Por Luiz Carlos Dias Torres
Tenho acompanhado essa polêmica toda a
respeito das mensagens trocadas entre a força-tarefa da Lava Jato com o então juiz
e atual ministro da Justiça, Dr. Sérgio Moro. Estou absolutamente surpreso!
Porém, a última coisa que me surpreende é o teor das mensagens trocadas entre o
MPF e o juiz da causa. Quem
advoga na área criminal está mais do que acostumado com essa proximidade entre
o juiz e o promotor. Ela é até natural. Afinal, ambos trabalham juntos, fazem
audiências todos os dias, durante tardes inteiras. Tanto juiz como promotor são
funcionários públicos. Normalmente são pessoas que optaram por essas carreiras
com ideais de contribuir para um país e um mundo mais justo; que, em muitas
vezes, se traduz em punir os culpados.
Aliás,
isso não é de hoje. Desde muito existe esse tipo de entendimento entre o
acusador e o julgador. Só que antes, ela acontecia presencialmente, na sala de
audiências, no gabinete do juiz, no cafezinho do Fórum, etc. Hoje em dia, com
os avanços da tecnologia, ela ocorre pelos aplicativos de mensagem. O
problema maior se dá quando essa proximidade e essa identidade de ideias e
ideais contamina a imparcialidade do juiz. Novamente: quem advoga na área
criminal está muito habituado a esse tipo de situação, onde a imparcialidade do
juiz está totalmente comprometida por essa proximidade com o órgão da acusação,
que é tão parte quanto a defesa no processo criminal.
Não é
o caso do juiz Sérgio Moro. Tive a oportunidade de atuar em vários casos da
chamada Operação Lava Jato, de casos relativamente comuns até casos mais
sensíveis, como o do triplex e o do sítio de Atibaia. Nosso
primeiro cliente era uma pessoa ligada a uma das figuras centrais dessa
história – o doleiro Alberto Youssef, velho conhecido da Justiça Criminal do
Paraná. O
Ministério Público Federal denunciou e, nas alegações finais, pediu a
condenação do nosso cliente. O Dr. Sérgio Moro, de forma independente e
imparcial, absolveu nosso cliente.
Depois,
representamos um importante executivo da OAS em vários processos. No
caso do triplex, mesmo sem acordo de colaboração firmado com o MPF, o Dr.
Sérgio moro reconheceu a contribuição de nosso cliente para o esclarecimento da
verdade e aplicou os benefícios da colaboração. O MPF teve de recorrer da
decisão. Mais
para frente, foi a vez do processo que versava sobre as obras do Cenpes no RJ.
Novamente, o Dr. Sérgio Moro, contrariando os pleitos da acusação, reduziu a
pena de nosso cliente ante a sua contribuição para o esclarecimento da verdade,
mesmo sem um acordo de colaboração firmado com o MPF. Novamente o MPF teve que
recorrer dessa decisão.
Mudou
o juiz, mas não mudou a independência e imparcialidade do Juízo da 13.ª Vara
Federal de Curitiba. No caso do sítio de Atibaia, a Dra. Gabriela Hardt,
inobstante o pedido de condenação formulado pelo MPF, absolveu nosso cliente de
uma das acusações e extinguiu o processo em relação à outra acusação. Novamente
o MPF recorreu da decisão. Lamentavelmente, vi pouca ou quase nenhuma
repercussão dessa decisão na imprensa… Assim,
pelo menos na minha experiência, nunca houve comprometimento da imparcialidade
do juiz nos casos da Lava Jato em que atuei. E toda vez que procurei o Dr.
Sérgio Moro para despachar, sempre fui recebido com atenção e respeito. Nunca
precisei do Telegram do juiz Sérgio Moro para poder falar com ele.
O que
ficou muito evidente para mim na conduta do Dr. Sérgio Moro foi sua obsessão
pela apuração da verdade. E, afinal de contas, é para isso que serve o processo
penal. Todo
processualista sabe que a verdade real está acima da verdade formal. E foi por
fazer essa leitura do juiz que definimos que a melhor tática de defesa seria
contribuir para o esclarecimento da verdade, que, diga-se de passagem, veio à
tona por muitos e muitos outros elementos de prova, tais como perícias,
testemunhos, documentos, informações decorrentes de quebra de sigilo
telemático, telefônico e bancário, etc.
Nessa
história toda, me causa grande perplexidade ver que algum hacker tem a coragem
e a petulância de invadir a privacidade do ministro da Justiça e de integrantes
da força-tarefa da Lava Jato e que essa questão fique em segundo plano! Isso é
gravíssimo! Autoridades da maior importância tiveram seus telefones invadidos e
as pessoas parecem não se aperceber da seriedade disso. Trata-se de crime grave
e a identificação e punição dos envolvidos deveria estar em primeiro lugar na
ordem do dia.
Hoje,
um site qualquer que tenha ligação com o mundo do crime – e hackers são
criminosos, não nos esqueçamos disso – dá voz irrestrita àqueles que têm a
audácia de hackear os celulares do ministro da Justiça e de procuradores da
República da força-tarefa da Lava Jato. Quem
passou essas informações para o jornalista? Como ele teve acesso a elas? Se o
jornalista for perguntado, certamente vai e deve alegar que tem direito ao
sigilo da fonte.
A
inversão de valores que estamos vivendo é de deixar qualquer pessoa de bem
completamente estarrecida. As pessoas que trabalham para fazer com que os
criminosos paguem por seus crimes, são condenadas. Enquanto isso, o sigilo (da
fonte) vale para proteger a identidade de criminosos audazes, mas o sigilo (das
comunicações) pode ser atropelado se for para expor autoridades altamente
respeitadas ao juízo (leigo) da opinião pública. É isso mesmo ou eu perdi
alguma parte dessa história?!?
O que
mais me deixa espantado nisso tudo é que a imprensa supostamente séria presta
mais atenção no conteúdo das mensagens trocadas – que revelam nada mais do que
a praxe forense de sempre – do que no crime praticado contra importantes
autoridades da República. No
fim, realmente tem muita coisa surpreendente nesse episódio todo. A única coisa
que não causa surpresa alguma é o teor das mensagens trocadas entre a
força-tarefa da Lava Jato e o então juiz Sérgio Moro.