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domingo, 5 de fevereiro de 2023

A lição de Tocqueville

Por que esperar que o Estado resolva todos os nossos problemas?

“Super-ricos pedem para pagar mais imposto”, li em uma matéria. Achei que era brincadeira, mas não. Era uma carta assinada por mais de 200 endinheirados, que causou frisson nos dias festivos de Davos, na Suíça. “Vocês, nossos representantes, tributem a nós, os ricos, e agora!”, diziam nossos “milionários patriotas”, como o grupo se autodenominou, em meio àquele enorme congestionamento de jatinhos, limusines e pregações contra a desigualdade e o aquecimento global. O mais interessante foram as premissas sustentando a ideia. A primeira foi exposta por Owen Jones, um jornalista pop inglês, dizendo que, “em vez de filantropia, os ricos deveriam dar seu dinheiro ao governo, que sabe melhor o que fazer com ele”. Outra era a crença de que dar mais dinheiro ao Estado seria a melhor maneira de “diminuir a desigualdade”, como constava na carta dos bilionários.

Quando lia essas coisas, pensei no Brasil. Fiquei imaginando se vinte bilionários brasileiros (temos 56, na lista da Forbes) tivessem decidido doar 1 bi, cada um, para o governo. O pessoal lá em Miami, meio entediado, entre uma Pol Roger e outra, lendo o artigo de seus colegas globais, e, num lance de entusiasmo, manda recolher um DARF extra de 1 bi, cada um, para o Tesouro Nacional. 
Nosso sábio governo agora tem 20 bilhões a mais para reduzir a desigualdade. 
É basicamente o valor previsto para as emendas de relator, declaradas inconstitucionais pelo STF.  
Quando isso aconteceu, achei que o Congresso e o novo governo iriam abater o valor das emendas do rombo fiscal aprovado na PEC da Transição. Ledo engano. O dinheiro continuou lá, indo para a conta do déficit público. 
 
 Como resultado, cada deputado terá 32 milhões em emendas individuais para distribuir. Nossos gabinetes parlamentares funcionarão como pequenos ministérios, direcionando uma montanha de recursos públicos para os municípios de suas bases eleitorais. 
Podem ser kits de robótica, unidades de saúde, estradas asfaltadas pela metade, um ginásio de grandes proporções para uma cidade de pequeno porte, ou um show sertanejo na festa da cidade.  
Os exemplos não são inventados. Talvez eles atendam às esperanças de Owen Jones e nossos felizes bilionários de que o governo “sabe o que está fazendo”, mas desconfio que seja apenas uma ilusão.

“Por que esperar que o Estado resolva todos os nossos problemas?”

Outro ponto que me chamou a atenção na carta dos milionários foi a ideia de que, além de reduzir as desigualdades, com mais dinheiro para os governos, seria possível melhorar a “qualidade da democracia”. Novamente me lembrei do Brasil. No finalzinho do ano, nossos parlamentares decidiram não apenas se autoconceder um generoso aumento, como aumentar também o vencimento dos ministros do STF, que serve como teto salarial do funcionalismo. O valor vai a mais de 46 000 reais. A votação foi “simbólica”, isto é, sem que ninguém saiba quem votou contra ou a favor. Quanto custará? Há quem fale em 2,5 bilhões de reais. Há quem diga que tocar nesses assuntos é mesquinharia. “Tem de pagar bem mesmo”, me diz um colega. Não discordo. Só tem um detalhe: temos o Parlamento proporcionalmente mais caro do planeta, cada parlamentar custando 528 vezes a renda média do trabalhador brasileiro, como mostrou a pesquisa feita por Luciano de Castro, do IMPA, e outros pesquisadores. E somos também o país que mais põe dinheiro em partidos e campanhas eleitorais. 

Nas últimas eleições, torramos 5 bilhões de reais no fundão eleitoral. Candidatos à reeleição, em regra caciques partidários, com ampla estrutura de campanha, receberam, em média, 1,7 milhão de reais; os novatos, pouco mais de 200 000 reais, e a grande maioria, muito menos. Tudo para gerar maior “equidade” na disputa eleitoral, como por vezes escuto. Os dados são reveladores. Andamos a 1% do PIB acima da média latino-americana em desonerações fiscais. 
Coisas que vão da Zona Franca de Manaus ao subsídio à compra de caminhões, com todas as consequências sabidas, da tabela do frete à ainda recente “bolsa caminhoneiro”, a um custo de 5 bilhões de reais. Cada cifra dessas nos conta a história do “país da meia-en­trada”, na expressão de Marcos Lisboa. Tenho dúvidas sobre se nossos milionários patriotas, lendo essas coisas, perderiam seu ânimo em pedir mais impostos, ao menos no Brasil. Talvez apostassem no autoengano.
Antes de falar em dar mais dinheiro aos governos, o melhor é perguntar como os governos estão gastando o dinheiro de que dispõem. 
 
Nosso maior orçamento setorial é o da saúde, mas se você tiver um problema complicado no joelho vai levar em média quatro anos para uma avaliação cirúrgica pelo SUS. 
O segundo é o da educação, e nossos alunos da escola pública ocupam as últimas posições no PISA, a cada três anos. Então é preciso cuidado. Antes de fazer graça em Davos, seria interessante saber se a ação do governo, fora do mundo retórico, está mesmo reduzindo a desigualdade.
 
Outra questão: por que esperar que o Estado resolva todos os nossos problemas, em vez da tomada de iniciativa pelos cidadãos? 
Eduardo Lyra criou o Gerando Falcões desde o zero, e hoje tem uma capacidade ímpar de transformar comunidades pobres. 
Ele poderia ter ido reclamar do governo. Talvez tivesse virado um político. A questão vale especialmente para nossos bem-intencionados milionários. Em vez de correr atrás do governo, por que não fazer como Andrew Carnegie, no século XIX: usar o dinheiro e a inteligência para produzir mudanças. 
É o que nos diz uma das lições de Alexis Tocqueville, em sua famosa viagem à América. Ele se surpreendeu com o que chamou de “autogoverno em pequena escala”. A incrível capacidade que as pessoas tinham em se associar. “Os americanos”, ele diz, associam-se para “fundar escolas, igrejas, difundir livros, construir prisões e hospitais”.
Assistiu a milhares de americanos, preocupados com o alcoolismo, conectando-se para promover a abstinência às bebidas. 
E provocou: “Na França, eles teriam ido exigir que o governo vigiasse as tabernas”. Lá se vão 200 anos, e parecemos não ter aprendido a lição.
 
No Brasil, porém, há sinais positivos. Tempos atrás conheci o Inteli, uma faculdade de alta tecnologia, em São Paulo, sem fins lucrativos, criada pela iniciativa de dois líderes empresariais, com a maior parte de alunos bolsistas. Eles teriam feito melhor indo ao governo exigir mais impostos? Não creio. Os exemplos estão aí.  
O Museu do Ipiranga foi recuperado com mais de 180 milhões de reais oriundos do setor privado, o mesmo acontecendo com a nova fábrica de vacinas do Butantan
O valor somado das doações é menor do que o subsídio dado pelo governo estadual para sustentar pedágios no ano passado. Doações, de um lado; “racionalidade política”, de outro. Deveríamos aprender. Evitar o autoengano do Estado e as ilusões da política. 
E de quebra dar escala às iniciativas da sociedade civil. De forma que também possamos ser uma terra de doadores, na qual a “arte da associação”, como sugeria Tocqueville, em sua viagem, seja vista como uma virtude, e cultivada desde a formação que todos recebemos.

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA,  edição nº 2826, de 1º de fevereiro de 2023


quinta-feira, 6 de setembro de 2018

“A história por trás do fogo” e outras notas de Carlos Brickmann



Para liquidar os povos, começa-se por lhes tirar a memória, destroem-se seus livros e sua cultura. Então uma pessoa lhes inventa outra História




O mesmo fogo que queima também ilumina. O incêndio que destruiu o Museu Nacional iluminou histórias que viviam ocultas nas sombras.  A primeira: por que um museu deve depender de uma universidade? Nada contra as universidades, mas não é esse seu objetivo básico. Um museu exige muito ─ muita dedicação, muito estudo, muito dinheiro, administração própria. O Museu Nacional, sob a Universidade Federal do Rio de Janeiro, não tinha um contrato de manutenção elétrica ─ pelo menos não constava na prestação de contas da UFRJ. O Museu do Ipiranga faz parte da USP, Universidade de São Paulo. Seu prédio estava em condições tão precárias que foi fechado em 2013 para reformas, com reabertura prevista para 2022. Nove anos fechado.

Há pouco mais de 20 anos, o empresário Israel Klabin, ex-prefeito do Rio, conseguiu US$ 80 milhões do Banco Mundial para restaurar e modernizar o Museu Nacional. Só havia uma exigência: o Museu deveria ser autônomo. Ou fundação ou Organização Social, com conselho, compliance (compromisso de seguir as leis, com transparência) e governança. 

Um grupo de voluntários se formou para trabalhar num pré-projeto de reforma para apresentar ao Banco Mundial. Mas a UFRJ rejeitou a proposta: o Museu era dela e ponto final. Mas os R$ 600 mil anuais da manutenção foram sendo reduzidos desde 2014. A receita da UFRJ cresceu, a verba do Museu caiu. Detalhe: um secretário de Estado, Wagner Victer, previu em 2004 o incêndio, por falta de manutenção.

Ideologia
Não se trata, aqui, de apontar responsáveis pelo incêndio: isso é tarefa dos investigadores. Na nota acima, falou-se das estruturas administrativas inadequadas, que é preciso modificar. Aqui, sem culpar ninguém, o tema é outro: a unanimidade ideológica no comando de uma universidade pública. O reitor, a vice-reitora, a pró-reitora de Extensão, o pró-reitor de Pessoal são simpáticos ao PSOL; o pró-reitor de Graduação é simpático ao PCB; o pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças é simpático ao PCdoB. Não existirá nenhum professor capaz de exercer algum desses cargos e não seja simpatizante de algum partido de extrema esquerda? Haveria a possibilidade de que a UFRJ tenha sido entregue a esses partidos em um “acordo de governabilidade” com os governadores Sérgio Cabral e Pezão?

(...)

Exportador no vermelho
Exportadores gaúchos informaram o deputado federal Jerônimo Goergen que o Governo cubano está atrasando os pagamentos ─ algo como 40 milhões de euros, equivalentes a uns R$ 200 milhões, há mais de 60 dias. Pode ser que haja atrasos no pagamento também a exportadores de outras regiões. Uma exportadora gaúcha de proteína animal já acumula cerca de R$ 5 milhões de prejuízos. Goergen, da Frente Parlamentar da Agropecuária, lembra que o atraso atinge em cheio o agronegócio, exatamente o setor mais dinâmico da economia brasileira, na produção, industrialização e venda.

MATÉRIA COMPLETA, clique aqui

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

O governo do PSOL


A destruição do Museu Nacional é uma prévia do PSOL no governo


A situação descrita nas linhas a seguir é um pesadelo. A Universidade Federal do Rio de Janeiro, a responsável pelo Museu Nacional que acaba de ser destruído num incêndio administrativamente criminoso, não é mais uma universidade. Foi expropriada do patrimônio público e entregue a partidos políticos de esquerda, numa privatização oculta em que as despesas continuam sendo pagas pelo contribuinte, como sempre foram e serão, e o comando passou a pertencer particularmente ao PSOL. O reitor é Roberto Leher, filiado ao PSOL. A vice-reitora é Denise Fernandes Lopez, filiada ao PSOL. O pró-reitor de graduação é Eduardo Gonçalves, filiado ao PCB. O pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças é Roberto Antonio Gambine Moreira, filiado ao PCdoB. A pró-reitora de Extensão é Maria Mello de Malta, filiada ao PSOL. O pró-reitor de Pessoal é Agnaldo Fernandes, filiado ao PSOL, e o decano do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas é Vitor Mario Iorio, do PSOL. Ou seja: não sobrou nada para ninguém.
 



Funcionários do Museu Nacional tentam salvas parte do acervo e equipamentos de incêndio - 03/09/2018  (Fernando Souza/AdUFRJ/Divulgação)

Como, num país tido como “republicano”, pode acontecer uma coisa dessas? As universidades brasileiras, pagas a peso de ouro pelos impostos tirados da população, deveriam obviamente ser dirigidas pelos mais capazes. E como é possível que os mais capazes, todos eles, sejam militantes do mesmo grupo político? Eis aí um escândalo óbvio do governo Michel Temer. Mas é a esquerda que está no centro desse assalto ao patrimônio público, e por isso você não ouvirá falar quase nada a respeito.


O que essa gente tem feito de útil na administração da UFRJ não se sabe. Mas ficou provado, com a certeza dos fatos, que destruiu com sua incompetência, negligência e má fé o mais precioso museu histórico existente no Brasil. Não existe, em lugar nenhum do mundo, um caso de museu que seja destruído por um incêndio arrasador sem que fique óbvia, imediatamente, a responsabilidade de quem recebeu o dever de cuidar dele. Imaginem por um instante: o Museu do Louvre pega fogo em Paris, todo o seu acervo é destruído, mas todo mundo (incluindo o governo) aceita em perfeita paz que os diretores não têm culpa nenhuma por nada do que aconteceu. Alguém é capaz de acreditar que seria assim? Aqui é. Os atuais proprietários da UFRJ dão entrevistas na televisão. 

Põem a culpa do incêndio nos bombeiros e na falta de água. Criticam o prédio do museu, que era muito velho. Continuam nos seus empregos. Num de seus momentos mais delirantes, declararam culpado “o governo Temer”, por não lhes dar verbas. Como é mesmo? E de que governo os reitores, e vice-reitores, e pró-reitores, e etc. etc. da UFRJ fazem parte? Do governo da Áustria? Por acaso ficaram sem salário por “falta de verbas” durante o tempo em que têm estado lá? Por que jamais vieram a público dizer que o museu estava ameaçado por falta de segurança? Por que os hidrantes do prédio estavam secos? Por que as brigadas antifogo, que você encontra até numa drogaria, não fizeram nada? Por que o museu foi completamente aband nado pela sua direção?

Tudo isso é simplesmente má fé. Quando alguém erra a esse ponto não se pode falar mais de simples inépcia ou vagabundagem, e sim de malícia deliberada ─ pois o autor do erro sabe que a sua conduta levará certamente ao desastre. O Museu Nacional do Rio de Janeiro foi destruído e causou danos sem possibilidade de recuperação ao patrimônio público brasileiro, porque quem estava cuidando dele eram o PSOL e o PCdoB. Eles fazem o papel, no Brasil, do “Exército Islâmico” e de outros grupos de terroristas alucinados que destroem monumentos históricos no Oriente Médio. Lá os fanáticos muçulmanos querem acabar com “o passado”. Aqui a esquerda quer criar o seu tipo de “futuro”.  É isso ─ e apenas isso. A tragédia do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo, nos fornece uma antevisão exata do que a “esquerda nacional vai fazer com o Brasil todo se estiver algum dia realmente instalada no governo. Eles querem, oficialmente, chegar lá ─ estão inclusive pedindo o seu voto no horário obrigatório da televisão na campanha eleitoral que está aí. Parece que não têm a pretensão de ganhar e mandar sozinhos, como fazem na UFRJ; querem subir pendurados em Fernando Haddad e no PT. O Brasil que propõe é este do Museu Nacional ─ só que vão incendiar todos os lugares do futuro governo onde conseguirem estar presentes. Se agem assim agora, porque haveriam de mudar uma vez lá em cima?

Tão ruim quanto o PSOL e o PCdoB, porém, é o assassinato permanente da cultura brasileira por gangues que há décadas assaltam o erário para roubar, com seus “projetos culturais”, recursos que deveriam estar sendo utilizados na conservação do patrimônio artístico e cultural do Brasil. Temos, como se sabe, um Ministério da Cultura em Brasília. Esse Ministério não é capaz de evitar que o Museu Nacional pegue fogo. Não é capaz de cuidar da Biblioteca Nacional, do Museu do Ipiranga, dos edifícios históricos, das áreas arquitetônicas tombadas e de nada, absolutamente nada, que tenha algum valor para a cultura brasileira. Não consegue tapar uma goteira, ou fechar um buraco de parece. Tudo o que o Ministério da Cultura faz é dar dinheiro do contribuinte para amigos particulares ganharem a vida dentro da “atividade artística”. É a perversão da “Lei Rouanet”, pela qual impostos são desviados do Tesouro Nacional e entregues a nossos artistas e seus empresários. Soube-se ,com a tragédia, que o Museu Nacional precisava de uma verba de 600.000 reais para evitar o incêndio fatal. Não recebeu um tostão do Ministério da Cultura, e nem as lideranças do PSOL foram buscar esse dinheiro. 

Enquanto isso, a cantora Claudia Leitte abocanhou do Ministério, sozinha, dez vezes essa soma, ou 5,8 milhões de reais, para fazer uma série de shows. O Cirque du Soleil, que também é um empreendimento comercial, levou mais ─ 9,4 milhões. É duro de acreditar, mas enquanto os nossos museus se afundam, o governo dá 1,5 milhão de reais para fazerem um filme sobre a vida de José Dirceu, 1,3 milhão para um projeto de poesia de Maria Betânia, e até 800.000 reais (mais do que o museu precisava) parasustentar o Queermuseu. Há dinheiro para turnês de Luan Santana, para mais um filme com a biografia de Lula, para os Detonautas, para a Peppa Pig.
Um país assim está morto.

J R Guzzo - Veja