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terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Um século antecipado - Merval Pereira



O que já circulava como rumor nos grupos políticos mais próximos do presidente Jair Bolsonaro, ontem virou realidade. Em entrevista ao Estadão, o articulador político do Palácio do Planalto, o ministro-chefe da Secretaria de Governo,  Luiz Eduardo Ramos, disse que uma chapa de reeleição com o ministro Sérgio Moro de vice “seria imbatível” na disputa de 2022. “Ganhava no primeiro turno, disparado”, avaliou.  Não é a primeira vez, antes de completar um ano de mandato, que Bolsonaro, que garantira na campanha ser contra a reeleição, aparece nas especulações de seu entorno, e nas suas próprias, como candidato. Mas, como costuma dizer o presidente da Câmara Rodrigo Maia, daqui a até 2002, em política, falta “um século”.

O tempo da política nada tem a ver com o calendário gregoriano, assim como o tempo da economia costumeiramente depende da situação política, e vice-versa. No momento, o governo Bolsonaro vive esse dilema. A perspectiva política é sombria em grande parte dos países, em especial aqui na América do Sul, e por isso o presidente orientou seu ministro da Economia Paulo Guedes a suspender temporariamente as reformas. Ao mesmo tempo, se a economia não reagir, “esse governo não termina”, como afirmou a senadora Simone Tebet, presidente da Comissão de Constituição e Justiça, refletindo o pensamento majoritário dos políticos.

Tudo isso para dizer que aventar a possibilidade de ter Moro como vice só serve, neste momento, para definir que o vice atual, General Hamilton Mourão, está fora dos planos do Bolsonaro. E que o prestígio popular do Moro fez com que voltasse à posição original de quase intocável.   Nesses 11 meses de governo, Bolsonaro já quis se livrar de Moro, mas verificou que seria uma perda considerável para seu apoio popular. Ele e Guedes continuam superministros, com uma diferença: tiveram que se adaptar ao estilo Bolsonaro de governar, onde qualquer observação, por menor que seja, transforma um ministro prestigiado em traidor. E as exigências de demonstrações de lealdade são permanentes. [há algum exagero no julgamento do nível de radicalização do presidente Bolsonaro, mas, é sempre oportuno lembrar que na relação ministro x presidente da República, vale o provérbio: "manda quem pode, obedece quem teu juízo".

Além do mais, 2022 está muito distante.]

Os dois são também os principais alvos do ex-presidente Lula, que também adiantou a máquina do tempo para polarizar com Bolsonaro. Já chamou Guedes de “destruidor de sonhos e de empresas públicas brasileiras”. E Moro de “canalha”.  Tanto três anos antes das eleições presidenciais é um tempo demasiadamente antecipado para avaliar a potencialidade de um candidato a presidente que tanto Ibope quanto Datafolha têm dados bastante escassos desse período em eleições anteriores. O Ibope simplesmente não faz pesquisas nesse período, e o Datafolha faz pesquisas eventuais, com um leque enorme de candidatos. Em 1999, o Datafolha fez uma pesquisa onde os candidatos do PSDB poderiam ser Mario Covas, Tasso Jereissati ou Serra. Em 2007, Serra aparecia na frente à medida que o tempo passava. Em 2015, Bolsonaro nem aparecia na listagem dos possíveis candidatos, assim como Fernando Haddad.

Paranóia
Recentemente escrevi que os deputados estavam dispostos a aprovar a prisão em segunda instância, mas, em contrapartida, aprovariam também uma lei explicitando, entre outras coisas, que a delação premiada não pode ser usada como prova.  Essa afirmação me parecia inócua, pois há decisão do Supremo nesse sentido, e orientação expressa nas cartilhas do Ministério Público. Os deputados alegam, porém, que, não estando em nenhuma lei, essa definição pode ser desobedecida a qualquer momento, de acordo com a interpretação de cada juiz.

Pois parece mais paranóia do que outra coisa. O ministro do STF Marco Aurélio Mello se encarregou de esclarecer o caso. O parágrafo 16 do artigo quarto da Lei 12850, conhecida como Lei das Organizações Criminosas, já prevê que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. O ministro Marco Aurélio foi o relator no STF quando se analisou a higidez da lei.


Merval Pereira, colunista - O Globo

LEIA TAMBÉM: Bolsonaro cogita Moro como vice em 2022 e vê chapa como “imbatível”



Jair Bolsonaro e Sérgio Moro
Superada a crise com Sergio Moro, Jair Bolsonaro tem cogitado uma chapa com o ministro como seu vice em 2022.  A aliados, Bolsonaro disse que a dupla seria imbatível nas urnas. A iniciativa tem sido apoiada pelos interlocutores do presidente.


quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Azares da sorte - Merval Pereira

Interpretação da lei resulta em decisões esdrúxulas

Por esses acasos que regem a política, sobretudo a brasileira, que se transmuda tão rapidamente como as nuvens como identificou o político mineiro Magalhães Pinto, o ex-presidente Lula foi parar na cadeia devido a uma lei sancionada por seu “poste” Dilma Rousseff, e pode sair apoiado por uma lei editada por seu inimigo cordial Fernando Henrique Cardoso.  Foi durante o primeiro mandato de Dilma, em 2013, que a Lei das Organizações Criminosas instituiu a colaboração premiada, vulgarmente chamada de “delação premiada” entre nós. Instrumento que, utilizado pela força-tarefa da  Lava Jato, permitiu a prisão de políticos e empresários envolvidos num esquema de corrupção organizado pelo PT para financiar suas campanhas políticas e as de partidos aliados.

Lula foi condenado por corrupção no caso do triplex do Guarujá devido a provas indiciais e testemunhais, entre elas a delação premiada do proprietário da empreiteira OAS, Léo Pinheiro, que confessou ter dado o apartamento ao ex-presidente em troca de favores recebidos.  Já o artigo 283 do Código de Processo Penal que define, na opinião dos contrários à prisão em segunda instância, o trânsito em julgado como uma das maneiras de se levar alguém à prisão, é fruto de uma reforma legal proposta pelo Governo Fernando Henrique em 2001, aprovada dez anos depois.

Na gestão do ministro da Justiça José Gregori, sendo Advogado-Geral da União o hoje ministro do STF Gilmar Mendes, foi criada uma comissão de juristas para elaborar o projeto de lei, apresentado à Câmara dos Deputados baseado em uma explicação técnica das mudanças assinada pelo então presidente Fernando Henrique. Sobre o trânsito em julgado, diz: “Fora do âmbito da prisão cautelar, só é prevista a prisão por força de sentença condenatória definitiva. Com isso, revogam-se as disposições que permitiam a prisão em decorrência de decisão de pronúncia ou de sentença condenatória, objeto de crítica da doutrina porque representava antecipação de pena, ofendendo o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição Federal)”.

As ações declaratórias de constitucionalidade 43 e 44 propostas pelo partido PEN e pela OAB pedem que o Supremo declare a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que diz: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

Para os defensores do trânsito em julgado, esse artigo define os três tipos de prisão que existem legalmente:

1) Flagrante delito; 
2) Em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado; 
3) Prisão temporária ou provisória.

Os defensores da segunda instância alegam que as preposições “em” mostram, claramente, quais são os “casos permitidos” para a “prisão”. A “ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente também permite a prisão, e o ministro Luis Fux disse no julgamento do habeas corpus de Lula que a decisão do Tribunal Regional Federal (TRF-4) está, assim, respaldada.  O que está na Constituição Federal quanto à prisão (art. 5º, LXI)confirmaria essa interpretação, quando diz que ela ocorrerá: “Em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”.

A interpretação dos textos legais tem proporcionado casos esdrúxulos, como o da ex-presidente Dilma, que foi impedida como presidente da República pelo Senado presidido pelo presidente do STF, na ocasião o ministro Ricardo Lewandowski, mas escapou de ter seus direitos políticos cassados.  Consta na Constituição, no artigo 52, o seguinte: “Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.

Uma manobra do presidente do Senado, Renan Calheiros, com a conivência de Lewandowski, e apoio dos partidos de esquerda, levou a que o impeachment e a cassação dos direitos políticos fossem interpretados como punições distintas, e não uma conseqüência da outra.  


Merval Pereira, jornalista - Coluna em O Globo


domingo, 10 de setembro de 2017

Os efeitos da anulação de uma delação premiada


As capas dos jornais dessa semana trazem a possibilidade de anulação da maior delação premiada de todos os tempos.

Os colaboradores teriam mentido, omitido informações, devendo o acordo perder seus efeitos, considerando-se rescindido, como determina os Termos do Acordo de Colaboração Premiada firmado entre o Procurador-Geral da República e os famosos empresários.
Caso a delação seja efetivamente anulada, quais seriam os efeitos dessa anulação em relação às provas obtidas através do Acordo?

Constam dos Termos de acordo as seguintes cláusulas:

A prova obtida mediante o presente acordo será utilizada validamente para a instrução de inquéritos policiais, procedimentos administrativos criminais, medidas cautelares, ações penais, ações cíveis e de improbidade administrativa e inquéritos civis, podendo ser emprestada também aos :Ministérios Públicos dos Estados, à Receita Federal, à Procuradoria da Fazenda Nacional, ao Banco Central do Brasil, à Controladoria-Geral da União, ao Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência - CADE e a outros órgãos, inclusive de países e entidades estrangeiras, para a instrução de procedimentos e ações fiscais, cíveis, administrativos, inclusive disciplinares, de responsabilidade bem como qualquer outro procedimento público de apuração dos fatos, mesmo que rescindido este acordo, salvo se essa rescisão se der por descumprimento desta avença por exclusiva responsabilidade do Ministério Público Federal.
E também:

Em caso de rescisão do acordo por sua responsabilidade exclusiva, o COLABORADOR perderá automaticamente direito aos benefícios que lhe forem concedidos em virtude da cooperação com o Ministério Público Federal, permanecendo hígidas e válidas todas as provas produzidas, inclusive depoimentos que houver prestado e documentos que houver apresentado, bem como válidos quaisquer valores pagos ou devidos a título de multa.
Percebe-se, portanto, que o Ministério Público, ao redigir os Termos de Delação, buscou resguardar-se de eventual nulidade futura para que as provas obtidas não fossem prejudicadas, de forma que ele possa continuar utilizando-se das provas entregues pelos delatores, mesmo após a rescisão dos Termos de acordo.

Todavia, a utilização de tais provas encontrará dois obstáculos pela frente.
Primeiramente, com a rescisão dos termos da colaboração, os colaboradores dificilmente vão se apresentar em audiência de instrução processual para ratificar aquilo que apresentaram, eis que sem os benefícios do acordo não continuariam a confessar os crimes e entregar terceiros, já que sem o acordo não gozam mais de proteção, de modo que os depoimentos prestados durante o inquérito não seriam ratificados perante o Juiz.

Segundo obstáculo, e ainda mais importante, é que tais cláusulas dos Termos de Delação são completamente ilegais, eis que flagrantemente contrárias à Lei 12.850/2013, mais conhecida como Lei das Organizações Criminosas, assim como ao Código de Processo Penal. Vale observar que as regras do direito de defesa de um acusado em Processo Penal são irrenunciáveis, de forma que não se pode alegar que as cláusulas valeriam porque eles as aceitaram.

A Lei das ORCRIM traz em seu artigo 4º, § 10º, que as partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.
Resta claro, portanto, a ilegalidade de tais cláusulas.

Não bastasse a proibição da utilização das provas autoincriminatórias em desfavor do colaborador, as provas também não podem ser utilizadas para incriminar os terceiros delatados, uma vez que o Supremo Tribunal Federal definiu a colaboração premiada como meio de obtenção de prova, assim como o são a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, a interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas ou o afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nas palavras do Ministro Dias Toffoli, Relator do HC 127.483/PR.

Dessa forma, ao anular uma colaboração premiada estar-se-á anulando um meio de obtenção de prova e, consequentemente, as provas obtidas por esse meio, quaisquer que sejam elas, de acordo com o artigo 157 do Código de Processo Penal, que estabelece que são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

Ora, não há discussão de que uma interceptação telefônica ilegal torne inadmissível as gravações obtidas por meio dela. Não havendo que se falar, igualmente, em validade das provas obtidas por meio de colaboração premiada anulada.  Estamos diante de cláusulas completamente ilegais que deveriam ter sido corrigidas antes da homologação dos Termos de Acordo, posto que se a homologação não adentra na discussão da verdade dos fatos delatados, deveria verificar a real legitimidade e regularidade do mesmo. Ao que tudo indica, não foi o que ocorreu.

Espero, caso a anulação se confirme, que o judiciário brasileiro respeite a Lei e não abra mais uma das inúmeras exceções irregulares já verificadas em toda Operação Lava Jato.  E que toda essa bagunça de Procuradoria Geral, Supremo Tribunal Federal e delatores sirva, pelo menos, para que o Ministério Público passe a ter mais cuidado e atenção na celebração de novos acordos, e que o Judiciário comece a examinar verdadeiramente a legalidade, voluntariedade e regularidade dos Termos antes de homologá-lo.

Fonte: Canal Ciências Criminais
Jusbrasil  - Murilo Medeiros Marques