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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Tudo dando certo - William Waack

O Estado de S. Paulo

Cenário internacional ajuda o Brasil e tira senso de urgência para questão fiscal

A julgar pelo noticiário da imprensa especializada internacional (Financial Times, por exemplo), começou um novo ciclo de forte valorização de commodities. A subida de preços abrange 27 tipos que vão do café ao níquel, e incluem produtos agrícolas nos quais o Brasil é campeão mundial. Os investidores ainda indagam se é mais do que uma recuperação em “V” das profundezas da crise da pandemia, mas consolida-se a percepção de que estamos indo para um superciclo, comparável ao do início de 2000.

O Brasil é muito mais dependente das grandes conjunturas externas do que nos é confortável admitir. Por exemplo, é impossível entender o que foi o período do PT sem levar em conta o superciclo das commodities de 20 anos atrás. Ele criou uma bonança que alterou os cálculos políticos. E explicava o surgimento da tal “nova classe média”: não era o “projeto petista”, mas, sim, o crescimento da China, a expansão do comércio exterior (globalização) e a demanda por nossas exportações – sendo que o mesmo volume do nosso minério de ferro passara a comprar muito mais TVs de tela plana.

Junte-se a descoberta do pré-sal, na metade daquela década, quando o barril do petróleo foi para as alturas, e temos a mistura de fatores, sobre os quais não tínhamos qualquer controle, criando uma atmosfera política do “tudo é possível”. Lula nunca entendeu o que aconteceu no grande quadro internacional e talvez pense até hoje ter sido o criador do superciclo o fato é que a bonança acabou desperdiçada por falta de visão política (abandonaram-se as reformas), irresponsabilidade, corrupção (que não foi inventada pelo PT) e intervencionismo estatal desastroso.

A lição que essa (admita-se) ultrasimplificação da nossa recente história oferece é a de que o surgimento de uma “zona de conforto”, criada por fatores sobre os quais pouco influímos, tem um impacto direto na conduta dos agentes políticos e do setor privado. Em outras palavras, nada fica parecendo tão urgente que não possa ser deixado para amanhã. Aplicado às circunstâncias atuais, o vigoroso movimento de alta das commodities – sim, com jeito de superciclo – talvez ajude a entender a calma com que os mercados reagem especialmente ao que o governo brasileiro deixa de fazer.

A situação fiscal está no limite e a probabilidade de que reformas estruturantes sejam aprovadas este ano é muito reduzida. Porém, a combinação de dois fatores amplos proporciona essa agradável situação, tão ao gosto do Centrão, de que as coisas podem ir sendo empurradas com a barriga, especialmente cortes em despesas. Um fator é a extraordinária injeção de liquidez mundial com juros baixos e a recuperação da China e dos Estados Unidos sob um inédito pacote de incentivos. O outro é a noção de que a vacinação em massa (mesmo com os percalços brasileiros) induz a uma retomada da economia mais acelerada do que se calculava ainda há dois meses.

Com isso, diminui também não só a “pressa” de resolver nossos intratáveis problemas estruturais. Ressurge com ênfase entre agentes políticos a discussão se o reaquecimento da economia e a consequente recuperação da arrecadação não seriam, por si, suficientes para criar o tal “robusto marco fiscal” que permita prosseguir no pagamento do auxílio emergencial – algo vital para a pretensão de reeleição de Bolsonaro. Basta declarar a tal “excepcionalidade temporária” com que as forças políticas no Congresso que capturaram o Planalto pretendem promover a quadratura do círculo (gastar mais e cortar menos).

É possível que esse sopro favorável internacional ajude a consolidar na cabeça de Jair Bolsonaro, sempre inclinado a acreditar no absurdo e no fácil, a percepção de que tudo está dando certo.

William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 5 de março de 2020

Desemprego na América Latina – Editorial - O Estado de S. Paulo

No ano de seu centenário, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma em seu Panorama Laboral para a América Latina e Caribe que se deparou com uma incerteza básica: “A região se encontra em uma difícil encruzilhada entre o passado, o presente e o futuro do trabalho”. Entre as muitas incertezas que afetam a economia global, mais esta intensifica as inquietudes e priva a região da necessária serenidade para promover a recuperação econômica em ritmo satisfatório para reduzir gritantes diferenças sociais. Os índices de desocupação aumentam e há sinais de precarização dos empregos, afetando especialmente camadas mais vulneráveis, como os mais pobres e menos qualificados, mulheres e jovens.

As estimativas são de que no final de 2019 as taxas de desemprego tenham ficado em 8,1%, dois pontos porcentuais acima do registrado em 2014, quando se atingiu o nível mais baixo de desocupação neste século. Em 2020, a se confirmarem as projeções de crescimento econômico lento (1,4%), as taxas de desemprego devem se elevar para 8,4%. Serão 26 milhões de desempregados que podem aumentar para 27 milhões sem contar cerca de 40 milhões de subutilizados, ou quase 20% da força de trabalho. A criação de empregos com registro se desacelerou, principalmente em relação aos empregos por conta própria, sinal de aumento de informalidade, enquanto a subocupação por insuficiência de horas aumentou, evidenciando a precarização do trabalho.
A “encruzilhada” de que fala a OIT impõe às lideranças latino-americanas reestruturar suas políticas de emprego. O superciclo das commodities, do início dos anos 2000 até 2013, permitiu a vários países gerar programas que facilitaram a formalização do emprego por meio da ampliação da seguridade social e dos benefícios trabalhistas. Ainda que o resultado geral tenha sido positivo, a insuficiência destes programas e o imediatismo dos governos, que investiram mal em elementos capitais para um crescimento sustentável, como educação, infraestrutura e diversificação econômica, cobram o seu preço.

Às dificuldades de aplicar medidas contracíclicas que atenuariam os efeitos da desaceleração econômica desde 2014 somaram-se restrições fiscais. Após um período de expansão da classe média anabolizada por créditos e subsídios não sustentáveis, o acúmulo de frustrações, catalisado pela desconfiança em relação à classe política, rebentou nas ruas do Chile, Equador, Bolívia e Peru e pode se intensificar em 2020.

É um alerta para a necessidade de um amplo diálogo entre empregadores, trabalhadores e governos para identificar carências e prioridades na elaboração de políticas sociolaborais. Além de contemplar dinâmicas globais que estão impactando o mundo do trabalho, como as transições tecnológicas, demográficas e ambientais, as respostas institucionais precisam atender os grupos mais vulneráveis, como os das mulheres, que respondem pelo sustento de quase uma em cada três famílias na região, e especialmente os jovens.



A taxa de desemprego juvenil é três vezes maior que a da população adulta. Um em cada cinco jovens busca trabalho e não encontra. Os que encontram trabalham em condições precárias (informalidade, baixos salários, escassa estabilidade e pouco treinamento). Cerca de 22% dos jovens não estudam nem trabalham. Desde os anos 80, os modelos de intervenção baseados na combinação de formação e estágio em empresas melhoraram a empregabilidade dos jovens. Mas tais modelos precisam agora de uma atualização que capacite os jovens profissionais a enfrentar as transições que certamente virão. Além disso, é preciso explorar o potencial das novas ferramentas de computação e comunicação para dinamizar a provisão de competências, serviços de emprego e o empreendedorismo, além de um diálogo social que dê mais voz e protagonismo aos jovens. Caso contrário o trabalho das gerações passadas pode se perder, e com ele a prosperidade futura.

Editorial  - O Estado de S. Paulo