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quinta-feira, 9 de junho de 2022

Machado de Assis, o STF e a lei da equivalência das janelas - Luciano Trigo

Gazeta do Povo - VOZES


E não é que um ministro do Supremo me fez voltar a Machado de Assis na semana que passou? Reli, para ser mais preciso, os breves capítulos de “Memórias póstumas de Brás Cubas” que fazem referência a uma genial descoberta do narrador/protagonista: a lei da equivalência das janelas.

“Assim, eu, Brás Cubas, descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.”

Dois episódios do romance esclarecem como a lei funciona. No primeiro, Brás Cubas encontra na rua uma meia dobra, moeda sem muito valor, e a enfia no bolso. Na manhã seguinte, sente uns repelões da consciência:

“...uma voz que me perguntava por que diabo seria minha uma moeda que eu não herdara nem ganhara, mas somente achara na rua. Evidentemente não era minha; era de outro, daquele que a perdera, rico ou pobre, e talvez fosse pobre, algum operário que não teria com que dar de comer à mulher e aos filhos; mas se fosse rico, o meu dever ficava o mesmo. Cumpria restituir a moeda e o melhor meio, o único meio, era fazê-lo por intermédio de um anúncio ou da polícia. Enviei uma carta ao chefe de polícia, remetendo-lhe o achado, e rogando-lhe que, pelos meios a seu alcance, fizesse devolvê-lo às mãos do verdadeiro dono. Mandei a carta e almocei tranquilo, posso até dizer que jubiloso.”

No segundo episódio, caminhando pela Praia de Botafogo, Brás Cubas esbarra em um embrulho misterioso, que leva para casa. O embrulho contém cinco contos de réis, uma pequena fortuna. Após um breve embate com sua consciência, o narrador decide ficar com o dinheiro, porque a boa ação da véspera (a devolução da moeda sem valor) criara, por assim, dizer, um crédito moral, que ele podia agora resgatar:

“De noite, no dia seguinte, em toda aquela semana pensei o menos que pude nos cinco contos, e até confesso que os deixei muito quietinhos na gaveta da secretária. (...) Crime é que não podia ser o achado; nem crime, nem desonra, nem nada que embaciasse o caráter de um homem. Era um achado, um acerto feliz, como a sorte grande, como as apostas de cavalo, como os ganhos de um jogo honesto e até direi que a minha felicidade era merecida, porque eu não me sentia mau, nem indigno dos benefícios da Providência.

- Estes cinco contos, dizia eu comigo, três semanas depois, hei de empregá-los em alguma ação boa, talvez um dote a alguma menina pobre, ou outra coisa assim... hei de ver...

Nesse mesmo dia levei-os ao Banco do Brasil. Lá me receberam com muitas e delicadas alusões ao caso da meia dobra, cuja notícia andava já espalhada entre as pessoas do meu conhecimento; respondi enfadado que a coisa não valia a pena de tamanho estrondo; louvaram-me então a modéstia.”

(A “ação boa”, vejam só, acaba sendo a compra do silêncio de Dona Plácida, alcoviteira que dará cobertura aos amores adúlteros de Brás Cubas com Virgília, uma mulher casada.)
Machado de Assis revela com ironia a duplicidade de Brás Cubas – e, por extensão, a relatividade moral que parece ser um traço distintivo do nosso caráter nacional

É assim que funciona a lei da equivalência das janelas: pequenas boas ações, sobretudo se bastante divulgadas, compensam grandes e muitas más ações. Se a consciência pesar por causa de um grande mal causado, basta lembrar o pequeno bem que foi feito, para arejá-la. Trata-se, evidentemente, de uma falsa equivalência.

Por meio dessa lei universal do comportamento humano descoberta por Brás Cubas, Machado de Assis revela com ironia a duplicidade do personagem – e, por extensão, a relatividade moral que parece ser um traço distintivo do nosso caráter nacional.

A lei, aliás, permanece atualíssima.

Pensei em Machado de Assis, em Brás Cubas e na lei da equivalência das janelas quando li que o STF, depois de enquadrar um sem-número de apoiadores do governo; depois de censurar e desmonetizar canais conservadores do Youtube;  
depois de intimidar e silenciar jornalistas;  
depois de tornar réus manifestantes por crime de opinião; 
depois de mandar prender e colocar tornozeleiras eletrônicas em deputados no exercício do mandato; 
depois, em suma, de mandar às favas o direito à liberdade de expressão consagrado no Artigo 220 da Constituição - tudo isso com base no misterioso inquérito das fake news (mais misterioso que o embrulho encontrado por Brás Cubas, já que até hoje ninguém conhece seu conteúdo) - decidiu mandar bloquear perfis do PCO – Partido da Causa Operária nas redes sociais.

Imagino que, com isso, se pretenda demonstrar alguma isenção na condução do chamado “inquérito do fim do mundo”: de agora em diante, frente a qualquer insinuação de parcialidade por parte do STF, a resposta estará na ponta da língua: “Ah, mas eu também enquadrei a esquerda, bloqueei as redes sociais do PCO!”

Imediatamente associei o gesto do STF à atitude do imortal personagem de Machado de Assis.  
Pois o gênio da lei da equivalência das janelas reside justamente aí, na total falta de equivalência: para afastar repelões da consciência causados por erros enormes, basta um pequeno acerto.  (Aqui, na verdade, nem de acerto, grande ou pequeno, se trata, já que tirar a voz de um partido político na internet apenas cria mais um precedente perigoso em ano de eleição.)

Além disso, não dá para comparar o bloqueio dos perfis de um partido de extrema-esquerda no Facebook e no Tik Tok à perseguição implacável movida contra o governo e seus apoiadores. 

Temos aqui mais uma falsa equivalência, pois não se trata de coibir dois extremos: pois somente com muita ignorância ou má-fé se pode classificar o governo de Bolsonaro e a política econômica de Paulo Guedes como sendo de direita na mesma medida em que o PCO é de esquerda. A não ser que se tenha tornado normal classificar como fascista e de extrema-direita qualquer pessoa ou partido à direita do lulopetismo.

Tempos muito estranhos. Agradeço, em todo caso, ao STF, por me fazer voltar a ler Machado de Assis.


terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Bretas, um juiz no palanque - O Globo

A cena viralizou mais do que os gols do Flamengo no domingo. Ao som de um hit evangélico, Jair Bolsonaro tira Marcelo Crivella para dançar. Atrás da dupla, rodopia Marcelo Bretas, responsável por julgar os processos da Lava-Jato no Rio.  A festa gospel não foi a única agenda do juiz com o presidente. Antes de subir no palanque da Igreja Internacional da Graça de Deus, Bretas foi ao aeroporto para receber Bolsolnaro. Em seguida, acompanhou sua comitiva na inauguração de um viaduto no Caju.

O magistrado usou o Instagram para celebrar o encontro. “A Cidade Maravilhosa dá boas-vindas ao Sr. Presidente Jair Bolsonaro”, escreveu. Em outro post, ele se mostrou maravilhado com o ministro Augusto Heleno. “Registro de minha admiração”, derramou-se.

O deputado Helio Lopes, eleito com o apelido de Helio Bolsonaro, publicou uma foto ao lado do presidente e do juiz. Pelo sorriso, o papagaio de pirata oficial do bolsonarismo parecia feliz com o reforço.  Bretas começou a se aproximar do capitão na campanha de 2018. Depois celebrou a eleição do primeiro-filho ao Senado, viajou para a posse em Brasília e visitou o presidente no Alvorada.  A tabelinha pode render dividendos pessoais aos dois. Bolsonaro se associa a um magistrado que prendeu corruptos, e Bretas se cacifa para a vaga reservada a um ministro “terrivelmente evangélico” no Supremo.

O desembaraço do juiz tem incomodado colegas e investigadores da Lava-Jato. Ontem a procuradora regional eleitoral, Silvana Batini, pediu uma investigação sobre o ato na Praia de Botafogo. No ofício, ela cita a “grande projeção midiática” de Bretas.
O titular da 7ª Vara Federal já rebateu críticas pelo exibicionismo na internet. O hábito de postar selfies na academia de ginástica é problema dele, mas a mistura da toga com a política contraria a Constituição e a Lei Orgânica da Magistratura.
“A presença de um juiz no palanque contamina a imagem da Justiça, que deve ser imparcial”, critica o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Ele pediu ao Conselho Nacional de Justiça que apure a conduta de Bretas.

Bernardo M. Franco, colunista - O Globo