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quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Piada numa hora dessas? - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 12 de novembro de 2020

Todo mundo sabia que Jânio Quadros era meio doido. Parecia, na maior do tempo, um doido manso, pra lá de inteligente e muito esperto na fala. São famosas suas tiradas, como aquela em uma entrevista na tevê. O jornalista, tentando ser mais esperto, fez um preâmbulo para introduzir uma pergunta difícil: presidente, o senhor não pode imaginar minha ignorância nesse assunto para perguntar assim tão direto… Jânio interrompe: posso, sim, senhor jornalista, posso sim.

Desconfiava-se que algum dia Jânio poderia fazer uma grande doidice, algo que o tirasse do cargo onde estava. Então, acabou fazendo. Claro, estamos pensando nas falas mais recentes do presidente Bolsonaro. A questão é: - será que ele algum dia vai falar (ou fazer) algo com consequências irreparáveis para ele e seu mandato? - Ou será que encarnará cada vez mais o papel (lamentável) do falastrão? Café com leite, Odorico Paraguaçu, motivo de chacotas.

A ameaça – ameaça? – de tacar pólvora contra o Biden caiu nesta última categoria. As pessoas se lembraram do exército de Brancaleone, do rato que ruge (filme de 1959), dos trapalhões do Didi. Os memes abundaram nas redes. O mercado financeiro não deu a mínima. Quer dizer, falou o tempo todo do assunto – e foi uma mina de piadas naquele estilo leve dos operadores. E por falar nisso, o mercado também nem ligou para as declarações absolutamente do ministro Paulo Guedes. Em circunstâncias normais, o mercado deveria ter entrado em pânico quando o ministro falou na possibilidade do Brasil não conseguir rolar sua dívida e isso gerar uma hiperinflação. [alguém já disse que o mercado é sábio; honrando o que foi dito, faz tempo que sacou ser o estilo de Guedes lançar balões de ensaio e comentários diversionistas. Assim, mais vale o que ele não diz e faz ou tenta fazer em silêncio = tipo desmoralizar a caderneta de poupança, acabar com ela enquanto muitos pensam na nova CPMF.]

Calote e disparada do dólar – era disso que Guedes falava. E o que aconteceu? O dólar subiu um pouco, a bolsa caiu um pouco, tudo dentro dos conformes. Mais: o pessoal até sentiu pena do ministro quando ele se declarou frustrado por não ter conseguido vender uma estatal sequer em dois anos de governo. Logo ele, que, na campanha, dizia que era moleza levantar R$ 1 trilhão com a venda de ativos. E ainda em junho último anunciava quatro grandes privatizações em 90 dias.

Será que vai (foi?) pelo mesmo caminho da irrelevância?  Guedes disse que privatizar era o mandato de um governo liberal democrata eleito para isso. E aqui já revela uma distorção de imagem e conteúdo. Bolsonaro liberal e democrata? Se Guedes acredita mesmo nisso, está cometendo o mesmo equívoco de Sérgio Moro quando foi para o governo imaginando que poderia escalar a guerra contra a corrupção. Assim como a legislação proposta por Moro foi aguada pela própria base, a privatização não passa na turma de Bolsonaro, onde todos ali estão sempre ávidos por uma boquinha.

Aliás, essa é a diferença entre o governo dos Bolsonaro (das rachadinhas e dos cheques de 89 mil reais) e os do PT (dos bilhões da Petrobras e empreiteiras). [sempre bom lembrar: todos os eventos citados ainda estão, quando muito, na fase de denúncia = faltando apurar, com provas,  se ocorreram e se nos que ocorreram houve alguma ilegalidade.]Nesse aspecto, o PT foi muito mais eficiente, tanto que exportou sua tecnologia para toda América Latina.

Se bem que, incorporando o Centrão, o governo Bolsonaro ganha mais força nesse departamento. O Centrão sempre encontrou nas estatais um modo de acomodar os correligionários e os bons negócios. Sei que muitos dirão: fazer piada numa hora dessas? E a resposta é: “Ridendo castigat mores”.

Mas só até aqui. Não tem graça nenhuma chamar de maricas os que temem a pandemia e celebrar a interrupção dos testes de uma vacina que pode salvar milhões de pessoas. Sem nenhuma evidência – como faz Trump ao declarar fraude nas eleições – Bolsonaro ligou a “vacina do Doria a morte, invalidez e anomalia”.
E que a [uma] vacina pode salvar milhões de vidas não é força de expressão. O governo paulista já tem contratada a compra de pelo menos 120 milhões de doses. [todos esquecem, ou fingem, que Doria acumular as funções de governador com as de adido comercial (ainda que oficioso) da República Popular da China é algo no mínimo estranho.

Outro fato é que Doria não tem planos - se os tem,  talvez configurem uma ilegalidade, se e  quando executados - de distribuir vacinas para outros estados =  São Paulo possui população inferior aos 50 milhoes de habitantes, considerando duas doses por habitante e que todos sejam vacinados, sobram mais de 20.000.000 de dose. 

Em tempo: Ibaneis Rocha, governador do DF, teve como um dos motes de sua campanha assumir que se faltasse dinheiro para governar usaria do próprio bolso. Assumiu, e ao que consta  mudou de ideia - o que já era esperado - mas, retirou insumos hospitalares dos hospitais públicos do DF para doar para município do PI - estado onde passou a infância. Agora os produtos da generosidade do governador estão fazendo falta no DF,só que o governador ainda não colocou a mão no bolso para devolver o que usou indevidamente.

Pelo andar da carruagem, logo a Justiça terá que obrigá-lo a ressarcir os cofres públicos.]

Por outro lado, o papelão da Anvisa, que suspendeu os testes da Coronav na calada da noite e suspendeu a suspensão no dia seguinte, nos coloca de novo no campo da piada. Foi patética a entrevista coletiva em que seus diretores tentaram explicar a suspensão. (Estranho, aliás, que Bolsonaro não tenha demitido o pessoal que voltou a liberar os testes). E assim voltamos ao exemplo de Jânio. Bolsonaro fica café-com-leite ou algum dia desses falará ou fará algo irreparável? Não esquecer que Jânio era muito mais inteligente, embora, é verdade, bebesse muito uisque em vez de guaraná Jesus ... .

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 



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