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quarta-feira, 8 de novembro de 2023

A bomba de Israel saiu do armário - Elio Gaspari

Numa breve entrevista a uma rádio israelense, o ministro Amichai Eliyahu, encarregado dos assuntos de Jerusalém, disse que jogar uma bomba atômica na Faixa de Gaza é “um caminho”.  
Foi logo suspenso pelo primeiro-ministro Netanyahu, e o líder da oposição, Yair Lapid, pediu sua demissão. 
Eliyahu explicou que falou na bomba “metaforicamente”. 
Tudo bem, mas falou. Jogar uma bomba atômica em Gaza seria maluquice, mas Eliyahu tirou do armário o poderio nuclear israelense.

Para sair da teoria e das metáforas, hoje, num cenário de envolvimento do Irã na guerra, o quadro seria outro, e todos os envolvidos no conflito sabem disso.

Desde as explosões de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, militares e civis já cogitaram o uso de artefatos nucleares em campos de batalha. 
Entre 1950 e 1968, três presidentes americanos (Harry Truman, Dwight Eisenhower e Lyndon Johnson) recusaram pelo menos uma dúzia de pedidos para lançar bombas na Coreia, na China e no Vietnã.

Nessa época, um jovem professor americano chamado Henry Kissinger despontava com um livro em que discutia o uso de artefatos nucleares com baixo teor explosivo, como armas táticas.

Pelo lado de Israel, construiu-se uma história de clarividência, tenacidade e astúcia diplomática
David Ben-Gurion começou a tratar da bomba em 1945, logo depois da explosão de Hiroshima. 
Ele era um líder sionista na Palestina, e o Estado de Israel era apenas uma ideia. 
Seu interlocutor era um jovem cientista que fazia explosivos para combatentes da Haganá.

Em abril de 1948, um mês antes da criação de Israel, Ben-Gurion começou a recrutar cientistas. Anos depois, aos 29 anos, Shimon Peres tornou-se diretor do Ministério da Defesa. Ele começaria as conversas com a França para a construção de um pequeno reator em Israel. Ben-Gurion seria claro: — Eu quero a opção nuclear.

Em 1957, Peres fechou o acordo para a construção do reator em Dimona, no Deserto do Negev. Os Estados Unidos desconfiaram desse reator desde a primeira hora. Em segredo, Israel construiu uma usina subterrânea para o reprocessamento do plutônio usado no reator. 
Sete inspeções de cientistas e diplomatas americanos não suspeitaram (ou não quiseram suspeitar) de sua existência.
 
Em 1967, Israel já tinha dois artefatos. Hoje teria entre 60 e 400.  
Seu uso foi chamado pelo primeiro-ministro Levi Eshkol de “opção de Sansão”, aquele que destruiu o templo dos filisteus. 
Ao contrário da Índia, do Paquistão e da Coreia do Norte, Israel nega que tenha as bombas. (Em 1969, o presidente Nixon perguntou a Golda Meir se ela tinha “coisas perigosas”, e ela respondeu que tinha. Quando Golda ia saindo do encontro, ele lhe disse: “Tome cuidado”.)

Por décadas, Israel produziu e estocou artefatos nucleares. Seus desmentidos preservam um segredo de polichinelo. Os inimigos de Israel cultivam uma ilusão, de que um país se deixará destruir sem usar todas as armas de que dispõe. Amichai Eliyahu pode ser um radical aloprado, mas sua “metáfora” reflete a realidade.

Tirando as bombas do armário, ele colocou a discussão da guerra no seu devido patamar. Uma coisa são as operações contra o Hamas em Gaza. Bem outra seria uma expansão da guerra, com uma possível entrada do Irã no conflito. Nesse caso, o risco é outro.

Elio Gaspari, colunista - O Globo


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

A guerra contra as redes sociais - Percival Puggina

 Desde que surgiram, gratuitas e fagueiras, no horizonte das possibilidades, até o ano de 2018, as redes sociais foram “um clarão nas trevas” do obscurantismo orquestrado do jornalismo brasileiro. Neste artigo, refiro-me a elas desde a perspectiva em que as vejo na maior parte do tempo, ou seja, na perspectiva da influência política; mais particularmente, como meios de informação e formação.

Tanto para os espectadores quanto para os intelectuais e políticos conservadores ou liberais foi fascinante romper o monopólio dos grandes veículos e seus formadores de opinião, habituados ao monólogo sem réplica. Foi uma experiência maravilhosa ver seus consultores selecionados a dedo serem refutados por um enorme contingente de autores e analistas mais qualificados. Foi uma alegria saber que eles existem.

As derrotas da esquerda em 2018 e nas eleições municipais de 2020 refletiram esse novo cenário da comunicação social. No entanto, deram causa à instalação de um conflito entre o território até então livre e, sim, também caótico, das redes sociais e o território minado e dominado pelos grandes grupos de comunicação. A rixa e malquerença instaladas prenunciavam o demônio que estava por vir: a censura.

Esse zumbi dos totalitarismos saiu sorrateiro de sua cova, dentro das próprias plataformas. Como se sabe, as big techs são alinhadas com pautas que a Nova Ordem Mundial importou da esquerda norte-americana empenhada em corroer os fundamentos da civilização ocidental. Assim, passaram elas a conter a propagação dos comunicadores de direita, notadamente conservadores, mediante “diretrizes da comunidade” que são um arbítrio nunca devidamente explicitado.

Entre o segundo turno da eleição de 2018 e o segundo turno de 2022 instalou-se uma guerra totalmente assimétrica. De um lado, tudo era permitido à velha imprensa, seguindo a melhor tradição das democracias: fake analysis, exclusão da divergência nas redações, propagação de animosidade contra o governo e seus apoiadores, ocultação de fatos inconvenientes, construção de narrativas, e até expressões de anseio pela morte do presidente da República. Na boa regra do livre mercado, os cidadãos deveriam escolher dentre as alternativas, contanto que elas existissem...

De outro, nos espaços das redes sociais, verdadeira caça às bruxas, cujo destino final era alguma forma de censura e exílio: desmonetizações,  bloqueios de contas bancárias, multas, interdições de direitos e a crepitante fogueira dos inquéritos abertos para assim permanecerem contra toda tradição da boa justiça. Na já paupérrima democracia brasileira, assistimos severíssima restrição à liberdade de opinião e o sumiço dos melhores em nome da “defesa do estado de direito e da democracia”.

Nestes dias, para fins políticos tão importantes e úteis à cidadania, as redes sociais agonizam. A eleição de 2022 deixou claro sua vulnerabilidade ante o autoritarismo e as várias formas de censura. Mais, vem aí um projeto de “regulamentação das redes sociais”, prometido por Lula, aguardado ansiosamente pela esquerda e pelas milícias jornalísticas, e saindo do forno do ... TSE. Nas palavras do jornalista Cláudio Humberto em sua coluna de hoje, o Brasil estará nivelado com China, Rússia e Irã.

Ainda que as redes sociais fossem livres como deveriam, sujeitas apenas às sanções da legislação penal em vigor, a recente eleição deixou claro que elas, por precariedades de espaços e tecnologia, por operarem de modo fragmentário e em bolhas de comunicação, têm dificuldades para competir com o poder e a abrangência do jornalismo que atua em extensão nacional, o tempo todo, chegando a todos os públicos, em especial através do rádio e da televisão.

Portanto, conservadores e liberais precisamos usar as redes sociais nos limites das possibilidades concedidas, sim, mas elas não dispensam a militância política (embora eu não goste dessa palavra), o apoio aos congressistas que representam nossos princípios e valores, e nossa formação pessoal para vivermos de modo pleno a condição de cidadãos.

Bons cursos, hoje, são pagos. Caberia aos partidos políticos seriamente comprometidos com nossas posições, promover esses cursos com a competência, a urgência, a frequência e a intensidade necessárias.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

sábado, 21 de janeiro de 2023

Comunista obeso" e "foto assassina": PT escancara caráter autoritário

Paulo Polzonoff Jr.

De um lado, o ministro da Justiça (da Justiça!) Flávio Dino ameaça usar toda a força do Código Penal para punir uma rádio que o chamou de “comunista” e “obeso”. Justo ele, que é comunista e, por acaso, também é obeso.

 Comunista obeso" e "foto assassina": PT escancara caráter autoritário

 De outro, o governo move mundos e fundos para condenar uma singela foto (até meio cafona) publicada pela Folha de S. Paulo. Até a Secretaria de Comunicação se manifestou, assim como os bajuladores profissionais da Associação Brasileira de Imprensa. E só está começando…

Paulo Polzonoff Jr., colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Mentiras, fake news e artimanhas jurídicas - Percival Puggina

Deixei de usar o estrangeirismo “fake news”, que se tornou a mais vadia das expressões correntes em nosso vocabulário. Como a Geni de Chico Buarque, ela dá para qualquer um o que cada um quiser e, em seus momentos sádicos, tortura a verdade.

Na noite de 30 de outubro de 1938, milhões de ouvintes norte-americanos, sintonizados à CBS, ouviram a transmissão radiofônica de “A Guerra dos Mundos”. Durante uma hora, Orson Welles narrou uma invasão alienígena como se estivesse em curso na costa Leste dos EUA, espalhando pânico e, ao mesmo tempo, alçando sua carreira ao nível das estrelas de maior grandeza na luminosa abóboda hollywoodiana. O programa entrou para a história do rádio como um de seus capítulos mais notáveis.

Mentiras fazem parte do nosso cotidiano. Têm data própria no calendário anual.  Mentem-nos tanto que acabamos desenvolvendo intuições que nos protegem de muitas
Por outro lado, a verdade, não raro, é produto de uma trabalhosa escavação, seja dos acontecimentos de hoje, seja nas cinzas da história. A política só é o habitat de tantos mentirosos porque muitos eleitores preferem ouvi-los. Na lei de Deus, a mentira é pecado; na lei dos homens, não é crime (salvo em situações muito particulares previstas em lei).

Rejeitemos a falsidade e a mistificação. Protejamo-nos, inclusive, do autoengano. Afastemo-nos dos mentirosos. Busquemos a verdade. Querer acabar com a mentira, contudo, é devaneio autoritário de quem sonha com um Ministério da Verdade e este é mais nocivo do que aquela.

O STF e seu braço eleitoral tantas fizeram com a expressão fake news, tanto dela abusaram para transformá-la numa espécie de crime hediondo, que acabaram por depreciar o emprego que dela fazem. Esqueceram-se da frequência com que alguns de seus ministros relativizam a Constituição, recuam das próprias verdades já explicitadas em trabalhos acadêmicos, atividades profissionais anteriores e que deveriam nos proteger dos abusos das plataformas, delas não se valem para sancionar quem os contraria?

No transcurso de uma campanha eleitoral, quem impôs como verdade inquestionável a inocência de Lula – a maior mistificação da década – perdeu a autoridade para imputar falsidade às afirmações alheias. Desculpem-me os divergentes, mas me sinto moralmente vinculado às minhas percepções, principalmente se do lado oposto observo, ademais, graves violações ao estado de direito.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


domingo, 27 de março de 2022

Os partidos vão contar? - Alon Feuerwerker

Análise Política

A caminho do fechamento da janela de trocas partidárias, quem mais vem se beneficiando na migração de deputados são as legendas que devem dar sustentação a Jair Bolsonaro na corrida para a reeleição: o partido dele, PL, mais o Progressistas e o Republicanos. Normal. Governos sempre têm capacidade de atrair políticos, e a isso se soma o fato de o presidente ter chegado competitivo a esta etapa do processo.

Candidatos à reeleição no Parlamento beneficiam-se da proximidade com o governo, mesmo que a recente anabolização das emendas dos congressistas ao Orçamento Geral da União tenha injetado boa dose de autonomia na vida de deputados e senadores. 
O Estado no Brasil tem ubiquidade, e influir nas decisões do poder sempre ajuda a alavancar trajetórias políticas e a dar-lhes sustentação no tempo.

Mas qual será o peso real das estruturas partidárias na eleição presidencial? Em tese, relativo. É bem mais provável que o eleitor escolha um parlamentar por este apoiar o candidato a presidente do que decidir votar em alguém para o Planalto porque o deputado ou o prefeito pediram ou mandaram. O voto é secreto. A escolha do candidato a presidente é a esfera de decisão política em que o eleitor costuma exercitar sua independência em maior grau.

Mas estruturas partidárias importam. Mesmo em 2018, quando Jair Bolsonaro se elegeu por uma microlegenda, por todo o país os partidos e políticos do campo que vai do centro à direita, pegando inclusive franjas à esquerda, conectaram-se na composição do hoje presidente. Não houve alianças formais, mas realizaram-se alianças políticas na vida real. Que costumam pesar bem mais na hora do vamos ver.

E há agora em 2022 a particularidade de um presidente candidato à reeleição não ter como colar no papel de outsider. 
Precisará de tempo de televisão e rádio para defender seu governo. 
Claro que as redes sociais são um campo decisivo da luta, mas não se deve subestimar o efeito do rádio e da televisão.

Depois da facada de 6 de setembro, Jair Bolsonaro teve 15 dias de exposição positiva quase 24 horas no ar. É um erro achar que a televisão e o rádio não tiveram influência na eleição de 2018.

Pelas contas de hoje, e sabendo que o tempo de televisão e rádio é calculado segundo o tamanho das bancadas eleitas para a Câmara em 2018, Luiz Inácio Lula da Silva e Bolsonaro já garantiram cerca de 20% cada um. Se os muitos nomes do espaço intermediário se juntassem, também garantiriam uma fatia considerável do bolo. Mas até o momento não há sinais. Convém, entretanto, esperar, a eleição está longe ainda.

*

 E por falar em centro, está realmente em curso uma articulação ampla para tentar que todos renunciem em favor de um só. O nome do momento é Eduardo Leite. Mas até Luiz Henrique Mandetta pode voltar a ter algum papel. A operação não é fácil, mas tampouco impossível. A decisão, a acontecer, ficaria a cargo dos presidentes dos partidos envolvidos. O que contornaria eventuais resistências em uma ou outra legenda.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


domingo, 13 de fevereiro de 2022

Quanto a Globo deve ao governo e o risco à concessão em 2022 - Terra

As regras de concessão de rádio e TV

Bolsonaro avisou que só vai renovar a licença da emissora se não houver nenhuma pendência com a União

A renovação da concessão pública de um veículo de comunicação (rádio ou TV) depende de sua situação econômica e regularidade fiscal.  
Risco de insolvência, dívidas com a Receita Federal e pendências de recolhimento ao INSS podem servir de argumento para que o governona autoridade do presidente da República – suspenda a licença de funcionamento do concessionário
A atual concessão da Globo expira em 5 de outubro de 2022 e, há dois anos, gera uma guerra de nervos entre Jair Bolsonaro e a cúpula da emissora.

Bolsonaro espera a hora certa para decidir sobre a concessão da Globo
Bolsonaro espera a hora certa para decidir sobre a concessão da Globo
Foto: Fotomontagem: Blog Sala de TV

Com base na Lei de Acesso à Informação, o Poder360 revelou quanto a TV Globo deve à União. Entre impostos não recolhidos e dívidas com a Previdência, a pendência é de R$ 330 milhões (valor referente a novembro). Dessa quantia, a situação irregular corresponde a apenas R$ 1 milhão, ou seja, uma fração mínima. A maior parte do débito já foi negociada ou teve decisão judicial favorável ao canal. O risco de a Globo ser suspensa por questões burocráticas e tributárias é praticamente nulo.

Em várias ocasiões, Jair Bolsonaro avisou que só vai renovar a concessão se a TV do clã Marinho estiver em dia com todos os compromissos com o governo. Em 22 de novembro, o presidente falou a respeito ao fazer pit stop no cercadinho diante do Palácio da Alvorada. “A Globo tem encontro comigo ano que vem. Encontro com a verdade”, disse. “Não vou perseguir ninguém. Tem que estar com as certidões negativas em dia, um montão de coisas aí.”

Em maio de 2020, irritado com a cobertura que a Globo fazia da atuação do governo na pandemia, Bolsonaro atacou. “Não é ameaça, não, assim como faço para todo mundo, vai ter que estar direitinho a contabilidade, para que você (Globo) possa ter sua concessão renovada. Se não tiver tudo certo, não renovo a de vocês nem a de ninguém.”

O tom foi mais incisivo em live realizada em outubro de 2019, em reação a uma matéria do ‘Jornal Nacional’ que vinculava o nome do presidente às investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco. “Temos uma conversa em 2022. Eu tenho que estar morto até lá... O processo (de renovação da concessão) tem que estar enxuto, tem que estar legal. Não vai ter jeitinho pra vocês nem pra ninguém.”

Inaugurada em abril de 1965 pelo empresário Roberto Marinho, a Globo possui cinco emissoras próprias: duas geradoras (TV Globo Rio de Janeiro e TV Globo São Paulo) e três filiais (Globo Minas, Globo Brasília e Globo Nordeste). Além disso, conta com mais de 120 afiliadas nos quatro cantos do País. A atual concessão foi assinada pelo então presidente Lula em abril de 2008, com data retroativa a outubro de 2007, e validade de 15 anos.

As emissoras de rádio e de televisão abertas operam sob concessões do poder público, que têm validade de 15 anos e cuja renovação costuma ser um processo burocrático que não chama muito a atenção. Mas o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a colocar em dúvida a continuidade das atividades de uma TV específica, a Globo. A concessão da maior rede aberta do país vence em 5 de outubro deste ano e, segundo o presidente, a renovação pode enfrentar “dificuldades”.

“A renovação da concessão da Globo é logo após o 1º turno das eleições deste ano. E, da minha parte, para todo mundo, você tem que estar em dia. Não vamos perseguir ninguém, nós apenas faremos cumprir a legislação para essas renovações de concessões. Temos informações de que eles vão ter dificuldades”, disse Bolsonaro neste sábado (12/2) em entrevista ao político (sem mandato) e radialista Anthony Garotinho (PROS), na Rádio Tupi.

Nessa mesma entrevista, Bolsonaro voltou a questionar o sistema eleitoral brasileiro: “A gente vê com preocupação, porque… Não quero entrar em detalhes, nós temos um sistema eleitoral que não é de confiança de todos nós ainda”, disse. “A máquina, tudo bem, a máquina não mente. Mas quem opera a máquina é um ser humano. Então, existem ainda muitas dúvidas no tocante a isso e a gente espera que nos próximos dias a gente tire essa dúvida”, prosseguiu ele, que tem usado questionamento sobre a segurança das urnas enviadas pelas Forças Armadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para levantar mais uma vez a tese de fraude eleitoral (da qual nunca apresentou provas, apesar de fazer várias acusações).

A concessão pública para a exploração de rádio e TV segue regras legislativas que datam da década de 1960, mas foram atualizadas no governo de Michel Temer (MDB) com algumas simplificações de procedimentos e ampliações de prazo.

Nos ataques que faz à Globo, Bolsonaro costuma sugerir que dívidas fiscais podem impedir a emissora de conseguir a renovação. A Globo não se pronunciou sobre as palavras do presidente da República.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a ameaçar neste sábado, dia 12, a renovação da concessão pública da TV Globo. Segundo o presidente, a emissora carioca poderá “enfrentar dificuldades” para obter a renovação da outorga de serviços de radiodifusão, que vence em 5 de outubro, quando completa o prazo de quinze anos. “A renovação da concessão da Globo é logo após o primeiro turno das eleições deste ano. E, da minha parte, para todo mundo, você tem que estar em dia. […] Não vamos perseguir ninguém, nós apenas faremos cumprir a legislação para essas renovações de concessões. Temos informações de que eles vão ter dificuldades”, disse o presidente em entrevista ao ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PROS), na Rádio Tupi. [o presidente Bolsonaro fará cumprir a legislação - o Congresso não pode alterar a legislação em função dos interesses de um determinado grupo jornalístico; quanto à TV Globo ser parcial em relação ao governo Bolsonaro - maximizando o que pode ser narrado de forma desfavorável ao governo do capitão e minimizando os pontos positivos - é FATO que não pode ser contestado. 
O desenlace desejado e esperado por todos que gostam da mídia que apresenta a notícia verdadeira, imparcial, comentando os fatosnão as narrativas é que tendo a Rede Globo débitos com a União Federal a concessão não seja renovada. 
Os 'contadores de cadáveres' dos jornais da TV Globo, especialmente o JN, terão que procurar novos empregos e já sabem que não serão bem aceitos em outras emissoras.]

O presidente retomou, dias depois de alegar que defende a liberdade de imprensa, fez críticas à Globo e se disse perseguido pelo jornalismo do canal. “Eu fui muito mais perseguido que você, Garotinho”, acenou o presidente ao radialista da Tupi, agora seu aliado político. “Com todo respeito, eu sou um herói nacional. Sempre disseram que ninguém resiste a dois meses de Globo. Eu estou resistindo.”

As declarações de Bolsonaro também ocorrem num contexto de reiteradas críticas à ideia defendida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu virtual adversário nas eleições presidenciais deste ano, de regulação da mídia. [os fatos, a conjuntura mostram que o virtual neste parágrafo está no sentido do que não tem real valor, não expressa o material e sim,  o fantasioso.]

Ao longo do mandato, Bolsonaro deu diversas declarações dúbias, que deixam dúvidas sobre sua intenção de não recomendar a renovação da outorga à empresa da família Marinho. Ele costuma usar essas declarações como forma de mobilizar seus simpatizantes, principalmente nas redes sociais, contra a emissora. Em uma delas, disse que a empresa deveria estar “arrumadinha”, do ponto de vista tributário. [o presidente apenas citou o que a lei determina.]

Portal Terra - Jeff Benício


terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Precatórios: mais uma bizarrice made in Brazil - Revista Oeste

 Ilustração: Nuthawut Somsuk/Shutterstock
Ilustração: Nuthawut Somsuk/Shutterstock

Em resumo, os precatórios são dívidas do Poder Público com pessoas físicas ou jurídicas já reconhecidas pela Justiça — ou seja, sem chance de apelação. Assim, quando cidadãos e empresas processam qualquer uma das três esferas de governo (municipal, estadual ou federal) e obtêm ganho de causa, o Judiciário emite uma ordem de pagamento. Depois do trânsito em julgado, a dívida com os credores tem de ser quitada no ano seguinte. Isso teoricamente. Na prática, as sentenças judiciais são frequentemente descumpridas pelo Estado.

Ilustrando de outra forma, a situação é a seguinte: você (o cidadão pagador de impostos) sustenta quem lhe deve dinheiro (o Estado). E quem lhe deve dinheiro continua recebendo cada centavo sem pagar ao credor (você) nenhum real.

O caminho até o pagamento dos precatórios é longo

A família de Amedeo Augusto Papa Júnior, de 46 anos, é uma dessas vítimas do Estado. Sua mãe era sócia minoritária do Grupo Giorgi, detentor da marca Sal Cisne. Em 1973, uma parte das garagens e do edifício-sede da companhia — o Grande Avenida, localizado na Avenida Paulista — foi desapropriada pela prefeitura de São Paulo. “É uma situação complicada, porque esse tipo de desapropriação não atingiu apenas uma família. São várias pessoas envolvidas”, revelou o advogado, em entrevista concedida a Oeste.

Quando decidiu deixar a companhia, em 1982, a mãe de Amedeo fechou um acordo para ser indenizada. Parte do dinheiro foi recebida em pagamento de precatórios que uma das empresas do Grupo Giorgi possuía na prefeitura da capital paulista. No entanto, ainda restam pendências a ser quitadas pela administração municipal, como a correção pelo índice de inflação. “Esses complementos sempre tiveram a mesma prioridade que o precatório original”, explica Amedeo. “Você não voltava para o final da fila. Uma vez que o precatório complementar era reconhecido, havia uma ordem cronológica a ser seguida.”

Neste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma resolução determinando que os precatórios complementares sejam considerados novos precatórios — ou seja, precisam ser expedidos novamente. E o fantasma da burocracia voltou a atormentar a família de Amedeo. “Minha mãe foi indiretamente atingida por uma desapropriação e recebeu parcialmente o pagamento em precatório, mas ainda há dinheiro a receber”, salientou o advogado. “É quase como um bilhete de loteria que você ganhou, mas não tem um guichê para buscar o prêmio.”

Documentos do processo envolvendo a desapropriação do Edifício Grande Avenida, que tramita na 9ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, mostram que a dívida acumulada da prefeitura com a família de Amedeo ultrapassa a marca de R$ 1 milhão.

Não há a quem recorrer
Embora o pagamento de precatórios seja obrigação do Poder Público, seu descumprimento raramente é punido pela Justiça. “Se entro com uma ação contra o Estado, não posso proceder à execução da mesma maneira como faria se a ação fosse ajuizada contra uma pessoa comum”, explicou o advogado Adriano Ferriani, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócio do escritório de advocacia Ferriani, Jamal & Fornazari. “Isso acontece porque os bens públicos não podem ser penhorados.”

Embora a União esteja sob os holofotes, Estados e municípios são os recordistas de inadimplência

Em entrevista concedida ao programa Direto ao Ponto, da rádio Jovem Pan, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega criticou o descaso estatal na condução dos precatórios. “Gastar com advogado, comparecimento a tribunais… e no fim o autor morre e são os herdeiros que concluem o processo. Quando acaba essa saga de décadas, o governo diz: ‘Não pago’”, observou. “É inacreditável uma equipe econômica que se diz liberal, que sabe o valor da propriedade privada, propor a violação desse direito fundamental.” [ex-ministro Mailson! qual dos dois direitos é mais fundamental: não morrer de fome? ou receber precatórios?]

O advogado e professor André Félix Ricotta de Oliveira, presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), segue na mesma linha. “Se a União agisse de forma mais correta, teríamos menor acúmulo desses processos no Judiciário e menos precatórios a serem pagos”, argumentou. “É um contrassenso, um desrespeito ao cidadão que esperou longos anos em processos judiciais para conseguir o que lhe é de direito. Quando obtém algo, o Estado surge com uma PEC para fracionar esse pagamento, mudando as regras do jogo.”

Embora a União esteja sob os holofotes, Estados e municípios são os recordistas de inadimplência, com mais de R$ 150 bilhões de dívidas acumuladas em precatórios. Na esfera federal, por sua vez, o saldo devedor é de quase R$ 45 bilhões. Compõem esse passivo dívidas judiciais relacionadas a salários, pensões, aposentadorias, indenizações e desapropriações. Esse valor pendente de pagamento poderá ser multiplicado nos próximos anos, caso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios avance no Congresso Nacional.

A União deve menos do que Estados e municípios
(...)
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Embora seja o Estado mais rico do país, São Paulo é o maior devedor [o maior caloteiro é o Dória, mesmo assim os contrários à PEC dos Precatórios querem que mais de 17.000.000 de famílias passem mais fome, já que a rejeição da PEC = fim do Auxílio Brasil.]

Neste ano, a estimativa do governo federal é pagar cerca de R$ 55 bilhões em precatórios. Em 2022, a projeção seria de quase R$ 90 bilhões, mas esse valor deve ser reduzido para pouco mais de R$ 44 bilhões com a aprovação da PEC dos Precatórios. Os outros R$ 46 bilhões ajudariam a bancar o Auxílio Brasil, programa social que sucede ao Bolsa Família
 
Segundo o advogado Adriano Ferriani, União, Estados e municípios são todos devedores. Mas a esfera federal, depois do trânsito em julgado da sentença judicial, não dá calote — pelo menos até a PEC dos Precatórios virar realidade. “A União vem pagando em dia. Os Estados e municípios são um caso à parte”, afirmou. “Depois que o precatório é expedido, a grande maioria não paga no ano seguinte, geralmente por falta de dinheiro suficiente para todos os gastos”, explicou o advogado. “Isso gera um enorme atraso. Os valores são corrigidos monetariamente. Mas, mesmo assim, muitas vezes o credor morre no meio dessa espera toda.”

