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quinta-feira, 5 de março de 2020

Desemprego na América Latina – Editorial - O Estado de S. Paulo

No ano de seu centenário, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma em seu Panorama Laboral para a América Latina e Caribe que se deparou com uma incerteza básica: “A região se encontra em uma difícil encruzilhada entre o passado, o presente e o futuro do trabalho”. Entre as muitas incertezas que afetam a economia global, mais esta intensifica as inquietudes e priva a região da necessária serenidade para promover a recuperação econômica em ritmo satisfatório para reduzir gritantes diferenças sociais. Os índices de desocupação aumentam e há sinais de precarização dos empregos, afetando especialmente camadas mais vulneráveis, como os mais pobres e menos qualificados, mulheres e jovens.

As estimativas são de que no final de 2019 as taxas de desemprego tenham ficado em 8,1%, dois pontos porcentuais acima do registrado em 2014, quando se atingiu o nível mais baixo de desocupação neste século. Em 2020, a se confirmarem as projeções de crescimento econômico lento (1,4%), as taxas de desemprego devem se elevar para 8,4%. Serão 26 milhões de desempregados que podem aumentar para 27 milhões sem contar cerca de 40 milhões de subutilizados, ou quase 20% da força de trabalho. A criação de empregos com registro se desacelerou, principalmente em relação aos empregos por conta própria, sinal de aumento de informalidade, enquanto a subocupação por insuficiência de horas aumentou, evidenciando a precarização do trabalho.
A “encruzilhada” de que fala a OIT impõe às lideranças latino-americanas reestruturar suas políticas de emprego. O superciclo das commodities, do início dos anos 2000 até 2013, permitiu a vários países gerar programas que facilitaram a formalização do emprego por meio da ampliação da seguridade social e dos benefícios trabalhistas. Ainda que o resultado geral tenha sido positivo, a insuficiência destes programas e o imediatismo dos governos, que investiram mal em elementos capitais para um crescimento sustentável, como educação, infraestrutura e diversificação econômica, cobram o seu preço.

Às dificuldades de aplicar medidas contracíclicas que atenuariam os efeitos da desaceleração econômica desde 2014 somaram-se restrições fiscais. Após um período de expansão da classe média anabolizada por créditos e subsídios não sustentáveis, o acúmulo de frustrações, catalisado pela desconfiança em relação à classe política, rebentou nas ruas do Chile, Equador, Bolívia e Peru e pode se intensificar em 2020.

É um alerta para a necessidade de um amplo diálogo entre empregadores, trabalhadores e governos para identificar carências e prioridades na elaboração de políticas sociolaborais. Além de contemplar dinâmicas globais que estão impactando o mundo do trabalho, como as transições tecnológicas, demográficas e ambientais, as respostas institucionais precisam atender os grupos mais vulneráveis, como os das mulheres, que respondem pelo sustento de quase uma em cada três famílias na região, e especialmente os jovens.



A taxa de desemprego juvenil é três vezes maior que a da população adulta. Um em cada cinco jovens busca trabalho e não encontra. Os que encontram trabalham em condições precárias (informalidade, baixos salários, escassa estabilidade e pouco treinamento). Cerca de 22% dos jovens não estudam nem trabalham. Desde os anos 80, os modelos de intervenção baseados na combinação de formação e estágio em empresas melhoraram a empregabilidade dos jovens. Mas tais modelos precisam agora de uma atualização que capacite os jovens profissionais a enfrentar as transições que certamente virão. Além disso, é preciso explorar o potencial das novas ferramentas de computação e comunicação para dinamizar a provisão de competências, serviços de emprego e o empreendedorismo, além de um diálogo social que dê mais voz e protagonismo aos jovens. Caso contrário o trabalho das gerações passadas pode se perder, e com ele a prosperidade futura.

