No ano de seu centenário, a Organização Internacional do Trabalho (OIT)
afirma em seu Panorama Laboral para a América Latina e Caribe que se
deparou com uma incerteza básica: “A região se encontra em uma difícil
encruzilhada entre o passado, o presente e o futuro do trabalho”. Entre
as muitas incertezas que afetam a economia global, mais esta intensifica
as inquietudes e priva a região da necessária serenidade para promover a
recuperação econômica em ritmo satisfatório para reduzir gritantes
diferenças sociais. Os índices de desocupação aumentam e há sinais de
precarização dos empregos, afetando especialmente camadas mais
vulneráveis, como os mais pobres e menos qualificados, mulheres e
jovens.
As estimativas são de que no final de 2019 as taxas de desemprego tenham ficado em 8,1%, dois pontos porcentuais acima do registrado em 2014, quando se atingiu o nível mais baixo de desocupação neste século. Em 2020, a se confirmarem as projeções de crescimento econômico lento (1,4%), as taxas de desemprego devem se elevar para 8,4%. Serão 26 milhões de desempregados que podem aumentar para 27 milhões – sem contar cerca de 40 milhões de subutilizados, ou quase 20% da força de trabalho. A criação de empregos com registro se desacelerou, principalmente em relação aos empregos por conta própria, sinal de aumento de informalidade, enquanto a subocupação por insuficiência de horas aumentou, evidenciando a precarização do trabalho.
A “encruzilhada” de que fala a OIT impõe às lideranças latino-americanas
reestruturar suas políticas de emprego. O superciclo das commodities,
do início dos anos 2000 até 2013, permitiu a vários países gerar
programas que facilitaram a formalização do emprego por meio da
ampliação da seguridade social e dos benefícios trabalhistas. Ainda que o
resultado geral tenha sido positivo, a insuficiência destes programas e
o imediatismo dos governos, que investiram mal em elementos capitais
para um crescimento sustentável, como educação, infraestrutura e
diversificação econômica, cobram o seu preço.
Às dificuldades de aplicar medidas contracíclicas que atenuariam os
efeitos da desaceleração econômica desde 2014 somaram-se restrições
fiscais. Após um período de expansão da classe média anabolizada por
créditos e subsídios não sustentáveis, o acúmulo de frustrações,
catalisado pela desconfiança em relação à classe política, rebentou nas
ruas do Chile, Equador, Bolívia e Peru e pode se intensificar em 2020.
É um alerta para a necessidade de um amplo diálogo entre empregadores,
trabalhadores e governos para identificar carências e prioridades na
elaboração de políticas sociolaborais. Além de contemplar dinâmicas
globais que estão impactando o mundo do trabalho, como as transições
tecnológicas, demográficas e ambientais, as respostas institucionais
precisam atender os grupos mais vulneráveis, como os das mulheres, que
respondem pelo sustento de quase uma em cada três famílias na região, e
especialmente os jovens.
A taxa de desemprego juvenil é três vezes maior que a da população
adulta. Um em cada cinco jovens busca trabalho e não encontra. Os que
encontram trabalham em condições precárias (informalidade, baixos
salários, escassa estabilidade e pouco treinamento). Cerca de 22% dos
jovens não estudam nem trabalham. Desde os anos 80, os modelos de
intervenção baseados na combinação de formação e estágio em empresas
melhoraram a empregabilidade dos jovens. Mas tais modelos precisam agora
de uma atualização que capacite os jovens profissionais a enfrentar as
transições que certamente virão. Além disso, é preciso explorar o
potencial das novas ferramentas de computação e comunicação para
dinamizar a provisão de competências, serviços de emprego e o
empreendedorismo, além de um diálogo social que dê mais voz e
protagonismo aos jovens. Caso contrário o trabalho das gerações passadas
pode se perder, e com ele a prosperidade futura.
Editorial - O Estado de S. Paulo