O Tempo
Situações críticas levantam o debate sobre a força dos governo
Democracias ocidentais surpreendidas pelo Covid-19
Ponto um: o Estado nas democracias ocidentais
foi surpreendido pelo Covid-19 e, com poucas exceções, tem sido incapaz
de dar respostas mais urgentes à pandemia. O Estado liberal e o Estado
do bem-estar social estão no banco dos réus. Ponto dois: a China, de
onde o vírus se espalhou, deu respostas mais eficazes por causa das
ordens de seu poder central – o partido comunista -, e acatadas pela
população. O Estado-autoritário até aqui está na vanguarda dessa guerra.
Aqui surge a questão: o Estado forte é mais apropriado para enfrentar crises do que o Estado liberal democrático?
Vejamos. No Brasil, temos à frente da economia um perfil
liberal, o ministro Paulo Guedes, que prega deixar com o Estado apenas
obrigações como educação, segurança pública e saúde. Empresas estatais
deverão ser privatizadas.
No mundo, discute-se a ideia de dar mais força ao Estado para
resolver situações críticas e vitais, enfim, os desafios de um mundo em
transformação.
Seria o caso de se imitar a China? Não. Ali se vê um
capitalismo de Estado tentando se tornar a primeira potência econômica
do mundo. A par disso, trata-se de um Estado autoritário, que sufoca as
liberdades individuais e sociais, censura o pensamento, a livre
expressão [essa, praticamente, já foi cassada do presidente Bolsonaro.] e associação – de partidos políticos, por exemplo – , valores
incompatíveis com os direitos humanos.
Não é espelho para a democracia. Por outro lado, nações
democráticas dão passos em suas obrigações. Nas crises, o papel do
Estado se avoluma, como se observa agora. Aliás, na crise de 2008, o
Estado americano, sob a maior democracia mundial, agiu forte no mercado.
O sociólogo francês Alain Touraine prega o aumento da
capacidade de intervenção do Estado como forma de atenuar as
desigualdades. Mas o Estado liberal tem sido fraco para debelar mazelas. Por isso os governos agem no varejo e no curto prazo, sem
planejamento, e presidentes como Jair Bolsonaro se envolvem em profunda
crise política, trocando ministros, anunciando remédios salvadores sem
comprovação científica para agradar as bases. [os governadores agem na base do empirismo, um faz um experimento e ver que não dá certo, pega o de outro que fracassa.
O presidente Bolsonaro agem de forma decidida, sabendo exatamente o que quer - só que sofre um boicote sistemático, ameaças, retaliações - por parte do Parlamento, só que o prejudicado com as mesmas é o Brasil.]
Estado forte, aqui, tem sido sinônimo de autoritarismo,
arbitrariedade, burocracia gigante, corporativismo etc. Donde emerge a
questão: como encolher o Estado, dando-lhe capacidade de planejar a
longo prazo e consolidar as instituições?
Resposta óbvia: com reformas necessárias para otimizar a
gestão, como a trabalhista e da Previdência, realizando amplo leque de
mudanças. Nesse escopo é possível juntar eixos do Estado liberal, o do
bem-estar social e o que intervém no mercado quando necessário, com
maior institucionalização política, racionalidade administrativa,
mudança da política de clientelas etc. [só que essas reformas cujo 'eixo' é da lavra da equipe do Presidente Bolsonaro, se realizadas beneficiarão o governo do capitão;
este resultado - consequência lógica, natural, inevitável - faz com que as mesmas sejam travadas, pelos mais variados pretextos, até que se adequem ao interesse eleitoreiro e de protagonismo dos que se julgam donos do Congresso Nacional.]
Evidente que essa meta em nosso país só será alcançada quando
as tensões entre os três Poderes forem amainadas. Um desafio de décadas.
Os governos, sem exceção, pregam essa cartilha, mas fica na
intenção. Reformar o Estado não é tarefa para um só governo. Há inimigos
na velha ordem, ameaçados pela perda de privilégios, e defensores
tímidos na nova ordem.
Sobram indagações:
em quanto tempo o país respirará um ar mais
puro?
Como aparar desigualdades?
Como resgatar a economia nessa
turbulência?
Como chamar de volta os investimentos diante do fantasma da
recessão?
Ante a atual paisagem, que tipo de Estado mais condiz com nossa democracia?
O Tempo - Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP