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quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Sem resposta simples

Vista de fora do Brasil, a onda bolsonarista desafia interpretações


Vista de Nova York, onde estou palestrando para investidores estrangeiros, a onda que levou Bolsonaro aos seus 50 milhões de votos no primeiro turno é uma jabuticaba política brasileira ou simplesmente a expressão de um fenômeno autoritário com variadas ramificações mundo afora?  Pelo menos três elementos a política brasileira tem em comum com ondas semelhantes na Ásia, Europa e Estados Unidos. Eles são: o descrédito e a desconfiança do eleitor em relação a instituições tradicionais, incluindo perda de credibilidade dos grandes órgão de imprensa; a presença de fortes redes sociais que impulsionam “outsiders”; uma situação de crise ou paralisia na economia (no caso brasileiro, a pior recessão em gerações).

Aos elementos acima teríamos de acrescentar partidos desmoralizados, sistema político destruído, e as consequências da Lava Jato como expressão de indignação e raiva que vem já desde 2013. Ou seja, aos elementos comuns a muitos países somam-se fatores domésticos de alta relevância.  O “fenômeno político Bolsonaro” atraiu enorme atenção fora do Brasil – e dificuldades de interpretação idem. O mínimo denominador comum encontrado entre publicações normalmente divergentes entre si (como The Guardian ou Economist), por exemplo, foi o de ressaltar perigos severos à democracia. A palavra “fascista” aparece em publicações como Der Spiegel, revista importante num país no qual esse vocábulo tem peso muito especial. Mesmo o Financial Times, que provavelmente tem a melhor cobertura do Brasil na grande imprensa internacional, vê na figura de Bolsonaro o prenuncio de tempos duros – a inversão de uma tendência, segundo o FT, que o Brasil também simbolizara ao sair do regime militar há mais de 30 anos.

Para comediantes da telinha americana como John Oliver, a eleição brasileira virou piada pronta, com a exibição das aberrações de propaganda eleitoral produzida por candidatos a deputado, passando por Lula na cadeia (aqui fora se acha mesmo piada que um presidiário surgisse como favorito nas pesquisas eleitorais) e chegando até algumas das frases mais contundentes de Bolsonaro – aqui, segundo o humorista, acaba a graça.

A “guerra cultural” brasileira invadiu também o espectro de opiniões nos Estados Unidos, com o reconhecendo em editorial que progressistas no mundo inteiro ingressaram em “estado de ansiedade” desde que os brasileiros deram votação tão expressiva a Bolsonaro. Mas não será o próprio eleitor brasileiro que sabe melhor que ninguém de qual candidato precisa?, indagou o WSJ.

Quanto aos investidores estrangeiros, concentrados em grande número em Nova York, a política brasileira se resume a uma pergunta: “Can he deliver?” – Bolsonaro consegue entregar o que precisa ser feito, na perspectiva de quem pretende pôr dinheiro no nosso país, ou seja, ele consegue as reformas necessárias para atacar a questão do gasto público e a recuperação da capacidade de investimento na economia?

Confesso que não consegui dar a eles uma resposta simples. É óbvio que a onda do fim de semana passado mudou bastante a política e sugere desdobramentos de alcance maior do que a capacidade de se construir maiorias para votações na Câmara dos Deputados. A onda desenha uma oportunidade que pode ser ampliada com o “capital político”, como gostam de dizer os economistas, que Bolsonaro está acumulando. Soa esperançoso? Depende para trazer resultados de uma capacidade de articulação e liderança políticas que até agora ninguém demonstrou.

William Waack -  O Estado de S. Paulo


sexta-feira, 27 de abril de 2018

Em Paris, Dodge diz que recorrerá contra mudança de foro do caso Lula

Procuradora-geral da República diz que assunto será prioridade do órgão 


A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou nesta sexta (27), em Paris, que espera poder entrar com um recurso contra a decisão da Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), que retirou do juiz Sergio Moro delações de ex-executivos da Odebrecht referentes às investigações sobre a construção do Instituto Lula e a reforma do sítio de Atibaia.  “A minha expectativa é de que caiba um recurso e que nós consigamos apresentar um argumento cabível de ser examinado nessa fase processual e nessa situação”, disse a PGR, na saída de um encontro com magistrados franceses, em Paris.


