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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Ladrão rico na cadeia? Supremo faz de tudo para corrigir essa “anomalia” - Gazeta do Povo

J. R. Guzzo - VOZES

Supremo

Ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral teve condenação de 14 anos anulada pelo STF - Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

Se existe neste país uma coisa que realmente incomoda o Supremo Tribunal Federal e seus satélites do alto poder judiciário nacional é ver ladrão rico na cadeia.  
Não sossegam enquanto não conseguem soltar, ou não identificar migalhas processuais que os beneficiem, ou anular sentenças, ou absolver em parte – enfim, enquanto não fizerem “alguma coisa” para ajudar e, se possível, colocar o criminoso na rua, devolvendo a ele a possibilidade de começar tudo outra vez.

Aconteceu de novo, desta vez com ninguém menos que o ex-governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, que conseguiu ser condenado a 400 anos de prisão; roubou tanto, mas tanto, segundo consta em suas sentenças de condenação, que nem a Justiça brasileira conseguiu dar um jeito no seu caso. Pensava-se até agora que Cabral, pelo menos ele, ficaria de fora da obsessão dos tribunais superiores em soltar corrupto – “esse não”, dizia-se, aí também já é demais.

Engano: nada é demais para o STF quando se trata de garantir a impunidade da altíssima ladroagem. Os ministros acabaram de demonstrar isso, mais uma vez, com a anulação de uma das penas de Cabral, de 14 anos de cadeia – o que abre o caminho para liquidar o resto do saldo devedor, na maior rapidez que for possível. Com essa anulação ficam faltando 386 anos de xadrez para pagar, mas o que é uma mixaria dessas para um STF? Daqui a pouco um advogado qualquer acaba dando um jeito e o homem volta para a rua, pronto a retomar suas atividades políticas.

Cabral, é óbvio, não foi absolvido de nada nessa manobra; como de hábito, não se discutiu se ele é culpado ou inocente. Mas acharam que foi julgado pelo “juiz errado” e, assim sendo, tem de zerar tudo. É como Lula: seus processos penais foram anulados pelo STF porque deram um jeito de decretar que ele deveria ter sido julgado em outra cidade e, nesse caso, as condenações não valem. Não interessa à Justiça brasileira se Lula roubou ou não; o que interessa é saber se foi julgado no lugar certo, segundo a burocracia judicial.

 
Na aberração em que se transformou o sistema judiciário do Brasil, o que houve, agora, foi um passo em direção ao equilíbrio. 
Se Lula está solto, e é candidato à Presidência da República, por que Sérgio Cabral deveria estar preso
Se os empreiteiros de obras que confessaram seus crimes e devolveram dinheiro roubado estão livres e voltaram a ser heróis da mídia, por que Cabral não pode ter o mesmo?

Aliás: se todo mundo está solto, por que só ele tem de ficar trancado na penitenciária de Bangu? É essa "anomalia" que o STF está tentado corrigir.

J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


domingo, 4 de fevereiro de 2018

STF de jatinho

Em confronto com governo, Congresso e opinião pública, só de FAB mesmo

Na sexta-feira, dia seguinte à abertura do ano judiciário, o ex-presidente Lula e o ex-governador Sérgio Cabral já sacudiam o Supremo, confirmando que o foco está na Justiça. Enquanto o presidente Michel Temer se esfalfa para melhorar a popularidade e os deputados e senadores põem os pé na estrada e nas suas campanhas, os 11 ministros do Supremo estão atolados de casos cabeludos, com a expectativa de plenário e turmas pegando fogo.

Lula entrou com habeas corpus preventivo para não ser preso e tenta, assim, driblar a decisão da ministra Cármen Lúcia de não por em pauta a revisão do cumprimento de pena após condenação em segunda instância. Ela anunciou que não põe “em pauta”, mas o relator da Lava Jato, Edson Fachin, pode por “em mesa” o HC de Lula e criar um atalho para a revisão, rejeitada por Raquel Dodge e por entidades de juízes, procuradores e advogados. Será um escândalo, mas escândalos andam tão comuns...

Quanto a Cabral: réu pela 21ª vez, um espanto!, ele entrou com habeas corpus para sair do Complexo Penal dos Pinhais, em Curitiba, e voltar à Penitenciária de Bangu, no Rio, onde tem visitas fora de hora, bons colchões, comidinhas bacanas e um home theater de Zona Sul. Quem analisa é o ministro Gilmar Mendes, que cuida de casos correlatos e bem pode devolver Cabral para a Cidade Maravilhosa. Um escândalo a mais, um a menos...

Isso, porém, é só parte da pesada pauta do Supremo neste ano eleitoral. A questão número um é o julgamento dos políticos com mandato e envolvidos na Lava Jato, mas, até lá, muita água e muitas decisões vão rolar, a começar do próprio foro privilegiado para parlamentares. A maioria do Supremo já decidiu pelo fim do privilégio e a favor de enviar os processos deles para outras instâncias, mas o ministro Dias Toffoli pediu vistas e o resultado ficou no limbo. Também não falta tensão com o Executivo e, já no primeiro dia de trabalho, o ministro Luiz Roberto Barroso manteve a suspensão de trechos do indulto de Natal decretado pelo presidente Michel Temer para ampliar, bem, o universo de beneficiários. No segundo dia, o placar voltou ao zero a zero, quando o ministro Alexandre de Moraes derrubou uma decisão de primeira instância contra a privatização da Eletrobrás. [derrubada justa; sem sentido que um juiz de primeira instância decida sobre um ato do presidente da República praticado no exercício de atribuição que a Constituição Federal confere ao chefe do Executivo - no caso da Eletrobrás o absurdo é maior, já que o magistrado além de decidir sobre um ato da competência do presidente da República ainda usurpou atribuição do Poder Legislativo - decidindo sobre urgência de MP.]

E a pergunta que não quer calar, desde o início de janeiro: a deputada Cristiane Brasil, do PTB do Rio, vai ou não tomar posse no Ministério do Trabalho, apesar das multas justamente na Justiça do Trabalho, do vídeo na hora errada, no lugar errado, com as companhias erradas e, agora, essa história de envolvimento com o tráfico?  [até o presente momento, se o STF não jogar para os contra Temer, nada existe que torne a deputada sem condições para ocupar o cargo (conforme  exigências estabelecidas na CF) e que tire do presidente da República a competência que a CF lhe confere de nomear seus ministros.

Agora, se além do texto constitucional que nós brasileiros comuns temos acesso existir um outro, só acessível aos SUPREMOS MINISTROS e aos adversário do Temer, tudo muda de figura.]  A coisa só piora e foi parar no STF, que vai julgar também se mantém o reajuste do funcionalismo, suspenso pelo governo e garantido por liminar.[diante do fato que o reajuste foi concedido por uma lei específica, uma ou duas parcelas semestrais já foram pagas, está mais que caracterizado o 'ato jurídico perfeito' que não pode ser anulado por uma lei - a MP tem força de lei, portanto, legislação infraconstitucional.]

Há também uma questão que não opõe o Judiciário apenas ao Legislativo e ao Executivo, mas à própria opinião pública: o auxílio-moradia indiscriminado, como subterfúgio para aumentar os salários de juízes e magistrados para (muito) além do teto constitucional de R$ 33.700,00. O ministro Luis Fux, agora presidente do TSE, manteve o privilégio em 2014 e nunca mais se falou nisso. [o que é mais constrangedor para o STF, ou deveria ser, é que o privilégio do auxílio-moradia resiste desde 2014 em função de liminar concedida pelo ministro Luiz Fux pai da desembargadora Mariana Fux, que trabalha no TJ do Rio, tem dois apartamentos no Leblon e recebe auxílio-moradia.] Mas o plenário vai ter de falar, até porque nem ícones como Sergio Moro e Marcelo Bretas escapam do constrangimento.

É por essas questões e tensões que Gilmar Mendes reivindica o uso de jatos da FAB e essa reivindicação não é exclusividade dele. Outros ministros também andam temerosos de enfrentar voos de carreira, passageiros irados e até gente descontrolada e sem limites que parte para ataques pessoais.  Expostos nas votações em plenário pela TV Justiça, os Meritíssimos não querem se expor ao vivo. E, cá pra nós, não é nada mal se preservar no escurinho de jatinhos.



Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo