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sábado, 28 de agosto de 2021

Piada numa hora dessas? - Carlos Alberto Sardenberg

Pois é, estava preparando uma coluna de humor, na medida de minhas limitações. Ocorre que os fatos ajudavam. Considerem, por exemplo, a sentença da juíza  Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves,  que livrou o blogueiro Allan dos Santos do crime de ameaças ao ministro Luís Roberto Barroso. Ela faz uma argumentação até pertinente sobre como caracterizar uma ameaça, mas escorrega feio na conclusão. Diz que não haveria possibilidade de concretização da ameaça, já que o ministro possui equipe de “seguranças qualificados” e um setor de inteligência “igualmente preparado”.

Ora, se um ministro do STF, numa democracia, precisa de “seguranças qualificados” para sair na rua só pode ser porque está sendo …ameaçado. Mas também tem humor no comentário do procurador geral da república, Augusto Aras, quando tentou explicar porque não tomava providências contra o presidente Bolsonaro por não usar a máscara e ainda incentivar outros a não usá-la.

[com todo o respeito ao ilustre articulista - cujos escritos desfrutam de nossa admiração desde o milênio passado.
Pedimos encarecidamente que continue escrevendo sobre economia, política, mas esqueça o humor. 
O senhor foi parcial na escolha do lado a ser alvo da sua estreia no campo humorístico = só viu comicidade nos atos dos apoiadores do governo Bolsonaro. 
Qualquer pretendente a humorista, não pode desprezar o filão magnifico propiciado pelo Circo Parlamentar de Inquérito, de "'propriedade" do triunvirato Aziz, Calheiros e Rodrigues, e sob "assessoria direta" do Humberto Costa, codinome drácula e do Barbalho, primeiro senador a estrear algemas - foi algemado e o fato foi documento pela imprensa.
Quanto ao ministro Barroso e demais ministros do STF andarem protegidos por segurança da própria Suprema Corte é uma prática que antecede ao blogueiro Allan dos Santos se tornar conhecido e, ao nosso entendimento, a Meritíssima ´pretendeu apenas mostrar que uma eventual agressão do blogueiro ao ministro, se inclui no rol dos crimes impossíveis.]

O procurador não tem dúvida da ilicitude do comportamento presidencial, afirmou. Mas ressalvou: é caso de multa administrativa. E arrematou: ” falar-se (no caso das máscaras) em pena de natureza criminal, que é diferente de outras sanções, pode ser algo extremamente perigoso”.  Ou seja, é “extremamente perigoso” denunciar o presidente pela conduta de colocar em risco a vida de pessoas, inclusive crianças.

Tem outra: o procurador disse que não “criminaliza a política” e por isso desmontou a Lava Jato. O que quer dizer isso? A Lava Jato não criminalizou a política, apenas apanhou políticos ladrões, assim contribuindo para sanear o ambiente político. Logo, o que fez Aras? [sanear o ambiente político? que adianta a Lava Jato montada se é possível algum saneamento em um monturo de lixo, sob a administração da maior sujeira política: o criminoso Lula da Silva. 
A anulação das condenações de Lula da Silva, sem análise do mérito, sepultou de vez a Lava Jato e qualquer outra operação que tente prender corruptos no Brasil - claro, se algum corrupto, ainda que pé de chinelo, for encontrado entre os apoiadores do presidente Bolsonaro, será exemplar e perenemente punido - no mínimo, com prisão preventiva = versa "a brasileira" das penas de prisão com caráter de perpétua.] Livrou os políticos e criminalizou a Lava Jato.

Mas o troféu de campeão nesse departamento continua com o ministro Guedes. Fechando a coleção de semanas atrás, mandou ver há dias: “Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”  Sabem o quão “pouco” a energia elétrica ficou mais cara nos 12 meses terminados em agosto? 20,36%, bem acima da inflação, 9,30%, e penalizando as famílias mais pobres e toda atividade econômica dependente dessa energia. [quanto a atividade econômica os preços serão, como de praxe, repassados; já famílias de baixa renda dificilmente atingem o consumo mensal de 100Kwh.]

Mas para o ministro essa inflação também não é problema. Tem inflação também nos EUA, logo estão reclamando do quê? Estamos ali, mano a mano. Nem precisava, mas mostramos no Jornal da Globo e na  CBN que a inflação nos EUA é menor, o PIB é maior , o desemprego, muito menor, a taxa de juros, zero. [aqui para mostrar que não só o Brasil, governado por Bolsonaro, que produz notas dignas de um humor de péssimo gosto, perguntamos: será que essa situação privilegiada dos USA resistirá ao Biden?]

Teve mais: o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, numa boa, cometeu a irregularidade de vacinar o deputado Eduardo Bolsonaro – não pela vacina, claro, mas porque o deputado estava sem máscara! Segue a série: enquanto o próprio governo admite que os reservatórios das hidrelétricas estão no limite do limite, o presidente Bolsonaro, com sua sabedoria de botequim, pede às famílias: apaguem uma lâmpada.

Assim, a gente vinha nessa toada de gozação até ontem. Aí a coisa engrossou. O presidente Bolsonaro, no cercadinho, disparou: “Tem que todo  mundo comprar fuzil, pô”. Ainda recomendou o fuzil, o 762, pesado, ressalvou que é caro – por volta dos R$ 14 mil – e aí mandou ver: “Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar.” [quem quiser comprar fuzil, tem o direito democrático de comprar;  quem não quiser, tem o direito democrático de não comprar; e os titulares dos dois direitos possuem o DEVER DEMOCRÁTICO de não interferir na vontade dos que pensam diferente.] Aí é ofender a população, especialmente a mais pobre. Os alimentos tiveram forte alta de preço neste ano. O feijão subiu quase 11% em 12 meses, e ainda ficou bem atrás do arroz, com inflação de 37%.

O presidente manda  apagar uma lâmpada, comprar fuzil e badernar no 7 de setembro[sic].  Não está para brincadeira.

 Carlos Alberto Sardenberg, jornalista

Coluna publicada em O Globo - Economia 28 de agosto de 2021

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Piada numa hora dessas? - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 12 de novembro de 2020

Todo mundo sabia que Jânio Quadros era meio doido. Parecia, na maior do tempo, um doido manso, pra lá de inteligente e muito esperto na fala. São famosas suas tiradas, como aquela em uma entrevista na tevê. O jornalista, tentando ser mais esperto, fez um preâmbulo para introduzir uma pergunta difícil: presidente, o senhor não pode imaginar minha ignorância nesse assunto para perguntar assim tão direto… Jânio interrompe: posso, sim, senhor jornalista, posso sim.

Desconfiava-se que algum dia Jânio poderia fazer uma grande doidice, algo que o tirasse do cargo onde estava. Então, acabou fazendo. Claro, estamos pensando nas falas mais recentes do presidente Bolsonaro. A questão é: - será que ele algum dia vai falar (ou fazer) algo com consequências irreparáveis para ele e seu mandato? - Ou será que encarnará cada vez mais o papel (lamentável) do falastrão? Café com leite, Odorico Paraguaçu, motivo de chacotas.

A ameaça – ameaça? – de tacar pólvora contra o Biden caiu nesta última categoria. As pessoas se lembraram do exército de Brancaleone, do rato que ruge (filme de 1959), dos trapalhões do Didi. Os memes abundaram nas redes. O mercado financeiro não deu a mínima. Quer dizer, falou o tempo todo do assunto – e foi uma mina de piadas naquele estilo leve dos operadores. E por falar nisso, o mercado também nem ligou para as declarações absolutamente do ministro Paulo Guedes. Em circunstâncias normais, o mercado deveria ter entrado em pânico quando o ministro falou na possibilidade do Brasil não conseguir rolar sua dívida e isso gerar uma hiperinflação. [alguém já disse que o mercado é sábio; honrando o que foi dito, faz tempo que sacou ser o estilo de Guedes lançar balões de ensaio e comentários diversionistas. Assim, mais vale o que ele não diz e faz ou tenta fazer em silêncio = tipo desmoralizar a caderneta de poupança, acabar com ela enquanto muitos pensam na nova CPMF.]

Calote e disparada do dólar – era disso que Guedes falava. E o que aconteceu? O dólar subiu um pouco, a bolsa caiu um pouco, tudo dentro dos conformes. Mais: o pessoal até sentiu pena do ministro quando ele se declarou frustrado por não ter conseguido vender uma estatal sequer em dois anos de governo. Logo ele, que, na campanha, dizia que era moleza levantar R$ 1 trilhão com a venda de ativos. E ainda em junho último anunciava quatro grandes privatizações em 90 dias.

Será que vai (foi?) pelo mesmo caminho da irrelevância?  Guedes disse que privatizar era o mandato de um governo liberal democrata eleito para isso. E aqui já revela uma distorção de imagem e conteúdo. Bolsonaro liberal e democrata? Se Guedes acredita mesmo nisso, está cometendo o mesmo equívoco de Sérgio Moro quando foi para o governo imaginando que poderia escalar a guerra contra a corrupção. Assim como a legislação proposta por Moro foi aguada pela própria base, a privatização não passa na turma de Bolsonaro, onde todos ali estão sempre ávidos por uma boquinha.

Aliás, essa é a diferença entre o governo dos Bolsonaro (das rachadinhas e dos cheques de 89 mil reais) e os do PT (dos bilhões da Petrobras e empreiteiras). [sempre bom lembrar: todos os eventos citados ainda estão, quando muito, na fase de denúncia = faltando apurar, com provas,  se ocorreram e se nos que ocorreram houve alguma ilegalidade.]Nesse aspecto, o PT foi muito mais eficiente, tanto que exportou sua tecnologia para toda América Latina.

Se bem que, incorporando o Centrão, o governo Bolsonaro ganha mais força nesse departamento. O Centrão sempre encontrou nas estatais um modo de acomodar os correligionários e os bons negócios. Sei que muitos dirão: fazer piada numa hora dessas? E a resposta é: “Ridendo castigat mores”.

Mas só até aqui. Não tem graça nenhuma chamar de maricas os que temem a pandemia e celebrar a interrupção dos testes de uma vacina que pode salvar milhões de pessoas. Sem nenhuma evidência – como faz Trump ao declarar fraude nas eleições – Bolsonaro ligou a “vacina do Doria a morte, invalidez e anomalia”.
E que a [uma] vacina pode salvar milhões de vidas não é força de expressão. O governo paulista já tem contratada a compra de pelo menos 120 milhões de doses. [todos esquecem, ou fingem, que Doria acumular as funções de governador com as de adido comercial (ainda que oficioso) da República Popular da China é algo no mínimo estranho.

Outro fato é que Doria não tem planos - se os tem,  talvez configurem uma ilegalidade, se e  quando executados - de distribuir vacinas para outros estados =  São Paulo possui população inferior aos 50 milhoes de habitantes, considerando duas doses por habitante e que todos sejam vacinados, sobram mais de 20.000.000 de dose. 

Em tempo: Ibaneis Rocha, governador do DF, teve como um dos motes de sua campanha assumir que se faltasse dinheiro para governar usaria do próprio bolso. Assumiu, e ao que consta  mudou de ideia - o que já era esperado - mas, retirou insumos hospitalares dos hospitais públicos do DF para doar para município do PI - estado onde passou a infância. Agora os produtos da generosidade do governador estão fazendo falta no DF,só que o governador ainda não colocou a mão no bolso para devolver o que usou indevidamente.

Pelo andar da carruagem, logo a Justiça terá que obrigá-lo a ressarcir os cofres públicos.]

Por outro lado, o papelão da Anvisa, que suspendeu os testes da Coronav na calada da noite e suspendeu a suspensão no dia seguinte, nos coloca de novo no campo da piada. Foi patética a entrevista coletiva em que seus diretores tentaram explicar a suspensão. (Estranho, aliás, que Bolsonaro não tenha demitido o pessoal que voltou a liberar os testes). E assim voltamos ao exemplo de Jânio. Bolsonaro fica café-com-leite ou algum dia desses falará ou fará algo irreparável? Não esquecer que Jânio era muito mais inteligente, embora, é verdade, bebesse muito uisque em vez de guaraná Jesus ... .

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista