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terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Precatórios: mais uma bizarrice made in Brazil - Revista Oeste

 Ilustração: Nuthawut Somsuk/Shutterstock
Ilustração: Nuthawut Somsuk/Shutterstock

Em resumo, os precatórios são dívidas do Poder Público com pessoas físicas ou jurídicas já reconhecidas pela Justiça — ou seja, sem chance de apelação. Assim, quando cidadãos e empresas processam qualquer uma das três esferas de governo (municipal, estadual ou federal) e obtêm ganho de causa, o Judiciário emite uma ordem de pagamento. Depois do trânsito em julgado, a dívida com os credores tem de ser quitada no ano seguinte. Isso teoricamente. Na prática, as sentenças judiciais são frequentemente descumpridas pelo Estado.

Ilustrando de outra forma, a situação é a seguinte: você (o cidadão pagador de impostos) sustenta quem lhe deve dinheiro (o Estado). E quem lhe deve dinheiro continua recebendo cada centavo sem pagar ao credor (você) nenhum real.

O caminho até o pagamento dos precatórios é longo

A família de Amedeo Augusto Papa Júnior, de 46 anos, é uma dessas vítimas do Estado. Sua mãe era sócia minoritária do Grupo Giorgi, detentor da marca Sal Cisne. Em 1973, uma parte das garagens e do edifício-sede da companhia — o Grande Avenida, localizado na Avenida Paulista — foi desapropriada pela prefeitura de São Paulo. “É uma situação complicada, porque esse tipo de desapropriação não atingiu apenas uma família. São várias pessoas envolvidas”, revelou o advogado, em entrevista concedida a Oeste.

Quando decidiu deixar a companhia, em 1982, a mãe de Amedeo fechou um acordo para ser indenizada. Parte do dinheiro foi recebida em pagamento de precatórios que uma das empresas do Grupo Giorgi possuía na prefeitura da capital paulista. No entanto, ainda restam pendências a ser quitadas pela administração municipal, como a correção pelo índice de inflação. “Esses complementos sempre tiveram a mesma prioridade que o precatório original”, explica Amedeo. “Você não voltava para o final da fila. Uma vez que o precatório complementar era reconhecido, havia uma ordem cronológica a ser seguida.”

Neste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma resolução determinando que os precatórios complementares sejam considerados novos precatórios — ou seja, precisam ser expedidos novamente. E o fantasma da burocracia voltou a atormentar a família de Amedeo. “Minha mãe foi indiretamente atingida por uma desapropriação e recebeu parcialmente o pagamento em precatório, mas ainda há dinheiro a receber”, salientou o advogado. “É quase como um bilhete de loteria que você ganhou, mas não tem um guichê para buscar o prêmio.”

Documentos do processo envolvendo a desapropriação do Edifício Grande Avenida, que tramita na 9ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, mostram que a dívida acumulada da prefeitura com a família de Amedeo ultrapassa a marca de R$ 1 milhão.

Não há a quem recorrer
Embora o pagamento de precatórios seja obrigação do Poder Público, seu descumprimento raramente é punido pela Justiça. “Se entro com uma ação contra o Estado, não posso proceder à execução da mesma maneira como faria se a ação fosse ajuizada contra uma pessoa comum”, explicou o advogado Adriano Ferriani, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócio do escritório de advocacia Ferriani, Jamal & Fornazari. “Isso acontece porque os bens públicos não podem ser penhorados.”

Embora a União esteja sob os holofotes, Estados e municípios são os recordistas de inadimplência

Em entrevista concedida ao programa Direto ao Ponto, da rádio Jovem Pan, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega criticou o descaso estatal na condução dos precatórios. “Gastar com advogado, comparecimento a tribunais… e no fim o autor morre e são os herdeiros que concluem o processo. Quando acaba essa saga de décadas, o governo diz: ‘Não pago’”, observou. “É inacreditável uma equipe econômica que se diz liberal, que sabe o valor da propriedade privada, propor a violação desse direito fundamental.” [ex-ministro Mailson! qual dos dois direitos é mais fundamental: não morrer de fome? ou receber precatórios?]

O advogado e professor André Félix Ricotta de Oliveira, presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), segue na mesma linha. “Se a União agisse de forma mais correta, teríamos menor acúmulo desses processos no Judiciário e menos precatórios a serem pagos”, argumentou. “É um contrassenso, um desrespeito ao cidadão que esperou longos anos em processos judiciais para conseguir o que lhe é de direito. Quando obtém algo, o Estado surge com uma PEC para fracionar esse pagamento, mudando as regras do jogo.”

Embora a União esteja sob os holofotes, Estados e municípios são os recordistas de inadimplência, com mais de R$ 150 bilhões de dívidas acumuladas em precatórios. Na esfera federal, por sua vez, o saldo devedor é de quase R$ 45 bilhões. Compõem esse passivo dívidas judiciais relacionadas a salários, pensões, aposentadorias, indenizações e desapropriações. Esse valor pendente de pagamento poderá ser multiplicado nos próximos anos, caso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios avance no Congresso Nacional.

A União deve menos do que Estados e municípios
(...)
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Embora seja o Estado mais rico do país, São Paulo é o maior devedor [o maior caloteiro é o Dória, mesmo assim os contrários à PEC dos Precatórios querem que mais de 17.000.000 de famílias passem mais fome, já que a rejeição da PEC = fim do Auxílio Brasil.]

Neste ano, a estimativa do governo federal é pagar cerca de R$ 55 bilhões em precatórios. Em 2022, a projeção seria de quase R$ 90 bilhões, mas esse valor deve ser reduzido para pouco mais de R$ 44 bilhões com a aprovação da PEC dos Precatórios. Os outros R$ 46 bilhões ajudariam a bancar o Auxílio Brasil, programa social que sucede ao Bolsa Família
 
Segundo o advogado Adriano Ferriani, União, Estados e municípios são todos devedores. Mas a esfera federal, depois do trânsito em julgado da sentença judicial, não dá calote — pelo menos até a PEC dos Precatórios virar realidade. “A União vem pagando em dia. Os Estados e municípios são um caso à parte”, afirmou. “Depois que o precatório é expedido, a grande maioria não paga no ano seguinte, geralmente por falta de dinheiro suficiente para todos os gastos”, explicou o advogado. “Isso gera um enorme atraso. Os valores são corrigidos monetariamente. Mas, mesmo assim, muitas vezes o credor morre no meio dessa espera toda.”

De acordo com os especialistas consultados por Oeste,
a demora no pagamento de precatórios se deve a uma combinação de fatores que podem parecer contraditórios entre si: a burocracia dos processos judiciais no Brasil, com seus intermináveis recursos e apelações a diversas instâncias, e o avanço digital dos tribunais. Em entrevista concedida à Jovem Pan, Maílson da Nobrega analisou essa questão: “Antigamente, levava seis meses para o processo passar de uma mesa para outra”, explicou o ex-ministro da Fazenda. “Agora, é um segundo. Basta um clique. Os plenários virtuais tornaram muito mais eficiente o trabalho do Judiciário. Além disso, o Novo Código de Processo Civil reduziu a burocracia dos processos judiciais. Por isso, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça passaram a decidir muito mais rapidamente.” Nesse caso, a celeridade na resolução dos processos caminha em descompasso com o cumprimento das sentenças judiciais pelo Estado.

Diante de tamanha demora para receber o pagamento dos precatórios, muitos brasileiros recorrem a grupos que se especializaram na compra desses títulos para quitar pendências judiciais. Pessoas físicas ou jurídicas podem contratar empresas que intermedeiam a negociação desses créditos. Os credores recebem menos, mas de forma muito mais rápida do que pelos trâmites convencionais. A operação é legal e, dependendo da situação, acaba sendo vantajosa para quem tem dinheiro a receber.
 
Pesadelo triplo
Uma das empresas que fazem esse tipo de serviço é a Cashew Capital, da qual Adriano Ferriani participa. “Os sócios da Cashew são todos advogados e têm suas próprias bancas de advocacia”, revelou. “Percebendo a dificuldade para os credores receberem, vimos a oportunidade de criar uma empresa que intermediasse a negociação desses valores.” O advogado ressalta que os credores não ganham o valor integral, mas conseguem receber antecipadamente os precatórios. “Quem tem dinheiro para investir e não tem problema em esperar acaba tendo uma oportunidade de investimento a longo prazo”, disse. “O credor cede seu crédito para os investidores, ganha menos do que tinha direito, mas antecipa o recebimento e consegue tocar a vida.”