De acordo com os especialistas consultados por Oeste,
a demora no pagamento de precatórios se deve a uma combinação de fatores que podem parecer contraditórios entre si: a burocracia dos processos judiciais no Brasil, com seus intermináveis recursos e apelações a diversas instâncias, e o avanço digital dos tribunais. Em entrevista concedida à Jovem Pan, Maílson da Nobrega analisou essa questão: “Antigamente, levava seis meses para o processo passar de uma mesa para outra”, explicou o ex-ministro da Fazenda. “Agora, é um segundo. Basta um clique. Os plenários virtuais tornaram muito mais eficiente o trabalho do Judiciário. Além disso, o Novo Código de Processo Civil reduziu a burocracia dos processos judiciais. Por isso, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça passaram a decidir muito mais rapidamente.” Nesse caso, a celeridade na resolução dos processos caminha em descompasso com o cumprimento das sentenças judiciais pelo Estado.

Diante de tamanha demora para receber o pagamento dos precatórios, muitos brasileiros recorrem a grupos que se especializaram na compra desses títulos para quitar pendências judiciais. Pessoas físicas ou jurídicas podem contratar empresas que intermedeiam a negociação desses créditos. Os credores recebem menos, mas de forma muito mais rápida do que pelos trâmites convencionais. A operação é legal e, dependendo da situação, acaba sendo vantajosa para quem tem dinheiro a receber.
 
Pesadelo triplo
Uma das empresas que fazem esse tipo de serviço é a Cashew Capital, da qual Adriano Ferriani participa. “Os sócios da Cashew são todos advogados e têm suas próprias bancas de advocacia”, revelou. “Percebendo a dificuldade para os credores receberem, vimos a oportunidade de criar uma empresa que intermediasse a negociação desses valores.” O advogado ressalta que os credores não ganham o valor integral, mas conseguem receber antecipadamente os precatórios. “Quem tem dinheiro para investir e não tem problema em esperar acaba tendo uma oportunidade de investimento a longo prazo”, disse. “O credor cede seu crédito para os investidores, ganha menos do que tinha direito, mas antecipa o recebimento e consegue tocar a vida.”

Esse desarranjo econômico, fiscal e jurídico também afeta a administração pública. O dinheiro para o pagamento de precatórios tem de sair das chamadas despesas não obrigatórias (discricionárias), consideravelmente menores que as obrigatórias (salários de servidores, aposentadorias e encargos da dívida pública). Em suma, trata-se de um pesadelo para as três esferas de governo, que sofrem com a escassez de recursos em razão do constante aumento dessas dívidas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, manifestou ainda em dezembro do ano passado sua preocupação com o crescimento acelerado dessas despesas, que teriam ultrapassado os gastos com saúde, educação e segurança. “Não existia e, de repente, aparecem R$ 15 bilhões por ano”, observou, ao ressaltar que o país corre o risco de ser destruído pela indústria de precatórios. “Aí, pula para R$ 25 bilhões no governo seguinte. No ano que vem, serão cerca de R$ 40 bilhões. Será que estamos tratando do assunto corretamente?”
 
Idosos, os principais atingidos

Embora as contas públicas possam ser comprometidas em razão do acúmulo de dívidas relacionadas aos precatórios, é o pagador de impostos que sofre de fato com a falta de recursos. Para consertar suas barbeiragens na gestão econômica, o Estado pode imprimir dinheiro ou aumentar impostos. Apesar de ambas as medidas terem consequências catastróficas a longo prazo, resolvem um problema de curtíssimo prazo, permitindo aos governos gastar sem parcimônia. O brasileiro comum, todavia, não usufrui desse privilégio.

Postergar ou não pagar as dívidas com os cidadãos, portanto, atenta contra os mínimos requisitos morais exigidos de gestores públicos. “Um possível calote prejudicará milhares de pessoas”, alertou o advogado Álvaro Lopez, de 89 anos. “A maioria dos precatórios a serem pagos é relacionada à Previdência Social, como INSS e aposentadoria. É um dinheiro que é destinado aos pobres, que lutaram a vida inteira para se aposentar. Os idosos serão os principais atingidos pelo calote.”

Se Henry Ford conhecesse a confusão dos precatórios brasileiros, com certeza promoveria, ele mesmo, uma revolução antes do alvorecer.

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Revista Oeste