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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Voltas que o mundo dá - Fernando Gabeira

Apesar do intenso zum-zum nacional, com leis marotas votadas na madrugada, duas notícias de fora marcaram a semana: o risco de estagnação econômica mundial e a volta do peronismo na Argentina. O interesse por política externa nunca foi muito grande no Brasil. Mas tem crescido nos últimos anos. Senti isso na Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Estudantes a frequentavam com interesse para ouvir os debates.

Bolsonaro fez parte dela, por alguns anos. Naquele momento, ainda não era um líder popular nacional. Tornou-se presidente, e discutir com líderes populares é mais áspero: os seguidores são hipersensíveis à imparcialidade ou ao preconceito.
Mas fatos são fatos. A política externa conduzida por Bolsonaro precisa ser criticada, pois pode nos levar a um isolamento perigoso no momento de uma crise mundial. Bolsonaro aproximou-se dos Estados Unidos. Nada a reparar. A aproximação com os Estados Unidos estava no seu programa e, creio, é apoiada pela maioria dos eleitores brasileiros.

Bolsonaro aproximou-se dos Estados Unidos e está se afastando de outras partes do mundo. Isto não estava no programa. Muito menos reduzir o movimento a uma proximidade com a família Trump, como se política externa fosse tocada por amizades familiares, e não interesses nacionais. Bolsonaro aproximou-se de Israel. Nada a reparar. Mas se afastou do mundo árabe ao anunciar que levaria a Embaixada do Brasil para Jerusalém. Não completou o plano, mas o desgaste ficou no ar. [felizmente, Bolsonaro percebeu a tempo, que política externa deve ser guiada poe interesses maiores - nacionais - e o Brasil só tem a ganhar privilegiando um  relacionamento mais intenso com os países árabes.]
Bolsonaro assinou um acordo comercial com a Europa, condicionado ao respeito ao meio ambiente. Nos últimos tempos, tem se dedicado a criticar a Europa, afirmando, injustamente, que a Alemanha quer comprar a Amazônia a prestação. [clique aqui e conheça o outro lado da moeda em brilhante e fundamentada matéria de Denis Lerrer Rosenfield, no Estadão.]
 
O acordo com a Europa ficou mais difícil, pois Alberto Fernández, vitorioso nas prévias argentinas, não o quer agora. Acha, como o ex-chanceler Celso Amorim, que o momento não é adequado para o Mercosul. Isso não impediria o Brasil de ir adiante. O próprio acordo prevê que os países entrem de acordo com seu ritmo. Quem aprovar a entrada não precisa esperar o outro. Com as declarações de Bolsonaro, dificilmente avançaremos. Ele cancelou uma reunião com o chanceler francês para cortar o cabelo. Os franceses não entenderam essa emergência capilar.

Bolsonaro já abriu uma guerra contra os peronistas que devem voltar ao poder. Teme que os argentinos invadam o Sul, fora do verão, como os venezuelanos em Roraima.  A Argentina estava aí antes de Bolsonaro e continuará depois dele. São relações de Estado que precisam ser desenvolvidas, e não uma troca de insultos ideológicos. Para completar as trapalhadas no Sul, o governo Bolsonaro quase derruba seu aliado paraguaio, com o acordo sobre Itaipu. Além dos problemas criados e do ressentimento nacionalista que reavivou, apareceu na negociação uma empresa brasileira ligada a um suplente do senador Major Olimpio.  Gostar de grana é realmente suprapartidário, mas torna-se algo muito sério quando envolve uma negociação delicada como a de Itaipu.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira 

Artigo publicado no jornal O Globo em 19/08


terça-feira, 6 de agosto de 2019

Uma trama no Paraguai - José Casado - O Globo

O caso ameaça a sobrevivência do governo de Mario Abdo Benítez

Suspeitas de interferências privadas — indevidas — e a precipitação de Jair Bolsonaro em baratear o custo doméstico da energia comprada de Itaipu arrastaram o Brasil para o centro de uma crise no Paraguai.  Na noite de sexta-feira o advogado José Rodríguez González, assessor do vice-presidente Hugo Velázquez, confessou à Procuradoria Anticorrupção paraguaia ter atuado nas negociações entre os dois países para beneficiar a empresa paulista Léros, comercializadora de energia.

Essa manobra ampliou a comoção local com descoberta de que o governo do Paraguai aceitara um aumento de US$ 50 milhões por ano, até 2023, no custo da energia adquirida de Itaipu para o consumo próprio. Revelado pela repórter Mabel Rehnfeldt, o acordo foi cancelado por ser considerado lesivo aos paraguaios e benéfico ao Brasil. O caso ameaça a sobrevivência do governo de Mario Abdo Benítez. A obscura transação com a Léros ocorreu quando Paraguai e Brasil discutiam as bases dos contratos da energia de Itaipu. O vice-presidente Hugo Velázquez mandou a cúpula da estatal paraguaia Ande, símile da Eletrobras, negociar com a Léros a garantia de monopólio na revenda no Brasil de uma cota de 300 Megawatts de potência de Itaipu. Negócio milionário sobre volume de energia suficiente para abastecer cidades como Volta Redonda, um polo siderúrgico. Entre os brasileiros estava Alexandre Giordano, apresentado como vinculado à “familia del mandatario brasileño”. Ele é suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP), líder de Bolsonaro no Senado.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Acerto secreto com Brasil sobre Itaipu põe presidente do Paraguai sob risco de impeachment - O Globo




O Globo - Janaína Figueiredo

A revelação por um ex-diretor da Ande (a Eletrobras paraguaia) dos termos da ata diplomática assinada por autoridades dos dois países em maio, em Brasília, modificando aspectos da administração compartilhada da hidrelétrica de Itaipu desencadeou verdadeira tsunami política em Assunção. O presidente Mario Abdo Benítez ficou à beira de um pedido de impeachment e foi obrigado a afastar quatro altos funcionários, entre eles o chanceler Luis Castiglioni, senador colorado mais votado nas eleições de 2018. Segundo analistas locais ouvidos pelo GLOBO, a crise tornou o atual governo o mais fraco desde 2003. 

Instalou-se a sensação de que o documento negociado em Brasília, já rechaçado pelo Senado do país, foi um acordo secreto altamente prejudicial para os interesses do Paraguai . Ontem, o advogado Tadeo Ávalos apresentou uma denúncia à procuradora-geral do Estado, Sandra Quiñónez, acusando Castiglioni; o ex-embaixador do Paraguai no Brasil, Hugo Saguier Caballero; o ex-diretor da Ande Alcides Jiménez, e o ex-diretor paraguaio de Itaipu José Alderete, de traição à Pátria.  
Os pontos mais questionados pelos paraguaios se referem a limitações que seriam impostas ao país sobre seu direito de solicitar energia produzida por Itaipu e a redução da chamada “energia excedente” que seria entregue ao Paraguai. Desde 2007, o país tem preferência para receber esse tipo de energia, a preços baixíssimos. 

As denúncias públicas feitas por Pedro Ferreira, ex-presidente da Ande que ontem foi ao Parlamento reforçar suas acusações ao governo de Benítez, acentuaram a crise e aumentaram as dúvidas sobre como o chefe de Estado conseguirá acalmar os ânimos. Benítez, do Partido Colorado, foi eleito por margem estreita de votos e não controla o Parlamento, onde enfrenta a oposição de liberais, partidos de esquerda e, atualmente, também de amplas alas do próprio partido. Segundo informações que circularam na imprensa local, correligionários do presidente teriam apoiado o pedido de impeachment, suspenso temporariamente após a decisão de Benítez de afastar os quatro altos funcionários que assinaram a ata de Brasília. Esta crise é consequência de erros graves cometidos pelo governo e da incapacidade dos técnicos de chegarem a um acordo que acabou ficando, pela primeira vez desde a criação de Itaipu, em mãos da Chancelaria — afirmou ao GLOBO Alejandro Evreinoff, do Instituto de Altos Estudos Estratégicos (IAEE) e assessor de Coordenação de Itaipu.


Segundo ele, “o ponto mais sensível refere-se à energia excedente, que permite ao Paraguai baixar os custos operacionais de suas empresas e se desenvolver”.
— Finalmente, estamos igual ou pior que em outubro do ano passado, quando os técnicos começaram a negociar os termos para 2019. Essa ata não tem validade e acabou sendo usada para tentar desestabilizar o governo — apontou o especialista. 

Itaipu é uma questão extremamente sensível para o Paraguai, já que fornece 90% da energia elétrica consumida pelo país. Com menos de um ano de gestão, sem poder exibir grandes êxitos e às voltas com o impacto da recessão argentina e a desaceleração da economia brasileira, Benítez cometeu um erro que já lhe custou caro. No discurso anual ao Congresso, no começo de julho, o presidente ignorou a ata de Brasília e agora é acusado de secretismo e traição. O governo brasileiro considera válido o documento e espera seu cumprimento. -  No Paraguai, a política pode ser vertiginosa, e erros como este podem ter consequências graves — afirmou o ex-chanceler Ruben Melgarejo Lanzoni, espécie de assessor externo do presidente.

Num país que elege seus presidentes em apenas um turno, Benítez venceu as eleições por pouco e é pressionado por um Congresso que mostrou rápida capacidade de articulação. O chefe de Estado reagiu rápido, mas analistas como José Tomás Sánchez se perguntam como esta crise afetou o governista e dividido Partido Colorado.— Existe a sensação de que este governo nunca começou e, agora, a incógnita sobre a guerra colorada — frisou Sánchez. 

Desde que a crise veio à tona, uma pesquisa sobre a hidrelétrica e a relação entre Brasil e Paraguai desde 1973 realizada pelo Centro para a Democracia, a Criatividade e a Inclusão Social viralizou nas redes sociais. O trabalho, coordenado por Miguel Carter, tem números que só aumentaram a irritação social. A pesquisa de Carter diz que entre 1985 e 2018 o Paraguai deixou de ganhar US$ 75,4 bilhões por vender a energia que não consome ao Brasil, a preços abaixo dos valores de mercado. O trabalho mostra, ainda, que em todos esses anos de funcionamento da hidrelétrica o Paraguai usou 7,6% da energia produzida.— Há um amplo consenso no país de que o tratado e esta última negociação foram amplamente desfavoráveis aos paraguaios — afirmou Carter. 

Em Assunção, o documento selado em Brasília é chamado de “ata secreta da traição”, e mesmo que nada do que foi negociado tenha saído do papel, sua divulgação debilitou um governo que já era vulnerável e que muitos se perguntam como se sustentará por mais três anos.
 

O Globo - Janaína Figueiredo - Colaboraram Manoel Ventura e Eliane Oliveira, de Brasília