O bispo auxiliar da Arquidiocese de Aparecida, dom Darci José Nicioli,
pregou, no último domingo (06/03/2016), que os fiéis atentem para a luta
do "bem contra o mal" e "a graça de pisar a cabeça da serpente".
“Peço meu irmão e minha irmã, a graça de pisar na cabeça da serpente. De
todas as víboras que insistem e persistem em nossas vidas. Daqueles que
se autodenominam jararacas. Pisar a cabeça da serpente. Vencer o mal
pelo bem por Cristo nosso senhor. Amém”, disse o clérigo durante a
missa.
Após a homília, o bispo dedicou parte da missa para falar com os fiéis
sobre o "bem sobre o mal". Ele citou um trecho da Bíblia que diz que
Maria, mãe de Jesus Cristo, pisou na cabeça da serpente e “o mal não a
tocou”. E disse:
“É hora de voltar à casa do Pai. Pisar a cabeça da serpente. De todas as
serpentes. Anular a força do mal e vencer o mal pelo bem. Coragem”,
pediu D. Darci.
O bispo evitou comentar a questão política da fala.
Disse que a interpretação e “as aplicações práticas ficam a cargo de
cada fiel”. O bispo, por meio da assessoria da arquidiocese, se
justificou:
“A oração foi na sequência da homília, refletindo sobre a Misericórdia
de Deus que não é paternalista, mas que pede de nós uma atitude: anular o
mal em nossa vida! Indiquei Maria como modelo a ser seguido, pois Ela
pisou a cabeça da serpente”, afirmou explicando ainda que ‘devemos
eliminar o mal, todo o mal em nossa vida”.
Sobre a citação da jararaca, disse:
“Livrar-nos das víboras, das jararacas, que são personificação do mal. A
interpretação e as aplicações práticas ficam a cargo de cada fiel
ouvinte”.
Hoje arcebispo de Diamantina
(MG), ele falou com a Folha na quarta-feira (1º), em Aparecida (SP),
após a abertura da assembleia anual da conferência, marcada em 2019 pelo
clima de cisão política na sociedade e no clero. O discurso oficial é o
de que os membros estão em comunhão.
PERGUNTA -
O sr. é considerado por pessoas que acompanham as movimentações na CNBB
como integrante do grupo conservador. É verdade?
DARCI
NICIOLI - Depende muito do mês. Eu sou o bispo tido como "o bispo da
jararaca", por causa daquele episódio em que eu fui crítico ao PT e ao
Lula. E agora me colocam, não sei de onde tiraram isso, como uma linha
mais conservadora. Mas eu sou da direção atual da CNBB [considerada
progressista]!
P. - Seria coerente o sr. ser chamado de conservador depois da fala contrária ao ex-presidente Lula, não?
DN
- Acho que naquela época era o contrário, né? Disseram que era um bispo
muito avançado, para arvorar-se a fazer um discurso como aquele.
Quem
disse que PT é modernidade e é progressismo? Quer coisa mais antiga do
que um passado político não ser capaz de fazer o mea culpa dos seus
erros? Isso é tão antigo quanto o homem que não reconhece seu pecado.
Isso fez com que o PT perdesse as suas bases. Isso é progressismo? Isso é
antiquado. Quer coisa mais antiga do que a corrupção?
P. - O sr. pode explicar sua transferência para Diamantina após a polêmica? Foi uma punição ou uma promoção?
DN
- [Sorrindo] É muito interessante. Nós tivemos três interpretações
disso. A primeira foi: "Ele foi corajoso, o papa o promoveu, foi de
bispo auxiliar para arcebispo"; a outra: "Ele falou o que não devia,
então o papa o puniu, o mandou para o interior"; ou então: "Ele já
sabia, portanto chutou o pau da barraca".
São
interpretações que não procedem. A escolha de um bispo acontece num
processo longo, de quase um ano. Eu fiquei sabendo de Diamantina quase
um mês e meio antes [do sermão].
P. - Há alas conservadora e progressista na CNBB?
DN
- É normal isso numa agremiação. É normal que haja pessoas que tenham
um determinado alinhamento. Cada bispo responde dentro da sua realidade.
Vai ser bispo na Amazônia, para ver como é preciso ser mais aguerrido.
Vai ser bispo no Nordeste.
Eu estou no portal
do Vale do Jequitinhonha, naquelas cidadezinhas que não têm esperança
alguma, não têm meio de transporte, não têm como produzir, não têm
emprego. Eu não posso me permitir nem ser progressista nem tradicional,
eu preciso ser gente.
P. - O sr. tem intenção de colocar seu nome como candidato na eleição da nova diretoria?
DN
- Não existe disputa de cargos entre nós. Mesmo porque, para nós, cargo
é serviço. Você não ganha jetons, só trabalho. Não devemos procurar,
mas também nunca negar. Se a CNBB me chamar, estarei disponível.
P. - Qual é a igreja que se reúne neste momento para a assembleia?
DN
- Uma igreja que tem consciência da sua missionariedade, que vive o seu
tempo, assume os desafios do seu tempo e cumpre com a sua missão, que é
anunciar a boa-nova do Nosso Senhor Jesus Cristo.
P. - Quais são os desafios hoje?
DN
- Nós temos no Brasil uma dificuldade, muito grande e já histórica, que
é a desigualdade de renda. É um descalabro. Temos que enfrentar. Outra
questão, ligada a essa, é a dos 13 milhões de desempregados. É preciso
que, num Brasil onde há grande desilusão com o Estado, a igreja faça o
seu papel de não deixar que o povo se desespere.
P. - O que a igreja pode fazer concretamente?
DN
- Como CNBB, nós vemos a realidade, estudamos sobre ela e propomos
estratégias. E é muito importante para nós não deixar que, num Brasil
desorganizado assim, o povo perca a esperança. Nós entendemos esperança
como resgate da dignidade, para que ninguém fique à margem nessa
sociedade.
P. - Não é uma utopia?"É uma utopia,
mas digna, uma bandeira digna de ser levantada. Como é que pode, num
país que é o celeiro do mundo, nós ainda convivermos com a fome?
DN
- Aí entra o trabalho social da igreja nos hospitais, nas casas de
recuperação, o trabalho da Caritas, da Pastoral da Criança.E nós estamos
falhos no sentido de marketing da igreja. Se nós resgatarmos a verdade
da grandeza da obra social da igreja no Brasil, estaremos mostrando uma
coisa desconhecida de todo o povo.
P. - O sr. considera desconhecida?
DN
- Sim. Tanto é que não há setores do governo que questionam sobre a
isenção de impostos que a igreja tem? [Na semana passada, em entrevista à
Folha de S.Paulo, o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, falou
em um novo tributo que atingiria igrejas; Bolsonaro o desautorizou.] Há
um desconhecimento, inclusive do próprio governo, que é incapaz de nos
substituir no trabalho imenso que é feito porque desconhece as
atividades que a igreja faz.
P. - O sr. quer dizer que há trabalhos que o Estado deveria executar e a igreja os assume?
DN
- Mas não há nem dúvida. Nós substituímos o Estado no serviço social. E
não é só no serviço de caridade imediata, que também é importante, mas
também de organização da sociedade para que enfrente as
dificuldades.Enquanto nós não politizarmos mais a base, não sairemos
disso. E falo de política com P maiúsculo, não somente política
partidária, mas política enquanto exercício de construção da casa
comum.Esse é o serviço que a igreja tem feito historicamente no Brasil, e
continua fazendo apesar dos pesares, daquilo que se acusa sobre a CNBB,
de que é partidária, que toma uma bandeira ou outra. Isso não
corresponde à verdade.
P. - A CNBB dará, como se especula, uma guinada conservadora?
DN
- O governo foi constituído democraticamente, e como tal tem que ser
respeitado. Mas não quer dizer que tudo aquilo que o governo tem feito
está sendo coerente com aquilo que o Brasil mais precisa. Ora, naquilo
que ele está acertando, por que não se alinhar com ele e aplaudi-lo? E,
naquilo que porventura entendemos que não vai beneficiar o povo, por que
não oferecermos outra proposta? Não é fazer oposição por oposição, que
isso não leva a nada.
P. - Que pontos mereceriam ser aplaudidos no governo Bolsonaro?
DN
- Há um esforço muito grande de colocar em ordem a economia e estancar a
violência. Ora, nesse sentido, nós podemos muito bem pinçar os pontos
que estão sendo acertados e dizer: "Que bom, o caminho é por aqui". Mas
nós temos elementos do governo que colocam em risco a educação, por
exemplo.
P. - Então o sr. acha que a educação não vai bem neste governo até agora?
DN - Historicamente, a educação não tem ido bem. E este governo ainda não encontrou, a meu ver, o caminho ideal, adequado.
Diário de Pernambuco