“Bola suja” poderá salvar Lava Jato?
Só quem não prestou atenção total ao
debate sobre os escândalos de corrupção no Brasil pode ter-se
surpreendido com a espetacular prisão pelo americano Federal Bureau of
Investigation (FBI) de sete “cartolas” da Fifa, entre os quais o
presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria
Marin, em Zurique, na Suíça. Afinal, um dos melhores e mais bem
informados especialistas na área do Direito que lida com esse tipo de
fraudes no Brasil, Modesto Carvalhosa, vem há algum tempo advertindo
para a possibilidade de intervenções remotas da Justiça americana, no
exterior. Em artigos nesta página e entrevistas à imprensa e às
emissoras de rádio e televisão, ele tem advertido que, sendo o Brasil
signatário de um pacto internacional anticorrupção, acusados de fraude
que não tenham sido justiçados aqui poderão sê-lo em qualquer outro país
lesado, entre eles os Estados Unidos.
As advertências feitas pelo advogado
dizem respeito especificamente à roubalheira que atualmente mantém o
monopólio das manchetes dos jornais e dos noticiários de rádio e
televisão e das capas de revistas: em troca de garantia de ganhar
licitações e de poder superfaturar obras da Petrobras, grandes
empreiteiras pagaram propinas a gerentes e diretores da estatal e a
políticos de partidos aliados do governo que os nomearam apenas para
esse objetivo. Tramitam na Justiça americana ações movidas por
investidores que acreditaram no perfil sério e competente de nossa
petroleira e se sentiram logrados depois que tiveram notícia do mar de
lama em que a companhia afundou, num caso de furtos sem paralelo na
História da humanidade.
Petróleo, evidentemente, nada tem que
ver com futebol. No entanto, ninguém precisa sequer acompanhar o
noticiário esportivo para ficar sabendo que o esporte mais popular do
mundo é administrado por uma federação cuja fama em matéria de
malversação de recursos é enorme. Mas a Fifa passava incólume por
processos judiciais, apesar de suspeitas, devassas e investigações.
Agora o que Carvalhosa diz, sem que
ninguém dê atenção a seus avisos – nem o governo, nem a oposição ou a
cúpula dos Poderes Legislativo e Judiciário tiveram a sabedoria de lê-lo
e ouvi-lo –, se confirmou na ação do FBI, com ajuda da polícia suíça,
no suntuoso hotel Baur au Lac. A ação policial não alterou o resultado
previsto do pleito de que de novo saiu vencedor o suíço Joseph Blatter.
Mas, além da temporada dos finórios “cartolas” nas prisões helvéticas, a
batata do chefão torrou e ele saltou fora. Após a reeleição, tinha
acusado os americanos de estarem se vingando pela escolha do Catar para
sediar a Copa de 2022 em vez do país deles. Como dizia vovó, “desculpa
de cego é feira ruim e saco furado”.
A versão de Blatter mostra que ele
aprendeu esse truque no Brasil, onde foi disputado o Mundial da Fifa no
ano passado. Pois essa sua tentativa de ficar de fora do episódio é
similar às acusações feitas por Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Fernando
Collor e Antonio Anastasia contra o Ministério Público Federal (MPF),
que investiga a eventual participação deles no esquema chamado de
petrolão. A questão é que, tanto cá quanto lá, não importa a motivação,
mas a consequência dos inquéritos. MPF aqui e FBI lá têm de provar a
culpa dos acusados – alguns presos. Quem for inocente comemorará e quem
não for purgará pena, como manda a lei.
O Brasil tem importância capital na ação
judicial e na operação policial nos EUA. Um importante informante é o
patrício José Hawilla, ex-repórter de campo, um dos nababos das
negociações milionárias do futebol profissional, agora réu confesso em
quatro crimes e delator premiado, que aceitou devolver parte do dinheiro
devido ao fisco americano. A História registra que foi um Imposto de
Renda mal declarado que levou o chefão mafioso de Chicago Al Capone à
prisão. Impune pelos atos de violência, o chefão caiu por delito fiscal.
Por aqui a coisa é bem diferente. Em
visita ao México, feita para incrementar relações bilaterais esfriadas
pelo combate de seu antecessor à Alca, a presidente Dilma Rousseff disse
que o futebol brasileiro “só se beneficiará dessa investigação”. Não
contou como nem por quê. Além de ter omitido a obviedade de que nenhuma
melhora na prática futebolística no País compensará a imagem negativa
produzida para esta e para o Brasil pelo fato de ultimamente só ter
merecido destaque no noticiário internacional a corrupção sem freios.
Antes de a chefona voltar, o ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, pôs a máquina do marketing policial para
funcionar anunciando investigações da Polícia Federal (PF), cuja
reputação anda em alta por causa da Operação Lava Jato. Sua intenção
óbvia é fingir que o governo manda numa instituição de Estado que não
precisa de ordens do Executivo para atuar. Além da patacoada
presidencial e da ordem cínica, o governo expôs à Nação uma das mais
espetaculares provas de incompetência dadas por qualquer fisco: a
Receita Federal anunciou que investiga fraudes no total de R$ 4 bilhões
no futebol desde 2002. Dá para acreditar? Investigar por 13 anos
fraudadores que o FBI levou meses para prender?
Romário de Souza Faria, o craque da Copa
que o Brasil venceu nos EUA em 1994, conseguiu as assinaturas para
abrir comissão parlamentar de inquérito (CPI) no Senado para investigar a
CBF. Ótimo! A questão é: se a CPI da Petrobrás aguarda melancólico fim
com cheiro de pizza depois de PF e MPF terem feito o trabalho pesado, o
que esperar da repetição de uma CPI que já houve antes e teve fim igual? Sem precisarem mais ler nem ouvir o
aviso de Carvalhosa, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
podem aprender com a ação do FBI contra a “bola suja” e abortar, se é
que estão mesmo tentando sabotar a Operação Lava Jato, outra, que é
chamada, em concessão à escatologia em voga, de “bosta seca”. Tempo de
fazer justiça aqui mesmo há.
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