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sábado, 10 de junho de 2023

“O que é uma mulher?” – O transativismo e a proibição de perguntar - Gazeta do Povo

Vozes - Flávio Gordon

“Você não pode ter os seus próprios pronomes, tanto quanto não pode ter os seus próprios verbos, substantivos, preposições ou adjetivos” (Matt Walsh)

No primeiro dia deste mês de junho, o Twitter resolveu disponibilizar gratuitamente o documentário “What is a Woman?” (doravante WIAW), do jornalista americano Matt Walsh.
Lançado em junho do ano passado pelo jornal The Daily Wire, do qual Walsh é colunista, o filme consiste numa crítica mordaz e bem-humorada à assim chamada ideologia de gênero, notadamente o transgenderismo, cuja tese central consiste em afirmar que o critério para determinar se alguém é homem ou mulher é o sentimento subjetivo da pessoa (ou, no jargão militante, a sua identidade de gênero), e não o seu sexo biológico objetivo. Contrariando a postura da maioria de seus pares das plataformas digitais – cuja decisão foi banir o documentário, acusando-o de “transfóbico” –, o novo dono do Twitter, Elon Musk, não apenas o liberou para o grande público, como o recomendou especialmente aos pais. E, no momento em que escrevo, WIAW já conta com 177,3 milhões de visualizações.

Já tinha visto o documentário pouco depois de lançado, e o revi por esses dias, quando de sua disponibilização gratuita no Twitter. Mais do que tudo, o que voltou a atrair minha atenção foi aquilo que, da primeira vez, já me parecera um aspecto de culto religioso assumido pelo movimento político transativista (que, para deixar claro, não se deve confundir com o problema real da disforia de gênero, que aflige um número estatisticamente reduzido de pessoas, não necessariamente envolvidas com a agenda política). Um culto religioso do tipo que o filósofo Eric Voegelin talvez incluísse naquilo que chamou de gnosticismo moderno, cujo fundamento é a proibição-de-perguntar (Fragesverbot). Para os adeptos dos cultos gnósticos modernos, diz Voegelin, não se trata apenas de resistência à análise ou apego a emoções. Trata-se, em vez disso, de uma consciente, deliberada e minuciosa obstrução à razão, na qual proibir perguntas sobre premissas torna-se parte do dogma.

E, com efeito, no caso do filme, são frequentes os episódios em que, confrontados por Walsh com algum argumento ou pergunta sobre premissas, os entrevistados, adeptos do transativismo, alegam a malignidade do entrevistado para justificar a recusa em responder e o abandono da entrevista. Temos, por exemplo, o afetado professor Patrick Grzanka, diretor do programa interdisciplinar de estudos sobre mulheres, gênero e sexualidade da Universidade de Tennessee. Em resposta à pergunta de Walsh, ele afirma que uma mulher é “uma pessoa que se identifica como mulher”
Como obviamente aponta o autor do documentário, trata-se de uma tautologia em forma de resposta, porque recorre à palavra mulher para definir o que é uma mulher. Mas, além de tautológica, a resposta é também inteiramente falsa: uma mulher em coma ou em estado vegetativo, por exemplo, obviamente não poderia se autoidentificar como nada, e, todavia, continuaria sendo uma mulher. A premissa de que a capacidade humana de auto-identificação (seja em relação a sexo, seja a tudo o mais) determina a realidade precisaria ser provada. Quando Walsh o pressiona nesse sentido, Grzanka ameaça abandonar a conversa.


    Os radicais não querem que o debate aconteça ao nível da filosofia, de modo que, atualmente, disfarçam-no com as vestes da “ciência” e da “medicina”


Além da proibição de perguntar, há também a proibição de afirmar aquilo que, durante a maior parte da história humana e para a maioria da humanidade, sempre foi uma obviedade: que o sexo de alguém é naturalmente dado, e não social ou psicologicamente construído. A proibição dessa afirmação, aliás, parece ser o cerne do movimento. Ao contrário do que afirma a propaganda, o discurso transativista parece estar muito mais interessado em banir o senso comum do que em garantir os direitos civis das pessoas trans. E isso é afirmado por alguns ideólogos transativistas mais radicais. Num ensaio introdutório a uma coletânea de estudos sobre gênero, por exemplo, a intelectual enragée Susan Stryker chegou a propor que o maior propósito do transgenderismo era o de subverter o paradigma epistemológico do Ocidente. Nada menos.

Mas essa pretensa subversão não se realiza mediante a apresentação de argumentos ousados e consistentes, capazes de triunfar intelectualmente mesmo diante do mais acirrado debate. Não. Ela prospera mediante um lobby agressivo, que inclui censura das vozes discordantes, intimidação e ameaça. E, assim, as contradições do transativismo permanecem sempre ocultas, jamais examinadas, porque, no fundo, os ideólogos não admitem suas próprias elucubrações metafísicas. Sua retórica está repleta de afirmações ontológicas, tal como a de que as pessoas são do gênero ao qual dizem pertencer, e de que os sentimentos determinam a realidade. Os radicais não querem que o debate aconteça ao nível da filosofia, de modo que, atualmente, disfarçam-no com as vestes da “ciência” e da “medicina”, relegando os críticos (como ocorreu em relação à pandemia de Covid-19) à condição ostracizante de propagadores da “anti-ciência”.

“O que é uma mulher?”, a provocativa pergunta-título do documentário do Matt Walsh (que, aliás, já fora feita por Simone de Beauvoir há mais de 70 anos), é finalmente respondida ao final do filme pela esposa do autor: “Uma mulher é uma fêmea adulta da espécie humana”. Eis por que, revendo o documentário, lembrei-me imediatamente do caso de Alex Byrne, professor de filosofia do MIT, o qual, para escândalo de seus pares acadêmicos, teve a ousadia de sustentar a mesma afirmação, em forma de ensaio filosófico: que uma mulher é uma fêmea adulta da espécie humana. Mais grave ainda: Byrne rejeita a tese – hoje academicamente ortodoxa – segundo a qual um homem que se identifica como mulher é, de fato, uma mulher.

Em abril, Byrne publicou na revista Quillette um artigo descrevendo as reações furiosas ao seu ensaio (previsivelmente tachado de “transfóbico”), bem como violações posteriores dos mais elementares padrões de publicação acadêmica, de que foram vítimas ele e Holly Lawford-Smith, uma professora de filosofia política da Universidade de Melbourne (Austrália), para quem as mulheres devem ter direito a espaços e serviços reservados, inacessíveis a homens que apenas se identificam como mulheres. Pode-se dizer que Byrne e Lawford-Smith estão, hoje em dia, entre os poucos filósofos acadêmicos do Primeiro Mundo dispostos a defender publicamente argumentos contrários à ideologia de gênero predominante no ambiente universitário. Em particular, ambos os professores duvidam da ideia universal de uma “identidade de gênero” descrita como algo inato e subjetivo, totalmente dissociado da realidade material bio-fisiológica, dissociação que explicaria o fenômeno da disforia de gênero e embasaria as propostas (tidas como indispensáveis) de terapia de redesignação de gênero.

Seja como for, o fato é que, por desafiarem com essa altivez a ortodoxia acadêmica sobre gênero – a qual, sintomaticamente, converte-se na mais excêntrica heterodoxia fora dos muros da Universidade –, Byrne e Lawford-Smith (ela até com mais virulência) foram demonizados e cancelados. Cada um deles chegou a ter contratos para a publicação de livros cancelados pela Oxford University Press, após uma intensa campanha orquestrada pelo transativismo. Como diz o título do artigo de Byrne, a pergunta sobre a natureza da mulher (um tipo de pergunta tão tradicional na história da filosofia) virou zona proibida (“a no-go zone”) no campo da filosofia acadêmica contemporânea. Voltaremos ao tema na coluna da semana que vem.

Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise

Flávio Gordon, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


quarta-feira, 12 de abril de 2023

O que é uma mulher? - Revista Oeste

Fraser Myers, da Spiked

Chris Hipkins, primeiro-ministro da Nova Zelândia, ficou apavorado e sem palavras quando lhe fizeram esta pergunta

Chris Hipkins, o novo primeiro-ministro da Nova Zelândia | Foto: Montagem Revista Oeste/Divulgação

Chris Hipkins, o novo primeiro-ministro da Nova Zelândia | Foto: Montagem Revista Oeste/Divulgação  

“O que é uma mulher?” Essa pergunta se tornou a kriptonita dos políticos descolados do Ocidente nos últimos anos. Repita essas cinco palavras e veja qualquer um deles tremer e se contorcer diante dos seus olhos, enquanto tenta desesperadamente não dar uma resposta clara e exata.  

Chris Hipkins, o novo primeiro-ministro neozelandês, é o mais recente político a cair nessa armadilha. Em uma coletiva de imprensa, o jornalista Sean Plunket repetiu uma afirmação recente feita por Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista do Reino Unido, de que 99,9% das mulheres não têm pênis. “Como este governo define uma mulher?”, ele perguntou a Hipkins. 

A pergunta impressionantemente simples deixou o primeiro-ministro sem palavras. “Eu… para ser sincero… Essa pergunta me pegou um pouco de surpresa”, respondeu ele. Depois de uma longa pausa, Hipkins deu a seguinte definição: “A biologia, o sexo, o gênero… As pessoas definem a si mesmas. As pessoas definem o próprio gênero”.  

Quando insistiram na pergunta, ele deu a reveladora desculpa de que não estava esperando essa pergunta e, por isso, não tinha tido a oportunidade de “pré-formular” uma resposta. 

O que está acontecendo? Por que um político dessa estatura não consegue responder uma pergunta de biologia de nível escolar?  

Existem duas explicações possíveis. O mais provável é que Hipkins saiba exatamente o que é uma mulher, mas esteja assustado demais para dizer. Ele com certeza sabe que definir uma mulher como “indivíduo do sexo feminino”, a definição correta, é atrair acusações de transfobia. Isso pode levá-lo a ser incansavelmente caçado por extremistas da pauta trans e seus facilitadores na mídia.  

Essas mulheres foram constrangidas, silenciadas e atacadas, por estarem dispostas a afirmar o que o novo primeiro-ministro da Nova Zelândia se recusou a dizer

Ou talvez Hipkins de fato acredite no culto de gênero. É possível que o primeiro-ministro da Nova Zelândia acredite genuinamente que o sexo biológico é uma irrelevância antiquada. 
Lógico, o que significaria que os direitos das mulheres baseados no sexo também são uma irrelevância.  
Chris Hipkins, o novo primeiro-ministro neozelandês - 
 Foto: Montagem Revista Oeste/Divulgação
A pergunta “o que é uma mulher” é especialmente pertinente na Nova Zelândia. Poucas semanas atrás, a militante pelos direitos das mulheres Kellie-Jay Keen (também conhecida como Posie Parker) foi agredida em um ato “Let Women Speak”, em Auckland. Ela foi atacada com sopa de tomate. E afirmou ter temido por sua vida, ao ser abordada por uma multidão de ativistas da pauta trans. 
Nessa mesma manifestação, uma idosa foi agredida. 
Essas mulheres foram constrangidas, silenciadas e atacadas, por estarem dispostas a afirmar o que o novo primeiro-ministro da Nova Zelândia se recusou a dizer: que as mulheres existem, e que seus direitos importam.
Feminista Antitrans Agredida Esquerdistas
Posie Parker tornou-se alvo da esquerda identitária - 
 Foto: Reprodução/Twitter

Então, Hipkins é um covarde ou é membro do clube da ideologia de gênero? 

Seja como for, seus comentários ridículos não caem bem para os direitos das mulheres da Nova Zelândia. 

 Fraser Myers é editor assistente da Spiked e apresentador do podcast da Spiked.
Ele está no Twitter: @FraserMyers

Leia também “As mulheres do Estado Islâmico”

Revista Oeste