Na última terça (24), a turma decidiu enviar partes das delações de ex-executivos da construtora que citam Lula à Justiça Federal de São Paulo, o que impede Moro de utilizar informações em processos em andamento contra o ex-presidente. A PGR teme que a decisão crie margem para contestações em outros casos investigados no âmbito da Lava Jato.  "O conteúdo da decisão e suas consequências é o que nós estamos estudando nesse momento […] O acórdão não está publicado. A possibilidade recursal agora é pequena e eu tenho de saber exatamente o que é possível fazer", disse a procuradora, que afirmou que a questão será sua prioridade quando retornar ao Brasil, no próximo domingo.

PALOCCI

Dodge não quis comentar o acordo de delação do ex-ministro Antonio Palocci, acertado diretamente com a Polícia Federal. A PGR limitou-se a dizer que irá analisar o caso.  “O meu gabinete, ou a instância cabível, certamente estará examinando esse documento. Aí, a manifestação será feita oportunamente. Mas eu não posso adiantar nenhum ponto de vista exatamente porque não examinei que documento é esse, como foi feito, qual a extensão das cláusulas. Tudo precisa ser avaliado com muito cuidado”,  explicou.​

Raquel Dodge viajou a Paris na quarta-feira. Na quinta, participou de uma conferência de luta contra o financiamento do terrorismo organizada pela presidência francesa, na sede da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nesta sexta, ela manteve uma série de encontros com autoridades do Judiciário da França, com quem debateu questões relativas à cooperação entre os ministérios públicos brasileiro e francês.  "Os crimes e os problemas hoje são mundiais, são globalizados e é preciso estabelecer essas pontes adequadamente […] Em toda a Europa e Estados Unidos há uma série de ativos que foram desviados dos cofres públicos brasileiros e nós estamos com uma agenda muito forte para recuperá-los”, lembrou Dodge.

Atualmente, a principal colaboração entre o Ministério Público francês e o brasileiro são as investigações de suspeitas de compra de votos na escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016 e de fraude na licitação vencida pela francesa Areva para a construção do reator nuclear de Angra 3.
Também é investigado o pagamento de propina no contrato de compra de cinco submarinos assinado entre o Brasil e o estaleiro francês DCNS.
 

Folha de S. Paulo

LEIA TAMBÉM:Temer faz pronunciamento em que diz ser perseguido
 

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Algo mais na agenda econômica

Muitos perguntam como a reforma da Previdência, que acaba de passar na comissão especial da Câmara dos Deputados, pode ser boa para os mais pobres, como vive repetindo o governo, se ela retira direitos de todos. Com efeito, a Constituição de 1988 mandou que os direitos previdenciários fossem ampliados significativamente, [a tal Constituinte cidadã foi pródiga em conceder direitos e irresponsável em prover recursos para o pagamento das benesses;
o ´déficit da Previdência é fruto de uma das irresponsabilidades da tal constituinte.] daí o forte crescimento dos gastos nos últimos anos, e até aumentou fortemente as receitas cativas da área conhecida como “social”. Tanto assim que o discurso mais comum entre os porta-vozes do movimento antirreforma é de que não existe déficit algum na Previdência Social, pois a receita foi ampliada. O problema é que a mesma Constituição também enfatizou e mandou pagar com o mesmo suborçamento cativo — maiores gastos em saúde (um direito de todos) e assistência social, caso em que, em relação ao PIB, se gasta bem mais que a média do mundo emergente, e talvez até mesmo em comparação com Europa e Estados Unidos. Assim, na hora de fechar a conta, o cobertor fica bem curto.