Esse desarranjo econômico, fiscal e jurídico também afeta a administração pública. O dinheiro para o pagamento de precatórios tem de sair das chamadas despesas não obrigatórias (discricionárias), consideravelmente menores que as obrigatórias (salários de servidores, aposentadorias e encargos da dívida pública). Em suma, trata-se de um pesadelo para as três esferas de governo, que sofrem com a escassez de recursos em razão do constante aumento dessas dívidas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, manifestou ainda em dezembro do ano passado sua preocupação com o crescimento acelerado dessas despesas, que teriam ultrapassado os gastos com saúde, educação e segurança. “Não existia e, de repente, aparecem R$ 15 bilhões por ano”, observou, ao ressaltar que o país corre o risco de ser destruído pela indústria de precatórios. “Aí, pula para R$ 25 bilhões no governo seguinte. No ano que vem, serão cerca de R$ 40 bilhões. Será que estamos tratando do assunto corretamente?”
 
Idosos, os principais atingidos

Embora as contas públicas possam ser comprometidas em razão do acúmulo de dívidas relacionadas aos precatórios, é o pagador de impostos que sofre de fato com a falta de recursos. Para consertar suas barbeiragens na gestão econômica, o Estado pode imprimir dinheiro ou aumentar impostos. Apesar de ambas as medidas terem consequências catastróficas a longo prazo, resolvem um problema de curtíssimo prazo, permitindo aos governos gastar sem parcimônia. O brasileiro comum, todavia, não usufrui desse privilégio.

Postergar ou não pagar as dívidas com os cidadãos, portanto, atenta contra os mínimos requisitos morais exigidos de gestores públicos. “Um possível calote prejudicará milhares de pessoas”, alertou o advogado Álvaro Lopez, de 89 anos. “A maioria dos precatórios a serem pagos é relacionada à Previdência Social, como INSS e aposentadoria. É um dinheiro que é destinado aos pobres, que lutaram a vida inteira para se aposentar. Os idosos serão os principais atingidos pelo calote.”

Se Henry Ford conhecesse a confusão dos precatórios brasileiros, com certeza promoveria, ele mesmo, uma revolução antes do alvorecer.

Leia mais: “O longo caminho do liberalismo”

Revista Oeste

 

sábado, 16 de outubro de 2021

Delação fantasiada de jornalismo - Revista Oeste

Augusto Nunes

Folha atropela a Constituição e viola o sigilo da fonte alheia 

Jânio Quadros e Fernando Henrique Cardoso entraram emparelhados na reta final da corrida pela prefeitura de São Paulo. A votação ocorreria no dia 15, uma sexta-feira, e me cabia cuidar da reportagem de capa da revista Veja, que incluiria obrigatoriamente o ainda imprevisível desfecho do duelo. Para redigir o texto eu teria parte da noite de sexta e a madrugada de sábado. O problema era a foto. Como a capa da edição requeria cuidados que consumiam cerca de 48 horas, a imagem teria de ser produzida até o dia 13. E havia uma complicação adicional: o ex-presidente e o senador deveriam posar para a câmera — separadamente, claro — sentados na cadeira então ocupada pelo prefeito Mário Covas. Jânio nem quis conversa. Mandou um assessor avisar que não confiava em nenhum jornalista e encerrou o assunto. Bem mais gentil, Fernando Henrique aceitou de imediato a proposta da revista: se não vencesse a eleição, receberia tanto as fotos reveladas quanto os negativos. Na tarde da quarta-feira, a sucessão de cliques se aproximava do fim quando uma assessora do candidato entrou no gabinete para transmitir-lhe a insatisfação de duas duplas, compostas de um repórter e um fotógrafo, acampadas na sala de espera.

Os coleguinhas estão enciumados — informou a assessora, referindo-se aos jornalistas do Estadão e da Folha de S.Paulo. — Acham que a Veja tem tratamento privilegiado.

Depois de alguns segundos de silêncio, Fernando Henrique quis saber se me opunha à entrada dos queixosos. — O senhor é quem decide — saí pela tangente. — Mas acho bom deixar claro que as fotos estão embargadas até o encerramento da apuração.

Os quatro jornalistas concordaram sem hesitação com os termos do acordo. No dia seguinte, descobrimos que a Folha resolvera antecipar-se à Veja e ao Estadão: lá estava a foto embargada arrendando um latifúndio de papel na primeira página. O repórter alegou mais tarde que o editor de Política se limitara a lembrar aos dois subordinados que nenhum deles estava autorizado a fechar acordos em nome do jornal. Ainda hoje a foto é apresentada como prova do presunçoso açodamento de um poço de vaidade. Tremenda fake news. Fernando Henrique foi vítima de mais uma prova contundente de que a Folha não tem palavra.

Entrevistado pelo programa Direto ao Ponto, da Jovem Pan, o jornalista Alexandre Garcia resgatou outro episódio exemplar. Ele era subsecretário de Imprensa Nacional do governo João Figueiredo quando foi encarregado de escalar o grupo de colegas que testemunhariam um encontro entre o presidente da República e o cardiologista Euryclides Zerbini. A pedido de amigos e parentes de Figueiredo, o médico famoso tentaria publicamente convencer o chefe de governo a abandonar o cigarro. Foi o que fez quando a conversa ia chegando ao fim. Zerbini insistiu em saber o que impedia o anfitrião de livrar-se do vício. A resposta emergiu já com cara de manchete: “Doutor, eu não paro de fumar porque não tenho caráter”. Garcia assustou-se: “Imaginei o Hélio Fernandes afirmando na primeira página da Tribuna da Imprensa que Figueiredo finalmente havia reconhecido que não tem caráter”, contou Garcia, que foi à luta: por telefone, repetiu aos participantes do encontro, um por um, o mesmo pedido escoltado pelo mesmo argumento. “Não use aquela frase, por favor. No Rio Grande do Sul, não ter caráter quer dizer que a pessoa não tem força de vontade.” Todos prometeram atender ao apelo, inclusive o enviado pela Folha. Todos cumpriram a promessa, menos a Folha, que incluiu na reportagem a frase que atribuía o tabagismo à falta de caráter.

Entre leitores capazes de assoviar e caminhar ao mesmo tempo, esses registros na folha corrida podem ter abrandado a surpresa, mas não o assombro provocado pela manchete da edição deste 7 de outubro, uma quinta-feira: BLOGUEIRO BOLSONARISTA USA DE INFORMANTE ESTAGIÁRIA DO STF. 
Sete palavras e uma sigla resumem a reportagem, torpe na forma e sórdida no conteúdo, que se baseou em diálogos telefônicos grampeados pela Polícia Federal para concretizar uma façanha e tanto. Simultaneamente, a Folha conseguiu reduzir a farrapos bandeiras que vive hasteando ao som de tambores e clarins, violentar a Constituição com o estupro do sigilo da fonte e consumar o parto do jornalismo de delação.

“Blogueiro bolsonarista” foi a expressão escolhida para esconder a atividade profissional de Allan dos Santos, que comanda o portal Terça Livre e é tão jornalista quanto qualquer condecorado com um crachá da Folha. A palavra “informante”, pinçada do jargão policial, tentou transferir para uma fonte o papel que a Folha desempenhou: dedo-duro. As patéticas trucagens se completaram com o termo “estagiária”, que confere ares de jovem avoada à brasileira Tatiana Garcia Bressan, de 45 anos, que trabalhou por 18 meses no gabinete do ministro Ricardo Lewandowski. Essas piruetas semânticas tentaram camuflar a verdade vergonhosa: a Folha pariu a imprensa delatora para transformar em casos de polícia um jornalista e uma funcionária que o ajudara a ver o Supremo como o Supremo é. Nada do que Tatiana revela surpreende quem conhece o Pretório Excelso. Num dos trechos destacados pelo jornal, por exemplo, Tatiana diz que se espantou ao constatar que os ministros mudam frequentemente de ideia quando políticos de estimação necessitam de ajuda. Ganha uma viagem só de ida para a Venezuela quem ainda não sabia disso.

O que seriam “jornalistas de verdade”? Os formados por faculdades de comunicações?

A delação pareceu funcionar. Na edição seguinte, a Folha noticiou que o ministro Alexandre de Moraes anexara a “informante” ao inquérito das fake news (podem chamá-lo de “inquérito do fim do mundo”; ele atende). A medida incorporou a delatada ao elenco de depoentes na mira da Polícia Federal. Previsivelmente, redes sociais trataram de fechar a Allan dos Santos os espaços que ocupa. Mas o jornal que faz o diabo para derrubar o presidente fora longe demais. Dois dias depois da feérica entrada em cena, o caso caiu fora da Folha à francesa — e não voltou a dar as caras sequer nas páginas internas. O jornalista Nelson Rodrigues provavelmente teria sugerido que os autores da ignomínia sentassem no meio-fio, chorando lágrimas de esguicho, até se sentirem prontos para a expiação da torpeza numa seção “Erramos” de página inteira. Em vez disso, os envolvidos no espetáculo da infâmia andam murmurando por aí que só jornalistas de verdade têm direito ao sigilo da fonte.

O que seriam “jornalistas de verdade”? Os formados por faculdades de comunicações? De jeito nenhum, garante o editorial da edição de 19 de junho de 2009, que exaltou o Supremo Tribunal Federal por ter abolido a exigência do diploma para o exercício da profissão. Trecho: “O que nunca se justificou — e vai se tornando cada vez mais anacrônico diante da proliferação do jornalismo pela internet — é restringir-se apenas aos detentores de diploma específico uma atividade que só se beneficia quando profissionais de outras áreas — médicos, biólogos, historiadores, filósofos — encontram lugar nas redações.” Outro parágrafo ensina que esse tipo de impedimento, “desconhecido na ampla maioria dos países democráticos, é incompatível com o direito à informação, com a liberdade profissional e com a realidade, cada vez mais complexa, do jornalismo contemporâneo”.

Coerentemente, vagas na redação e cargos de chefia estão ao alcance de gente que nunca viu de perto um professor de jornalismo. O próprio Otavinho Frias preparou-se para fundar a Folha moderna na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. É natural que tenha dispensado da apresentação de diplomas os originários de outras ramificações do conhecimento humano que hoje integram o primeiro escalão, como Gustavo Patu, Uirá Machado e Hélio Schwartsman. Erros cometidos por algum deles não podem ser atribuídos à formação profissional. Não foi por falta de estudos específicos, por exemplo, que Schwartsman confessou torcer pela morte do presidente da República. O que falta é parafuso. Ou juízo. Ou caráter. E o que sempre sobra é a vontade de fazer bonito nos bares da Vila Madalena frequentados pelos rapazes da imprensa. Allan dos Santos não é menos jornalista que carrascos homiziados em colunas de papel. O problema é que não deseja morte de nenhum adversário político. Pior: não apoia o impeachment de Jair Bolsonaro. Pior ainda: convive muito bem com o presidente da República.

O jornalista alvejado pela Folha decidiu processar Alexandre de Moraes pela quebra do sigilo da fonte
É mais uma evidência de que não houve nada de ilegal nas relações com Tatiana. 
Ainda que houvesse, ele seria beneficiário do precedente aberto por Glenn Greenwald. Suspeito de envolvimento no roubo de mensagens trocadas entre juízes e procuradores federais engajados na Operação Lava Jato, Glenn foi socorrido pelo ministro Gilmar Mendes, que proibiu qualquer tipo de investigação contra o advogado norte-americano que a Folha, em nome da coerência, deveria qualificar de “blogueiro lulista”. Caso alguém insistisse em investigá-los, Allan e Tatiana poderiam incorporar aos argumentos da defesa a montanha de artigos e reportagens que a Folha publicou em louvor da inviolabilidade do sigilo da fonte.

Já que vai processar Alexandre de Moraes, Allan poderia interpelar a Folha e a Polícia Federal sobre o vazamento das conversas que teve com a funcionária do STF. Quem entregou a qual jornalista a transcrição dos diálogos telefônicos? Vai ser divertido ver a Folha, no esforço para livrar-se de enrascadas judiciais, recorrer ao sigilo da fonte que acabou de estuprar.

Leia também “As soberbas lições de Sobral Pinto”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste