Projeto imobiliário ganhou um nome de fantasia - Viva UFRJ
Hospital em declínio é símbolo de uma época em que a universidade sonhava
O hospital Sírio-Libanês retifica: “Não está nos planos atuais da
instituição abrir uma filial do hospital no Rio de Janeiro.” (Em 2015
esteve, com gente boa conseguindo promessas de doações, mas isso é
passado.) A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) trabalha, com o BNDES e o
banco Fator, na modelagem de uma licitação para conceder, por até 50
anos, 485 mil metros quadrados de terrenos na ilha do Fundão e na praia
Vermelha (onde fica o falecido Canecão).
Quem desenhou a girafa foi Deus. Só Ele sabe o que sairá da modelagem
que estão cozinhando. Felizmente, o BNDES e a UFRJ garantem que tudo
será feito às claras, em processo licitatório, com o devido debate. Segundo a universidade, o cessionário disporá dos terrenos de acordo com
seus interesses e a “vocação imobiliária” das áreas: “Provavelmente
essas vocações estão associadas à ocupação para residências, comércio ou
serviço. Há possibilidade de haver centros de compras ou de convenções,
supermercados ou hotéis.”
O edital que licitou o pregão que contratou o banco Fator foi mais
claro. Em duas ocasiões mencionou a possibilidade de uso dos terrenos
para “condomínios corporativos, (...) redes de hotéis, redes de
hospitais e redes de ensino”. O que se cozinha é um amplo projeto capaz de botar dinheiro nos magros
cofres da universidade. Coisa de bilhão de reais. Começa pela cessão dos
terrenos, por até 50 anos. Essa seria a parte fácil. Ela complica-se
porque modela-se um projeto pelo qual o cessionário, ou seus parceiros,
devem dar contrapartidas à UFRJ, construindo prédios, restaurantes e
alojamentos.
Talvez fosse mais simples não misturar gravata com abacate, mas vá lá. Serão duas bolas no ar.Está na panela também a eventual criação de um “Fundo de Investimento
Imobiliário” que ficaria encarregado de gerir o ervanário resultante das
operações.
Assim, o malabar tem três bolas. (Esse fundo poderia ficar parecido com a
Harvard Corporation, que cuida do patrimônio da universidade. Caso ele
venha a ter investidores particulares, arrisca-se a misturar Boston com
Borel.) O projeto imobiliário ganhou um nome de fantasia —”Viva UFRJ”— e na
essência desenhará o futuro da universidade. Shoppings, redes de hotéis e
de hospitais muita gente faz, universidades são coisa para gente
grande. Quando ficar pronta a modelagem, tudo poderá ser discutido. Até agora,
sem que o banco Fator tenha algo a ver com isso, saiu uma fumaça
cinzenta do “Viva UFRJ”.
Apesar de se sonhar com recursos, redes de hotéis e de hospitais
(privados), a universidade já esclareceu que “o Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho não entrou nas contrapartidas pois estimativas
preliminares indicaram que o custo da obra não cabe no projeto.” O Clementino Fraga é um grande hospital, público, símbolo de uma época
em que a UFRJ sonhava grande. Hoje ele é o retrato de uma realidade
ruinosa. O doutor Clementino, tio-avô de Armínio Fraga, foi um grande
reitor da universidade no ano bicudo de 1968. Ele não merece que seu hospital público seja o que é, enquanto a
centenas de metros do seu gabinete da Praia Vermelha reluza um grande
hospital para endinheirados.
A nova morte do major
A Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) deu a uma de suas
salas o nome do major alemão Otto von Westernhagen, assassinado com dez
tiros por terroristas do Colina em julho de 1968, cinco meses antes da
edição do Ato Institucional nº 5.
Da homenagem resultou uma barulheira. Teria sido festejado um nazista,
condecorado por Hitler. Devagar com o andor, por três motivos. Primeiro porque Westernhagen era um jovem oficial do Exército. Combateu
na França e foi ferido na tomada de Berlim, em 1945. Anos depois foi
reintegrado à tropa, como capitão. Em 1966 veio para o Brasil, onde
cursava a Eceme. Um alemão que combateu na Segunda Guerra não pode ser automaticamente
classificado como nazista. Em 1941, aos 14 anos, o jovem Joseph
Ratzinger estava na Juventude Hitlerista e dois anos depois,
compulsoriamente, foi para a tropa. Em 2005 tornou-se o papa Bento XVI. [SAIBA MAIS SOBRE A HOMENAGEM, clicando aqui.]
O caso de Westernhagen tem um segundo aspecto. Ele foi morto por engano.
Os terroristas campanaram e executaram um homem que supunham ser o
capitão Gary Prado. Um ano antes, Prado participara da captura de Che
Guevara. Os terroristas sabiam onde ele morava, mas só descobriram que não era o
boliviano quando abriram sua pasta e acharam documentos em alemão.
Percebido o engano, calaram-se. O crime só foi desvendado anos depois
pelo historiador Jacob Gorender.
Westernhagen não era nazista nem boliviano e morreu numa rua da Gávea
sem ter nada a ver com o pato. Nada mais natural que homenageá-lo dando o
seu nome a uma sala de aula na escola militar onde estudava.
Num terceiro aspecto, a homenagem ao major repara um injusto
esquecimento. Um dos integrantes do comando que o matou, o ex-sargento
da FAB João Lucas Alves, é nome de rua em São Paulo e no Rio. [dar o nome de um dos covardes assassinos, e desertor, a rua em São Paulo e Rio, pode; mas, dar o nome de um herói, condecorado por bravura, a uma sala de aula na escola militar onde estudava, não pode?] (Ele foi
torturado e morto no DOPS de Belo Horizonte. Na versão da ditadura,
suicidou-se). Em 1968 mataram Westernhagen por engano. Meio século depois, sua memória merece respeito.
Bola na rede
O ministro Abraham Weintraub, da Educação, acertou uma. Tirou do mundo
das falsas promessas a ideia de fazer o exame do Enem por meio digital e
anunciou que a novidade começará a funcionar no ano que vem. Inicialmente, o Enem digital será oferecido em 15 capitais, dando ao
estudantes o direito de optar pela prova de papel. Se tudo correr bem,
em 2026 o Enem será todo feito em computadores.
Não se trata de uma simples mudança de plataforma. A prova eletrônica
criará uma facilidade logística e o exame poderá ser aplicado em até
quatro ocasiões durante o mesmo ano. É assim que funciona o SAT
americano. Quando isso acontecer, a garotada ficará livre do pesadelo de jogar um ano de vida em duas manhãs.
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