Esse problema tende a piorar rapidamente, por um fenômeno pouco percebido, que é o processo de rápido envelhecimento da população brasileira. Dentro de uns 30 ou 40 anos, conforme estimativas da ONU, o percentual de idosos do Brasil superará o da Europa e dos Estados Unidos. Assim, haverá bem mais idosos relativamente aos que contribuem, o que tornará o sistema ainda menos sustentável. Nesses termos, se não houver reforma, o gasto, medido em porcentagem do PIB, dobrará até 2060, segundo cálculos da equipe de Marcelo Caetano, o “papa” no assunto, o que teria de ser financiado por impostos, algo impossível diante da alta carga tributária que já temos, ou via emissão monetária, o que levaria à volta da hiperinflação, e tudo de ruim que isso implica, inclusive por prejudicar particularmente os mais pobres. Só que convencer a população desse tipo de coisa é tarefa muito difícil, especialmente para um governo com a baixa popularidade do atual.

No meio de tudo isso, têm crescido fortemente as pressões antirreforma de parte de vários segmentos afetados, levando a sucessivas alterações da proposta original, atenuando seus efeitos. Nesse sentido, o maior problema enfrentado pelo governo no momento é convencer os mercados financiadores da dívida pública de que as crescentes alterações na proposta não a terão desfigurado demasiadamente no final da votação, que muitos ainda estimam vitoriosa para o governo, a exemplo do que acaba de se ver na comissão especial.

Ao refazer sua estratégia de ação nesse assunto, Temer deveria ter conclamado a ajuda dos governadores, aliados naturais na difícil tarefa de equacionar os gigantescos déficits previdenciários de todos os regimes e que possuem óbvia influência sobre as respectivas bancadas, de forma mais enfática. Em troca, poderia ajudá-los a financiar os gigantescos déficits de caixa decorrentes da pior recessão de nossa história, adiantando recursos da venda de ativos e outros recebíveis direcionados para os fundos próprios de pensão.

No XXIX Fórum Nacional, em 18 e 19 de maio, (veja em inae.org.br), que contará com o apoio de sempre do BNDES, palco habitual dos debates mais importantes sobre o futuro do país, discutirei com vários painelistas destacados tanto a questão macroeconômica, em que o tema previdência se destacará naturalmente com o depoimento de Marcelo Caetano, como dois temas básicos do momento, a crise financeira estadual e a crise da infraestrutura, que, por último, passaram a ocupar papel de destaque no debate nacional.

Sem desmerecer o importante papel dos demais participantes, cuja lista completa seria impossível incluir aqui, lá estará o senador Ricardo Ferraço, que acaba de assumir a condução do processo de votação da essencial reforma trabalhista no Senado Federal. Contaremos também com outros líderes de peso, como Marcos Cintra (Finep) e Afif Domingos (Sebrae), que discutirão os rumos do país do ponto de vista de suas áreas de atuação (tecnologia e pequena empresa).

O presidente Rodrigo Maia, da Câmara, presidirá o painel sobre a crise dos estados, na presença dos governadores talvez mais importantes do país, enquanto o ministro Bruno Dantas, responsável pela área no TCU, acompanhado do secretário Adalberto Vasconcelos, do PPI, coordenará o debate dos temas relacionados com as agruras da infraestrutura brasileira.

Nesse particular, deixo para debater no Fórum a aprovação da Medida Provisória 752, que acaba de ser anunciada, e que poderia ter encaminhado uma solução adequada para as concessões rodoviárias que foram abaladas pela maior recessão da história do país, em curso, mas que, na última hora, foi desfigurada no processo de aprovação no Congresso Nacional.  Concluo destacando que as reformas estruturais são obviamente prioritárias e deveriam merecer toda a atenção da classe política, mas questões relevantes como as que citei acima não podem ficar de fora do debate nacional e da busca de soluções cada vez mais urgentes para problemas cruciais do país.


Fonte: Raul Velloso - O Globo