Editorial  - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Divulgar corretamente é crucial - Raul Velloso

O Estado de S. Paulo

São elogiáveis os esforços por parte do governo em relação à divulgação das atualizações dos impactos das diferentes versões da reforma da Previdência

O "x" da questão fiscal no Brasil, todos sabem, se chama previdência. Nesse sentido, são elogiáveis os esforços por parte do governo em relação à divulgação das atualizações dos impactos das diferentes versões do projeto em meio à sua tramitação, bem como a criação de uma página-web (Transparência Nova Previdência) em que disponibiliza um vasto material com notas metodológicas dos modelos utilizados e memórias de cálculo das projeções.  A avaliação dos impactos fiscais da alteração de regras previdenciárias não costuma ser tarefa simples, tendo em vista a quantidade e a complexidade dessas regras, bem como a necessidade de incorporação de fatores demográficos, atuariais e econômicos. Nesse sentido, é esperado que existam discrepâncias entre números de diferentes instituições, decorrentes da utilização de modelos distintos ou até mesmo de variações em relação aos parâmetros econômicos e atuariais escolhidos.

No caso dos modelos de projeção utilizados pelo governo, sabe-se que esses consistem em instrumentos desenvolvidos conjuntamente por diversos órgãos e seguem metodologias atuariais alinhadas àquelas utilizadas por organismos internacionais, como Banco Mundial, Organização Internacional do Trabalho e Banco Interamericano de Desenvolvimento. Os resultados gerados são amplamente publicados em avaliações atuariais do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) da União e encaminhados ao Congresso Nacional em meio às etapas do processo orçamentário. A última divulgação oficial dos números da nova Previdência aponta para uma economia total de R$ 933,5 bilhões em 10 anos.
Observa-se que os impactos, em termos absolutos, são mais concentrados no RGPS (R$ 654,7 bilhões) do que no RPPS da União (R$ 159,8 bilhões), o que leva muitas vezes a uma conclusão equivocada de que os trabalhadores do setor privado seriam os mais afetados, no entanto, não é isso que ocorre. Num exercício simples, a divisão dos impactos pelo total de trabalhadores e beneficiários em cada regime revela que o trabalhador do setor privado arcaria com cerca de R$ 9.200, em média, enquanto o servidor público federal com cerca de R$ 114.100. Ou seja, os impactos são muito mais concentrados nos servidores, o que revela o enfoque redistributivo da reforma.

Em relação ao RGPS, o maior impacto é nas aposentadorias por tempo de contribuição (R$ 384,8 bilhões), resultante da necessária fixação de idade mínima nessa modalidade de aposentadoria. Tal medida é fundamental e afeta somente os indivíduos socialmente mais favorecidos (maior renda, formalidade, estabilidade e melhores condições de trabalho), que se aposentam precocemente hoje, aos 55/52 anos (homens/mulheres), em média, enquanto os indivíduos mais pobres se aposentam bem mais tarde, com 65,5/61,5 anos, em média. Em relação aos impactos sobre os servidores federais, o maior é sobre as aposentadorias (R$ 103,2 bilhões), decorrente principalmente da imposição de maiores restrições para que os servidores públicos mais antigos (que ingressaram até 2003) consigam se aposentar com valor igual ao do último salário, possibilidade essa que inexiste para os trabalhadores do setor privado.

Outro impacto importante refere-se às mudanças nas regras de pensão por morte (R$ 139,3 bilhões), benefício que possui despesa muito elevada quando comparada internacionalmente: o Brasil é o país que mais gasta com pensões, em porcentual do PIB. Além desse, cerca de R$ 76,4 bilhões do total advêm de mudanças no abono salarial, que permitirão maior focalização da transferência de renda nos mais pobres.  A equipe de Rogério Marinho, responsável pela área no Ministério da Economia, é formada por servidores públicos de carreira, conhecidos e respeitados. Nenhuma outra instituição hoje tem dados tão robustos quanto eles. Concluo lembrando que o secretário de Previdência, Leonardo Rolim, conhecido pelo seu zelo com números e projeções, já entregou o cargo em um governo passado justamente por não aceitar divulgar estimativas infladas. Que todos continuem assim, pelo bem do País.


Raul Velloso - O Estado de S. Paulo