“Há muita coisa errada nas universidades federais, mas a
política de terra arrasada somente serve para mascarar os problemas,
inibir a autocrítica e comprometer o ensino e a pesquisa”
O velho casarão da Rua Lara Vilela, no bairro do Ingá, em Niterói,
nos anos 1970, era considerado um antro de balbúrdia. Lá se estudava
História, Ciências Sociais
(Antropologia, Política e Sociologia) e
Psicologia.
No regime militar, já havia sido feita uma “limpa” geral nas
universidades, depois do Ato Institucional nº 5, mas a Universidade
Federal Fluminense (UFF), da qual fazia parte o Instituto de Ciências
Humanas e Filosofia (ICHF), ainda era considerada pelo ministro da
Educação, Jarbas Passarinho, um reduto de subversivos. Não foi à toa que
Fernando Santa Cruz, aluno da Faculdade de Direito e líder estudantil,
foi sequestrado e assassinado pelos órgãos de segurança do governo
Geisel.
Quem pode contar melhor essa parte da história é o atual presidente
da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Felipe Santa Cruz, que, na época
do sequestro de seu pai, tinha 2 anos. Sua mãe, Ana Santa Cruz, era
aluna do IFHC. Entretanto, a balbúrdia na UFF não começou por causa do
“desaparecimento” do líder estudantil. A motivação foi a reforma
universitária preconizada pelo Acordo MEC-Usaid, assinado no governo
Costa e Silva, que estava sendo implementado pelo ministro Passarinho,
aproveitando a paz de cemitério que se estabeleceu nas universidades,
literalmente
. [está precisando que nova paz dessa natureza volte às universidades - com duas vantagens:
- manutenção da ordem acadêmica; e,
- aumento da segurança pública no interior e nas proximidades das universidades.]
Inspirada no modelo universitário norte-americano, a reforma era
muito criticada, porque supostamente levaria à subordinação do ensino
aos interesses imediatos da produção, à ênfase na técnica em detrimento
das humanidades e à eliminação da gratuidade nas universidades oficiais,
mais ou menos o que se desenha agora, para enfrentar o problema da
crise de financiamento da Educação no Brasil. No caso da UFF, uma das
medidas era acabar com os institutos e subordinar todos os cursos aos
departamentos e centros administrativos, agrupando-os por ramo de
estudos: humanas, biomédicas, tecnologia etc.
Houve enorme resistência de professores e alunos. A crise estourou no
ICHF, liderada pelo decano de História Antiga e Medieval, professor
Luiz Cézar Bittencourt Silva, que dividia a cátedra com o cargo de juiz
da Primeira Vara Criminal de Duque de Caxias, à época, a cidade mais
violenta do antigo estado do Rio de Janeiro
(a fusão só viria ocorrer em
1975). Representante da velha elite liberal fluminense, insurgiu-se
contra a reforma administrativa e os casos de espionagem em sala de
aula, exclusão de professores com base em critérios ideológicos e
perseguição a estudantes que estavam ocorrendo no instituto.
A crise prolongada no ICHF provocou uma greve dos alunos dos cursos
de História e Ciências Sociais, em 1976, que decidiram perder o semestre
em protesto contra a ameaça de expurgo de professores. A gota d’água
fora o boato de que o professor José Nilo Tavares, autor do livro
“Conciliação e radicalização política no Brasil”
(um tema atualíssimo),
seria demitido por supostas ligações com o antigo Partido Comunista
Brasileiro (PCB). O responsável pela
“lista suja” fora o professor de
Sociologia Ronaldo Coutinho, autor de
“excelentes relatórios” para o
Cenimar, o serviço de inteligência da Marinha, soube-se bem mais tarde.
Ajuste de contas
A greve do ICHF transformou a UFF num polo irradiador da bagunça nas
universidades do Rio de Janeiro, com a Pontifícia Universidade Católica
(PUC), na Gávea, desaguando na onda de manifestações estudantis de 1977,
provocada pela prisão de estudantes em maio daquele ano. Lutava-se
também por mais verbas, mais vagas, melhores condições de ensino e
liberdade de expressão. O mesmo fenômeno ocorria na Universidade de São
Paulo, na Universidade federal do Rio de Janeiro, na Universidade
Federal de Minas Gerais, na Universidade Federal da Bahia e na
Universidade de Brasília, onde a repressão era duríssima, com aplicação
sistemática do Decreto 477, de 1969, [atualmente a UnB virou uma zona, não há disciplina interna na universidade, as drogas correm à solta e no campus e arredores a insegurança pública é total.
Aliás, a INsegurança Pública no DF é de tal ordem que tenho dúvidas onde a criminalidade é maior: aqui no DF ou no Rio.
A Segurança Pública com Rollemberg foi pior do que com Agnelo e o atual, Ibaneis, já conseguiU tornar o DF pior do que o Rollemberg deixou - especialmente na área de Segurança Pública e Saúde.
Viajo ao Rio com frequência e sei o que estou afirmando.
Um dos principais viadutos de uma das principais vias do DF, soltou um pedaço há mais de um ano - até agora nada foi feito, a não ser adiar a data de conclusão dos serviços.
Em São Paulo ocorreu um problema bem maior e em quatro meses foi resolvido.]que permitia a expulsão de
estudantes, professores e funcionários considerados subversivos. A
balbúrdia já era generalizada nas universidades e resultou na
reorganização da proscrita
União Nacional dos Estudantes, em maio de
1979, em Salvador (BA).
Hoje, a UNE é uma sombra do passado, mas renascerá das cinzas,
cantando
“olha nós aqui de novo”, devido ao corte de até 30% dos
recursos destinados às universidades federais. O arrocho fora anunciado
para três universidades — Universidade Federal da Bahia (UFBA),
Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade de Brasília (UnB)
—, que, segundo o ministro da Educação, Abraham Weintraub, promoviam
“balbúrdia”. Depois,
foi ampliado para todas as instituições federais de
ensino, inclusive o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, fundado em
1837, pelo marquês de Olinda, que já passou por todo tipo de crise. O
que se anuncia agora é uma balbúrdia sem fim. Durante o regime militar,
bem ou mal, havia um projeto de reforma universitária. Agora, não há
nada, somente um ajuste de contas, nos dois sentidos.
Nas entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB