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terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Precatórios: mais uma bizarrice made in Brazil - Revista Oeste

 Ilustração: Nuthawut Somsuk/Shutterstock
Ilustração: Nuthawut Somsuk/Shutterstock

Em resumo, os precatórios são dívidas do Poder Público com pessoas físicas ou jurídicas já reconhecidas pela Justiça — ou seja, sem chance de apelação. Assim, quando cidadãos e empresas processam qualquer uma das três esferas de governo (municipal, estadual ou federal) e obtêm ganho de causa, o Judiciário emite uma ordem de pagamento. Depois do trânsito em julgado, a dívida com os credores tem de ser quitada no ano seguinte. Isso teoricamente. Na prática, as sentenças judiciais são frequentemente descumpridas pelo Estado.

Ilustrando de outra forma, a situação é a seguinte: você (o cidadão pagador de impostos) sustenta quem lhe deve dinheiro (o Estado). E quem lhe deve dinheiro continua recebendo cada centavo sem pagar ao credor (você) nenhum real.

O caminho até o pagamento dos precatórios é longo

A família de Amedeo Augusto Papa Júnior, de 46 anos, é uma dessas vítimas do Estado. Sua mãe era sócia minoritária do Grupo Giorgi, detentor da marca Sal Cisne. Em 1973, uma parte das garagens e do edifício-sede da companhia — o Grande Avenida, localizado na Avenida Paulista — foi desapropriada pela prefeitura de São Paulo. “É uma situação complicada, porque esse tipo de desapropriação não atingiu apenas uma família. São várias pessoas envolvidas”, revelou o advogado, em entrevista concedida a Oeste.

Quando decidiu deixar a companhia, em 1982, a mãe de Amedeo fechou um acordo para ser indenizada. Parte do dinheiro foi recebida em pagamento de precatórios que uma das empresas do Grupo Giorgi possuía na prefeitura da capital paulista. No entanto, ainda restam pendências a ser quitadas pela administração municipal, como a correção pelo índice de inflação. “Esses complementos sempre tiveram a mesma prioridade que o precatório original”, explica Amedeo. “Você não voltava para o final da fila. Uma vez que o precatório complementar era reconhecido, havia uma ordem cronológica a ser seguida.”

Neste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma resolução determinando que os precatórios complementares sejam considerados novos precatórios — ou seja, precisam ser expedidos novamente. E o fantasma da burocracia voltou a atormentar a família de Amedeo. “Minha mãe foi indiretamente atingida por uma desapropriação e recebeu parcialmente o pagamento em precatório, mas ainda há dinheiro a receber”, salientou o advogado. “É quase como um bilhete de loteria que você ganhou, mas não tem um guichê para buscar o prêmio.”

Documentos do processo envolvendo a desapropriação do Edifício Grande Avenida, que tramita na 9ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, mostram que a dívida acumulada da prefeitura com a família de Amedeo ultrapassa a marca de R$ 1 milhão.

Não há a quem recorrer
Embora o pagamento de precatórios seja obrigação do Poder Público, seu descumprimento raramente é punido pela Justiça. “Se entro com uma ação contra o Estado, não posso proceder à execução da mesma maneira como faria se a ação fosse ajuizada contra uma pessoa comum”, explicou o advogado Adriano Ferriani, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócio do escritório de advocacia Ferriani, Jamal & Fornazari. “Isso acontece porque os bens públicos não podem ser penhorados.”

Embora a União esteja sob os holofotes, Estados e municípios são os recordistas de inadimplência

Em entrevista concedida ao programa Direto ao Ponto, da rádio Jovem Pan, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega criticou o descaso estatal na condução dos precatórios. “Gastar com advogado, comparecimento a tribunais… e no fim o autor morre e são os herdeiros que concluem o processo. Quando acaba essa saga de décadas, o governo diz: ‘Não pago’”, observou. “É inacreditável uma equipe econômica que se diz liberal, que sabe o valor da propriedade privada, propor a violação desse direito fundamental.” [ex-ministro Mailson! qual dos dois direitos é mais fundamental: não morrer de fome? ou receber precatórios?]

