Pois é, estava preparando uma coluna de humor, na medida de minhas limitações. Ocorre que os fatos ajudavam. Considerem, por exemplo, a sentença da juíza Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, que livrou o blogueiro Allan dos Santos do crime de ameaças ao ministro Luís Roberto Barroso. Ela faz uma argumentação até pertinente sobre como caracterizar uma ameaça, mas escorrega feio na conclusão. Diz que não haveria possibilidade de concretização da ameaça, já que o ministro possui equipe de “seguranças qualificados” e um setor de inteligência “igualmente preparado”.
Ora, se um ministro do STF, numa democracia, precisa de “seguranças qualificados” para sair na rua só pode ser porque está sendo …ameaçado. Mas também tem humor no comentário do procurador geral da república, Augusto Aras, quando tentou explicar porque não tomava providências contra o presidente Bolsonaro por não usar a máscara e ainda incentivar outros a não usá-la.
O procurador não tem dúvida da ilicitude do comportamento presidencial, afirmou. Mas ressalvou: é caso de multa administrativa. E arrematou: ” falar-se (no caso das máscaras) em pena de natureza criminal, que é diferente de outras sanções, pode ser algo extremamente perigoso”. Ou seja, é “extremamente perigoso” denunciar o presidente pela conduta de colocar em risco a vida de pessoas, inclusive crianças.
Mas o troféu de campeão nesse departamento continua com o ministro
Guedes. Fechando a coleção de semanas atrás, mandou ver há dias: “Qual o
problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu
menos?” Sabem o quão “pouco” a energia elétrica ficou mais cara nos 12 meses
terminados em agosto? 20,36%, bem acima da inflação, 9,30%, e
penalizando as famílias mais pobres e toda atividade econômica
dependente dessa energia. [quanto a atividade econômica os preços serão, como de praxe, repassados; já famílias de baixa renda dificilmente atingem o consumo mensal de 100Kwh.]
Mas para o ministro essa inflação também não é problema. Tem inflação
também nos EUA, logo estão reclamando do quê? Estamos ali, mano a mano. Nem precisava, mas mostramos no Jornal da Globo e na CBN que a
inflação nos EUA é menor, o PIB é maior , o desemprego, muito menor, a
taxa de juros, zero. [aqui para mostrar que não só o Brasil, governado por Bolsonaro, que produz notas dignas de um humor de péssimo gosto, perguntamos: será que essa situação privilegiada dos USA resistirá ao Biden?]
Teve mais: o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, numa boa, cometeu a irregularidade de vacinar o deputado Eduardo Bolsonaro – não pela vacina, claro, mas porque o deputado estava sem máscara! Segue a série: enquanto o próprio governo admite que os reservatórios das hidrelétricas estão no limite do limite, o presidente Bolsonaro, com sua sabedoria de botequim, pede às famílias: apaguem uma lâmpada.
Assim, a gente vinha nessa toada de gozação até ontem. Aí a coisa engrossou. O presidente Bolsonaro, no cercadinho, disparou: “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô”. Ainda recomendou o fuzil, o 762, pesado, ressalvou que é caro – por volta dos R$ 14 mil – e aí mandou ver: “Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar.” [quem quiser comprar fuzil, tem o direito democrático de comprar; quem não quiser, tem o direito democrático de não comprar; e os titulares dos dois direitos possuem o DEVER DEMOCRÁTICO de não interferir na vontade dos que pensam diferente.] Aí é ofender a população, especialmente a mais pobre. Os alimentos tiveram forte alta de preço neste ano. O feijão subiu quase 11% em 12 meses, e ainda ficou bem atrás do arroz, com inflação de 37%.
O presidente manda apagar uma lâmpada, comprar fuzil e badernar no 7 de setembro[sic]. Não está para brincadeira.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista