliado que a dimensão meramente vocabular o deslinde da controvérsia. Faz-se necessário reconstruir normativamente sua inserção no ordenamento constitucional brasileiro, entendendo, sobretudo, as especificidades de sua concretização no sintagma ‘autonomia universitária’”.
Natasha não entendeu o fachinês, mas o ministro esclareceu que a escolha do presidente deveria preencher três condições, sendo que a terceira seria de que “a escolha recaia sobre o docente indicado em primeiro lugar na lista”.
A senhora não entende como uma lista pode ser tríplice, devendo a escolha recair sobre o primeiro indicado. [talvez o supremo ministro se antecipou e pretende resolver eventuais impedimentos que impeçam escolher o primeiro da lista?] Para piorar, Eremildo, o idiota, contou a Natasha que, em 2016, Fachin achava exatamente o contrário.
O estilo Fux
Se o ministro Luiz Fux não polir seu estilo, corre o risco de inverter o milagre das bodas de Caná, transformando vinho em água. Com poucas semanas na cadeira de presidente do Supremo, comeu a jabuticaba que jogava relevantes questões penais para as turmas, mandando-as para o plenário. Em seguida, livrou a Corte da carga de ter libertado o chefão André do Rap.
Nos dois casos, o tribunal acompanhou-o. Num, por unanimidade, no outro, com um único voto contrário, o do ministro Marco Aurélio Mello. Ainda assim, é perseguido pelo rótulo de autoritário.
Chico Stone
Assim como a cruzada de pernas de Sharon Stone no filme “Instinto selvagem” entrou para a história do erotismo cinematográfico, o vídeo do traseiro endinheirado do senador Chico Rodrigues entrará para a história da nova moralidade política, aquela que surgiu no rastro da campanha de Jair Bolsonaro, tendo como passistas Fabrício Queiroz e o governador Wilson Witzel.
Folha de S. Paulo e no O Globo, MATÉRIA COMPLETA - Elio Gaspari, jornalista