O advogado e professor André Félix Ricotta de Oliveira, presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), segue na mesma linha. “Se a União agisse de forma mais correta, teríamos menor acúmulo desses processos no Judiciário e menos precatórios a serem pagos”, argumentou. “É um contrassenso, um desrespeito ao cidadão que esperou longos anos em processos judiciais para conseguir o que lhe é de direito. Quando obtém algo, o Estado surge com uma PEC para fracionar esse pagamento, mudando as regras do jogo.”

Embora a União esteja sob os holofotes, Estados e municípios são os recordistas de inadimplência, com mais de R$ 150 bilhões de dívidas acumuladas em precatórios. Na esfera federal, por sua vez, o saldo devedor é de quase R$ 45 bilhões. Compõem esse passivo dívidas judiciais relacionadas a salários, pensões, aposentadorias, indenizações e desapropriações. Esse valor pendente de pagamento poderá ser multiplicado nos próximos anos, caso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios avance no Congresso Nacional.

A União deve menos do que Estados e municípios
(...)
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Embora seja o Estado mais rico do país, São Paulo é o maior devedor [o maior caloteiro é o Dória, mesmo assim os contrários à PEC dos Precatórios querem que mais de 17.000.000 de famílias passem mais fome, já que a rejeição da PEC = fim do Auxílio Brasil.]

Neste ano, a estimativa do governo federal é pagar cerca de R$ 55 bilhões em precatórios. Em 2022, a projeção seria de quase R$ 90 bilhões, mas esse valor deve ser reduzido para pouco mais de R$ 44 bilhões com a aprovação da PEC dos Precatórios. Os outros R$ 46 bilhões ajudariam a bancar o Auxílio Brasil, programa social que sucede ao Bolsa Família
 
Segundo o advogado Adriano Ferriani, União, Estados e municípios são todos devedores. Mas a esfera federal, depois do trânsito em julgado da sentença judicial, não dá calote — pelo menos até a PEC dos Precatórios virar realidade. “A União vem pagando em dia. Os Estados e municípios são um caso à parte”, afirmou. “Depois que o precatório é expedido, a grande maioria não paga no ano seguinte, geralmente por falta de dinheiro suficiente para todos os gastos”, explicou o advogado. “Isso gera um enorme atraso. Os valores são corrigidos monetariamente. Mas, mesmo assim, muitas vezes o credor morre no meio dessa espera toda.”

De acordo com os especialistas consultados por Oeste,
a demora no pagamento de precatórios se deve a uma combinação de fatores que podem parecer contraditórios entre si: a burocracia dos processos judiciais no Brasil, com seus intermináveis recursos e apelações a diversas instâncias, e o avanço digital dos tribunais. Em entrevista concedida à Jovem Pan, Maílson da Nobrega analisou essa questão: “Antigamente, levava seis meses para o processo passar de uma mesa para outra”, explicou o ex-ministro da Fazenda. “Agora, é um segundo. Basta um clique. Os plenários virtuais tornaram muito mais eficiente o trabalho do Judiciário. Além disso, o Novo Código de Processo Civil reduziu a burocracia dos processos judiciais. Por isso, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça passaram a decidir muito mais rapidamente.” Nesse caso, a celeridade na resolução dos processos caminha em descompasso com o cumprimento das sentenças judiciais pelo Estado.

Diante de tamanha demora para receber o pagamento dos precatórios, muitos brasileiros recorrem a grupos que se especializaram na compra desses títulos para quitar pendências judiciais. Pessoas físicas ou jurídicas podem contratar empresas que intermedeiam a negociação desses créditos. Os credores recebem menos, mas de forma muito mais rápida do que pelos trâmites convencionais. A operação é legal e, dependendo da situação, acaba sendo vantajosa para quem tem dinheiro a receber.
 
Pesadelo triplo
Uma das empresas que fazem esse tipo de serviço é a Cashew Capital, da qual Adriano Ferriani participa. “Os sócios da Cashew são todos advogados e têm suas próprias bancas de advocacia”, revelou. “Percebendo a dificuldade para os credores receberem, vimos a oportunidade de criar uma empresa que intermediasse a negociação desses valores.” O advogado ressalta que os credores não ganham o valor integral, mas conseguem receber antecipadamente os precatórios. “Quem tem dinheiro para investir e não tem problema em esperar acaba tendo uma oportunidade de investimento a longo prazo”, disse. “O credor cede seu crédito para os investidores, ganha menos do que tinha direito, mas antecipa o recebimento e consegue tocar a vida.”

Esse desarranjo econômico, fiscal e jurídico também afeta a administração pública. O dinheiro para o pagamento de precatórios tem de sair das chamadas despesas não obrigatórias (discricionárias), consideravelmente menores que as obrigatórias (salários de servidores, aposentadorias e encargos da dívida pública). Em suma, trata-se de um pesadelo para as três esferas de governo, que sofrem com a escassez de recursos em razão do constante aumento dessas dívidas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, manifestou ainda em dezembro do ano passado sua preocupação com o crescimento acelerado dessas despesas, que teriam ultrapassado os gastos com saúde, educação e segurança. “Não existia e, de repente, aparecem R$ 15 bilhões por ano”, observou, ao ressaltar que o país corre o risco de ser destruído pela indústria de precatórios. “Aí, pula para R$ 25 bilhões no governo seguinte. No ano que vem, serão cerca de R$ 40 bilhões. Será que estamos tratando do assunto corretamente?”
 
Idosos, os principais atingidos

Embora as contas públicas possam ser comprometidas em razão do acúmulo de dívidas relacionadas aos precatórios, é o pagador de impostos que sofre de fato com a falta de recursos. Para consertar suas barbeiragens na gestão econômica, o Estado pode imprimir dinheiro ou aumentar impostos. Apesar de ambas as medidas terem consequências catastróficas a longo prazo, resolvem um problema de curtíssimo prazo, permitindo aos governos gastar sem parcimônia. O brasileiro comum, todavia, não usufrui desse privilégio.

Postergar ou não pagar as dívidas com os cidadãos, portanto, atenta contra os mínimos requisitos morais exigidos de gestores públicos. “Um possível calote prejudicará milhares de pessoas”, alertou o advogado Álvaro Lopez, de 89 anos. “A maioria dos precatórios a serem pagos é relacionada à Previdência Social, como INSS e aposentadoria. É um dinheiro que é destinado aos pobres, que lutaram a vida inteira para se aposentar. Os idosos serão os principais atingidos pelo calote.”

Se Henry Ford conhecesse a confusão dos precatórios brasileiros, com certeza promoveria, ele mesmo, uma revolução antes do alvorecer.

Leia mais: “O longo caminho do liberalismo”

Revista Oeste

 

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Herdeiros de 1968 - Revista Oeste

Theodore Dalrymple

Cada vez mais, nas universidades do mundo ocidental, os estudantes estão dizendo: 'Vocês podem ter a opinião que quiserem, contanto que seja a nossa'

Henry Ford, o grande industrialista, disse certa vez aos compradores de seus carros: “Vocês podem pedir a cor que quiserem, contanto que seja preto”. Cada vez mais, nas universidades do mundo ocidental, os estudantes estão dizendo: “Vocês podem ter a opinião que quiserem, contanto que seja a nossa”. E esse comportamento está rapidamente se espalhando do campus para o restante da sociedade.

O Massachusetts Institute of Technology retirou recentemente o convite ao professor Dorian Abbot, da Universidade de Chicago, para uma palestra pública sobre os desenvolvimentos na ciência climática, assunto em que ele é um especialista reconhecido. Houve protestos no Twitter contra o convite, e o MIT, com a covardice que infelizmente passou a ser previsível entre as autoridades universitárias, cedeu aos manifestantes.

A razão para as queixas ao convite foi um artigo que o professor Abbot publicou questionando a sabedoria das cotas raciais na seleção de estudantes para as universidades: ou seja, ele era contra a discriminação positiva.  Existem argumentos razoáveis em favor da discriminação positiva. Não é totalmente descabido imaginar que, se um inscrito foi bem nos exames apesar de ter uma origem menos favorecida, ele pode ser tão capaz e com certeza tão determinado quanto alguém que foi melhor nos mesmos exames, mas tem uma origem mais privilegiada.

Mas também existem argumentos razoáveis contra as políticas de discriminação positiva, entre os quais está o fato de que os beneficiários dessa discriminação nunca saberão se seu sucesso subsequente foi resultado de seus próprios esforços sem ajuda ou se foi um ato um tanto condescendente de caridade: e isso pode gerar um ressentimento permanente. A discriminação positiva é inerentemente injusta, uma vez que não pode haver discriminação positiva sem uma versão negativa, e não é mais culpa de um homem ter nascido em circunstâncias privilegiadas do que ter nascido em circunstâncias não privilegiadas. Além do mais, a discriminação positiva pode reduzir ou pelo menos inibir os esforços e levar as pessoas a não fazer o máximo que puderem, só o suficiente.

Muitos de nós, talvez a maioria, leem para confirmar as opiniões que já têm

No entanto, quer o professor Abbot estivesse certo ou errado, não é a questão. Existe uma tendência humana natural de não querer ouvir argumentos que vão contra a própria opinião, e essa é uma tendência a que se deve resistir conscientemente. Em sua autobiografia, Charles Darwin conta que, sempre que deparava com uma opinião que contradizia a sua própria, em algum momento, ele a anotava, porque, caso contrário, sem dúvida iria esquecê-la. Poucos de nós são assim. Muitos de nós, talvez a maioria, leem para confirmar as opiniões que já têm. Eu sei que, no passado, comprei livros que, fundamentalmente, não me diziam nada que eu já não soubesse ou achasse, e me pego tendo de resistir a essa tentação de autoconfirmação. É muito raro que alguém mude de ideia de imediato, como em uma conversa sobre religião, mas em algum momento as evidências ou os argumentos surtem efeito, como a umidade em um prédio. É necessário se expor às opiniões contrárias.

Eu mesmo fui recentemente desconvidado pelos alunos da Universidade de Oxford, que tinham me chamado para participar de um debate. O estudante que escreveu para me fazer o convite escreveu para me desconvidar três semanas depois, com a desculpa boba de que “queremos que o debate siga outro rumo” e “queremos envolver uma gama de opiniões” — entre as quais, obviamente, não estava a minha.

Em segredo, fiquei bastante satisfeito, ainda que tenha dito a todo mundo que fiquei incomodado. Em primeiro lugar, na verdade, eu não queria fazer o esforço envolvido (ainda que sinta que tenho a obrigação de falar com a geração mais jovem se ela me chama), mas, em segundo e mais importante, fiquei lisonjeado de agora ser considerado uma pessoa tão má que minha presença não seria mais tolerada. Foi uma espécie de confirmação do trabalho de uma vida.

O feitiço, no entanto, pode por fim estar se virando contra esse fenômeno moderno polimorficamente perverso, o politicamente correto. Na Universidade de Sussex, na Inglaterra, as autoridades se recusaram a dispensar uma professora de filosofia, até então uma feminista radical, por exigência dos alunos — ou melhor, de um grupo barulhento de alunos. Ela os incomodou ao escrever que um homem não se torna literalmente uma mulher (ou vice-versa) ao fazer cirurgias e tomar hormônios. O reitor sênior da universidade se recusou a ceder à exigência dos alunos, que parecem acreditar cada vez mais que vão para a universidade para ensinar, e não para aprender. Mas vale lembrar que a geração atual de professores e administradores universitários é, ela mesma, herdeira e beneficiária da revolta dos estudantes de 1968, que tanto fez para destruir a autoridade acadêmica tradicional. Revoluções costumam devorar seus jovens, tanto que os revolucionários muitas vezes acabam se tornando reacionários, pelo menos quando não ficam estagnados em uma condição de adolescência eterna.

O último caso — de adolescência eterna — substituiu a juventude eterna como uma meta almejada, mas impossível. Em toda parte, vejo homens e mulheres de 70 anos vestidos como se ainda tivessem 19 ou 20. Existem poucas imagens mais patéticas do que astros do rock apegados ao que consideram seus dias de glória. Seus rostos costumam parecer uma alvenaria que desmoronou.

É comum dizer que a adolescência e o começo da vida adulta são períodos de idealismo na vida. Olhando em retrospecto para a minha própria — se for considerada típica, o que, claro, ela pode não ser —, não posso discordar. A juventude é mais um período de arrogância e egoísmo disfarçados de idealismo do que de idealismo em si. Quando a essa arrogância juvenil se acrescenta a arrogância do cliente que tem sempre razão, ex officio (uma vez que os estudantes nas universidades agora são clientes, em vez de jovens sentados aos pés dos velhos), é apenas natural que eles exijam a demissão, a punição e, sem dúvida, um dia a execução dos professores.

