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sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Por uma Corte Constitucional no lugar do STF - Modesto Carvalhosa

Revista Oeste  

Hoje, vários ministros são lacaios dos políticos e confiscam todas as competências dos demais tribunais do país 

Somando-se aos inúmeros desacertos que vêm sendo catalogados na triste história do Supremo Tribunal Federal, a partir de 2016, quando a Constituição foi acintosamente rasgada na sessão de impeachment de Dilma Rousseff, outro grave incidente envolveu aquela Corte na primeira semana de dezembro de 2020. 

Encantados e profundamente gratos ao atual presidente do Senado, que engavetou pedidos de impeachment de que vários deles são alvo, os ministros conhecidos como “garantistas”, mais uma vez, afrontosamente, rasgaram a Constituição em seus votos para permitir a recondução do Sr. Davi Alcolumbre à presidência daquela Casa. Como ficaria muito feio que a inconstitucional reeleição beneficiasse apenas um dos potentados do Poder Legislativo, quatro ministros garantistas ainda estenderam o privilégio monárquico ao Sr. Rodrigo Maia, eterno ocupante da presidência da Câmara dos Deputados.

Tudo isso nas barbas do povo brasileiro, que no fim de semana mostrou, nas redes sociais, a sua profunda indignação e repulsa a essa ignomínia. A reação da sociedade foi de tal intensidade que os demais seis ministros se mobilizaram para, no próprio fim de semana, pôr cobro a essa vergonhosa conduta de seus colegas. Por 6 votos a 5, deixou — desta vez — de ser rasgada a Constituição, cuja guarda cabe exatamente àquela Corte.

O execrável episódio leva à reflexão a respeito de suas causas. Estaria o Supremo deslegitimado pelo fato de sucessivos presidentes da República haverem pinçado os ministros da mais alta Corte entre pessoas sem qualificação moral e sem suficientes conhecimentos jurídicos? Ou a causa estaria numa estrutura de poder exacerbado e sem nenhum controle outorgado pela própria Constituição de 1988 à Suprema Corte? Três fatores são centrais: nomeações de explícito caráter político; 
excesso de competências judicantes; e, 
falta de controle dos atos dos ministros e do próprio STF. 
 
Ou seja, vários ministros são lacaios dos políticos, confiscam todas as competências dos demais tribunais do país, transformando o STF em fábrica de habeas corpus para políticos corruptos e para chefes de organizações criminosas. E, finalmente, o Conselho Nacional de Justiça não tem controle externo sobre o STF, sendo presidido e dirigido pelo próprio presidente da Suprema Corte.

Enfim, o Supremo Tribunal Federal não está submetido a nenhum órgão superior que controle os seus atos e os de seus ministros, não obstante as suas decisões sejam cada vez mais tendenciosas a favor da impunidade dos políticos e de seus asseclas, ao arrepio das normas constitucionais. Estas, quando não são simplesmente derrogadas pelas decisões monocráticas ou de uma das duas turmas, são interpretadas sempre a favor de determinados políticos da ocasião, como na decisão plenária sobre a prisão de condenado somente após trânsito em julgado (para favorecer Lula); o trancamento das atividades do Coaf (decretado por um presidente da Corte para favorecer a dinastia Bolsonaro); ou a remessa para julgamento pelos Tribunais Regionais Eleitorais dos processos-crime que envolvem os políticos corruptos não protegidos pelo foro privilegiado.

Nenhuma das competências outorgadas ao atual STF pela Constituição deverá prevalecer
O rosário de decisões que desmoralizaram e continuam desmoralizando inteiramente o STF perante o povo brasileiro é imenso, devendo, a respeito, ser consultados os esclarecedores relatórios anuais da Transparência Internacional, ao nos atribuir as notas vexaminosas que nos colocam entre os países mais corruptos do planeta, a despeito de todas as revelações, prisões e condenações originadas da Operação Lava Jato.
..........

Entendemos que deve ser instituída uma Corte Constitucional em substituição ao atual Supremo Tribunal Federal, cuja competência será a de decidir unicamente matéria de constitucionalidade. Não deve ser a nova Corte um foro de recursos de nenhum contencioso — civil, penal ou administrativo. Caberá à Corte Constitucional pura e simplesmente a competência declaratória da constitucionalidade ou não de lei, de atos normativos e administrativos.

(............) 

Propõe-se, ainda, que a Corte Constitucional seja formada por 11 ministros, com mandato de oito anos, cujos cargos serão preenchidos automaticamente pelos mais antigos membros do Superior Tribunal de Justiça, ou em rodízio pelos decanos dos três tribunais superiores (o STJ, o STM e o TST). Retira-se, dessa forma, a competência do presidente da República para nomear os ministros da mais alta Corte do país, providência essa que dispensa maiores justificativas, em face do descalabro que as nomeações políticas têm causado a todo o país pela errática atuação do atual STF. Além disso, o prazo máximo de oito anos de judicatura para os membros da Corte Constitucional atende, de um lado, à necessidade de permanente renovação dos seus quadros de magistrados e, de outro, permite a consolidação de uma experiência necessária para o exercício dessas relevantes funções de Estado.

E o Conselho Nacional de Justiça terá plena jurisdição administrativa, normativa, orçamentária, fiscalizatória e disciplinar sobre a Corte Constitucional. O CNJ será, para tanto, formado unicamente por promotores, advogados e auditores — deixando de ser composto de juízes, o que é uma aberração —, não mais sendo presidido pelo presidente da mais alta Corte.

Essas mudanças estruturais, ligadas à competência restrita, à nomeação automática sem interferência dos demais Poderes, ao prazo máximo de judicatura e à fiscalização externa pelo Conselho Nacional de Justiça, virão atender às necessidades de restaurar a legitimidade da mais alta Corte do país, hoje degradada por defeitos em sua constituição e consequente atuação.

MATÉRIA COMPLETA, Revista Oeste

Leia uma das entrevistas que Modesto Carvalhosa concedeu à Revista Oeste:
“EXCLUSIVO: ‘A presidência de Toffoli é uma página negra na história do STF’, diz Carvalhosa a Oeste” 

Modesto Carvalhosa é advogado. Autor de obras sobre o tema, entre as quais Uma Nova Constituição para o Brasil: de um País de Privilégios para uma Nação de Oportunidades (no prelo).

 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Em nome da corrupção - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 16 de janeiro de 2020

Parlamentares articulam ressalva para determinar que juiz de primeira instância não decrete medidas contra eles

Há dois movimentos opostos no ambiente político e jurídico de Brasília. Um tem o objetivo de reforçar o processo de combate à corrupção. O outro, de torná-lo tão complicado e confuso, a ponto de ser impossível.O primeiro movimento é simples: trata-se de aprovar no Congresso legislação que determine a prisão após sentença em segunda instância. O objetivo é claro: trata-se de responder à decisão do STF que, por 6 votos a 5, determinou que o condenado só pode ser preso após julgados todos os recursos, em todas as instâncias. Na teoria, seria a prisão em quarta instância.

Os garantistas, dizendo-se defensores do sagrado direito humano de defesa, dizem que a norma civilizada determina que ninguém pode ser preso antes do julgamento do último recurso
Se isso for verdade, eis aqui uma relação de países bárbaros: Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Alemanha, França e Espanha. Lá, condenados vão em cana em primeira instância.

Na verdade, tirante o democrático e civilizado Brasil, os demais países da ONU também caem na barbárie, pois adotam a regra de prisão em primeira ou segunda instância, como tem observado com notável clareza, e insistência, o jurista e escritor José Paulo Cavalcanti Filho.  
Ficamos assim, portanto: 
só o Brasil das quatro instâncias respeita o direito universal de defesa. 
Na prática, porém, é um tanto diferente: criminosos ricos, de colarinho branco ou bem colocados nas instituições, capazes de contratar advogados habilidosos o suficiente para manipular a infinidade de recursos e recursos de recursos dos processos brasileiros, além de contar com, digamos, a simpatia de muitos juízes, nunca vão em cana.  
Os outros, ora, quem se importa?

Mas o pessoal que pretende melar o combate à corrupção quer mais. Saíram recentemente com duas espertezas — quer dizer, espertezas, não, pois o sujeito pode ser esperto para o bem. No caso, são duas safadezas.

A primeira foi a introdução do juiz das garantias. Há uma interessante discussão jurídica sobre o sistema, cujo objetivo seria dar mais segurança ao julgamento. Resumindo: o juiz das garantias prepara o processo — determina busca e apreensão, manda produzir as provas etc. Estando tudo pronto, o processo passa para o juiz de instrução e julgamento.
Parece bom, mas não para o Brasil do momento. Nem a intenção foi aperfeiçoar o sistema: foi simplesmente criar uma quinta instância, como notaram Cavalcanti Filho e Modesto Carvalhosa.

Basta que o juiz de julgamento peça novas provas e novas medidas cautelares. Quer dizer, a primeira instância se transformará em duas e, lógico, vai demorar ainda mais.
Além disso, como foi uma sacada de última hora, não ficou nada claro como o sistema seria introduzido e para quais instâncias valeria. Tanto foi assim que o presidente do STF, Dias Toffolli, que havia apoiado a medida, adiou sua aplicação por seis meses. Estava na cara que não havia a menor condição da entrada em vigor em 23 de janeiro próximo. O objetivo só podia ser um: criar confusão, paralisar os processos logo na dupla primeira instância.

Moro havia pedido o veto a esse dispositivo. O presidente Bolsonaro não vetou. O processo de Flávio Bolsonaro está na primeira instância. Bom, ficou para daqui a seis meses, mas o caso continua aí. A segunda safadeza foi descrita na coluna de Merval Pereira na edição de ontem. Resumindo: com o fim do foro privilegiado, todos os processos envolvendo deputados e senadores vão para a primeira instância. Mas os parlamentares estão articulando uma ressalva para determinar que o juiz de primeira instância não poderá decretar medidas cautelares contra deputados e senadores. Não poderão, por exemplo, determinar quebras de sigilo ou prisão preventiva. Direto ao ponto, não se poderá produzir provas.

Agora, acrescente aí o juiz das garantias. Se este não poderá determinar as medidas cautelares, como o juiz de julgamento julgará? Absolvição certa — e aí já vai bem para as instâncias infinitas. Tudo considerado: o combate à corrupção será mantido se o Congresso aprovar a prisão em segunda instância e derrubar todo o resto, juiz de garantias e a garantia extra a deputados e senadores.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - Coluna em O Globo