Leia também “Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido”

e Geniais no fracasso Existem jornalistas que são excelentes guias para o mundo, contanto que você acredite exatamente no contrário do que escrevem

Theodore Dalrymple, colunista  - Revista Oeste


quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Jari, a Fordlândia 2.0 - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo  

Joia da coroa para a ditadura, projeto na Amazônia foi mau negócio que uniu governo, empresários e banqueiros amigos - Hoje o BNDES está com um mico de R$ 790 milhões -





A repórter Stella Fontes informa: “endividada, a Jari agoniza”. Deve R$ 1,75 bilhão. Sua recuperação judicial foi suspensa e não tem como pagar aos 750 empregados de sua fábrica de celulose, encravada na Floresta Amazônica. Pode parecer mais uma história de fracasso numa época de crise. É muito mais, verdadeira aula sobre algo que poderia ter dado certo, deu errado e, ao longo de 30 anos, foi dando mais errado.

O Projeto Jari foi a primeira joia da Coroa da ditadura. Coisa de sonho: Nos anos 60, Daniel Ludwig, um dos homens mais ricos do mundo, comprou 160 mil quilômetros quadrados (um Líbano e meio) na divisa do Pará com o Amapá. Trouxe do Japão, por mar, uma fábrica de celulose e uma termelétrica. Construiu uma cidade, plantou gmelinas, arroz e queria explorar bauxita. Septuagenário sem herdeiros, avarento e misantropo, tomava leite com vodca. Deu tudo errado. Crucificado no lenho do nacionalismo xenófobo que envolve a Amazônia, Ludwig fez as malas e foi embora.
Quem ouve falar do Ja, ri tende a compará-lo à Fordlândia, sonho de outro magnata misantropo. Em 1928 Henry Ford comprou dez mil quilômetros quadrados (um Líbano), onde pretendia plantar dois milhões de seringueiras e também planejou uma cidade. Deu tudo errado e, em 1945, a propriedade foi vendida por 1% do seu valor. Nenhum negócio de Henry Ford ou de Daniel Ludwig deu tão errado.

As semelhanças terminam aí. Ludwig não saiu como Ford. Em 1982 ele perdeu algo como US$ 1 bilhão, mas deixou o projeto no colo da Viúva, e o governo organizou um consórcio de empresários para ficar com a Jari. À frente, entrou o magnata Augusto Trajano de Azevedo Antunes, um dos maiores empreendedores do seu tempo. Numa carta de 20 de janeiro de 1982 ao presidente João Figueiredo, ele foi claro:
“Entendo que recebi uma missão do governo. (...) Ao se incumbir alguém de uma missão, cumpre propiciar-lhe também os meios indispensáveis para bem executá-la.”
Queria investimentos públicos, uma hidrelétrica e, sobretudo, simpatia para o “cumprimento de missão de alta relevância nacional.”
Um mês depois, o Banco do Brasil entrou no projeto e ficou com 12% das ações da holding.
Coisa da ditadura? Nem tanto, em 1994, depois de visitar o projeto, o candidato Lula informava: “O Ludwig foi um sonhador. Passei 20 anos da minha vida esculhambando o Jari, mas hoje o Brasil tem novos empresários”. Referia-se aos netos de Antunes que tocavam o projeto. Lula perdeu a eleição para Fernando Henrique Cardoso. Em 1996, FHC sabia que o BNDES estava metido com 20% de participação na Jari e que era “grave a situação”. Meses depois a empresa entrou em concordata branca e metade da dívida estava com a Viúva. Em 2000 a Jari foi vendida ao grupo Orsa, sob aplauso dos credores (a Viúva tinha um terço desse espeto). Por algum tempo conseguiu respirar, até que se afogou, e hoje o BNDES está com um mico de R$ 790 milhões.
Em 2019 o professor americano Greg Grandin publicou no Brasil seu livro “Fordlândia — Ascensão e queda da cidade de Henry Ford na selva”. Contou a história de um empresário que fez um mau negócio e foi em frente. Algum dia alguém contará a história do Jari, um mau negócio no qual o governo entrou, juntando-se a empresários e banqueiros amigos, sempre dispostos a cumprir uma “missão de alta relevância nacional”.

Folha de S.  Paulo - O Globo - Elio Gaspari,colunista 




terça-feira, 1 de setembro de 2015

Recessão rima com demissão x a cínica afirmação da presidente Dilma


A travessia do vale da morte
Quando a maré baixa é que se vê quem está nadando pelado! (Ou como preservar seu emprego na crise)
A cínica afirmação da presidente Dilma Rousseff de que a ”situação do país no ano que vem não deve ser maravilhosa” deixa claro que não vamos sair da recessão antes de pelo menos 2017.

Dona Luiza, presidente do Magazine Luiza, sempre tão otimista, na semana passada jogou a toalha ao afirmar que “o consumo não acabou... o que acabou foi o nível de confiança da população” e anunciou “reduzimos em 30% os investimentos em expansão”. Na verdade, apenas no primeiro semestre deste ano Dona Luiza já demitiu 8% de sua equipe. Imagine em 2016!

Com quase 160 milhões de pessoas em idade produtiva, o fato é que milhões de brasileiros vão perder o emprego ou ver seus negócios estagnarem ou quebrarem nos próximos meses. 

Reconhecer que estamos começando a travessia do vale da morte, como fez Dona Luiza, é a primeira parte da solução dos nossos problemas. E você? Já tem seu plano de sobrevivência? Nas empresas onde tenho tido oportunidade de atuar como consultor de planejamento, tenho levado uma mensagem que pode interessar às pessoas em geral e que pode ser traduzida em uma agenda constituída de cinco pontos.

Primeiro ponto: pensar e agir de forma proativa. Assuma o protagonismo nas ações e deixe de pensar e agir como mero empregado. Lembre-se de que Henry Ford dizia quehá dois tipos de pessoas que não interessam à uma boa empresa: as que não fazem o que se manda e as que só fazem o que se manda”. 

Segundo ponto: assumir atitude construtiva e colaborativa. É uma péssima ideia encarar a recessão como uma situação de salve-se quem puder. Seus colegas estão no mesmo barco. Não encare a manutenção de seu emprego como uma competição por um lugar no bote salva-vidas.

Terceiro ponto: identificar as oportunidades de redução de custos. Atreva-se, se ninguém ainda fez isso na equipe, a listar até mesmo itens que parecem ser irrelevantes nos tempos ditos normais. A maioria dos empregados ignora como devoram orçamentos coisinhas que são vagamente catalogadas pelos contadores como ‘miscelânea’: uma infinidade de itens invisíveis, que vai dos clipes, papel, corretor, até custos de operação do dia a dia em fábricas, lojas e escritórios. 

Pesquise ampla e exaustivamente. Considere a temperatura do ar refrigerado, café, açúcar, papel higiênico, energia elétrica desperdiçada em luzes e equipamentos que não estão em uso, produtos de limpeza, água mineral, amenidades diversas da vida corporativa, gastos que terceirizados repassam, como limpeza e logística etc. Os grandes cortes ficam por conta do financeiro, mas quanto maior a empresa, mais significativos são esses custos. Ajude a descobri-los.

Quarto ponto: produtividade. Isto é, o desafio para fazer mais com menos – o qual é para ser encarado e resolvido de forma colaborativa por sua equipe e que pode resultar em caminhos transformadores na empresa. A recessão cria um estímulo para que exploremos formas de buscar o potencial multiplicativo de esforços individuais. Você sabia que no Japão as crianças, desde o primeiro grau, são elas próprias responsáveis pela limpeza de seus banheiros na escola e que isso só ocorreu na esteira da derrota da Segunda Guerra? O brasileiro precisa de um choque de mentalidade em termos de colaboração para a produtividade em todas as esferas de nossas vidas, seja produtiva, escolar, familiar.

Esta agenda não poderia ser finalizada sem indicar a habilidade mãe que caracteriza a nossa maior singularidade em relação às outras espécies do reino animal: a capacidade de criar inovação. Esta recessão é uma extraordinária oportunidade para ‘pensar fora da caixa’ e para buscar inovar em múltiplas dimensões. Não tenho dúvida: a capacidade de inovar e mudar na sociedade humana é muito mais importante do que a capacidade darwinista de adaptação ao meio ambiente.

Me aponte um indivíduo que considera esta agenda como bússola e eu aposto: não vai ser ele um dos demitidos nos meses à frente!

Fonte: Redação Época – Ricardo Neves