Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Tik Tok. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Tik Tok. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 20 de abril de 2023

Uma paródia grosseira de mulher - Revista Oeste

Brendan O'Neill, da Spiked

A ideia de que um homem pode se tornar uma garota é irracional, sinistra e sexista

Dylan Mulvaney | Foto: Montagem Revista Oeste/Lev Radin/Shutterstock
 

Vivemos num mundo em que um homem que se fantasia de atleta feminina é coberto de louros e dinheiro, enquanto uma atleta feminina de verdade é chamada de “vadia desgraçada” e leva um soco no rosto. Um mundo em que um sujeito pode receber milhares de dólares para desfilar de top esportivo em uma paródia grotesca de uma atleta, enquanto atletas femininas de verdade são atacadas por uma multidão furiosa aos gritos de “voltem para casa”. 

Um mundo em que um homem usando leggings fazendo um arremedo de Dick Emery sobre ser mulher é tratado como exemplo, enquanto uma jovem que treinou a vida inteira para ser uma atleta de elite é chamada de preconceituosa e “vadia transfóbica”.  

Esses são os casos de Dylan Mulvaney e Riley Gaines. Mulvaney é um homem de 26 anos que opera sob a ilusão de que é uma garota. No último ano, no hospício moderno que é o TikTok, ele tem documentado sua “jornada para se tornar uma garota”, sua “transição de homem para garota”, como batizou o Daily Mail, capturando de modo brilhante a loucura pós-verdade e a imoralidade completa desse homem adulto que diz: “Sou uma garota!”.  

Gaines é uma mulher — à moda antiga, que tem vagina, como diz Ricky Gervais — e exímia nadadora. Ela foi campeã universitária de natação nos Estados Unidos e está bem irritada que homens grandes e barbados, como Lia Thomas 1,80 metro, pênis e cheio dos músculos que os machos da espécie adquirem na puberdade , sejam autorizados a competir com uma mulher como ela. Tanto Mulvaney quanto Gaines foram parar nas manchetes nos últimos dias, e suas histórias mostram como o culto à transgeneridade se tornou tóxico e ameaçador.  

Um homem faz uma imitação sarcástica de um treino “para meninas delicadas”, e os progressistas gritam animadamente: “Vamos, garota”. Uma mulher se manifesta pelos direitos das mulheres de terem seus próprios esportes, e os progressistas vociferam: “Cale a boca, vadia”

O sr. Mulvaney chegou ao noticiário por assinar um generoso contrato com a Nike Women. Ele postou um vídeo se exercitando com uma calça legging Zenvy e um top Alate, da Nike Women. Falei se exercitando. Está mais distante de Jamie Lee Curtis no filme Perfeição e mais próximo de Tim Curry em The Rocky Horror Show. Ele dá chutes altos desajeitados e faz polichinelos, o tempo todo com a boca entreaberta e a expressão de quem está com tontura. Meninas, como vocês são! Como muitas mulheres enfurecidas comentaram, não se parece em nada com uma mulher fazendo exercícios. Parece mais um ator amador fazendo teste para o espetáculo A Chorus Line. O que, na essência, Dylan Mulvaney é. No entanto, ele é coberto de louros e elogios. Empresas o estão enchendo de dinheiro. Ele é tratado como uma mulher de verdade — ou, que aflição!, uma garota —, inclusive pela Casa Branca.  

Gaines chegou ao noticiário depois de ser inundada não com amor e dinheiro, mas com insultos misóginos horríveis. Ela está em uma missão de salvar os esportes femininos. E já fez declarações tocantes sobre a injustiça de forçar atletas mulheres como ela a competirem com homens. 

 Quando Lia Thomas era o bom e velho Will Thomas, ele era um nadador universitário mediano dos Estados Unidos. 

Quando se tornou Lia, chegou ao topo dos rankings femininos. Mulheres que treinaram por anos para ser as melhores foram deixadas para trás nas ondas feitas por suas mãos grandes e masculinas. 

Gaines fez um discurso na Universidade Estadual de São Francisco na quinta-feira passada sobre as razões de por que os esportes femininos devem ser proibidos para homens, e a reação foi extraordinária. 

Uma multidão furiosa a cercou. Gritaram insultos. Ela foi chamada de vadia. Gaines afirma que levou dois socos. E teve de se esconder em uma sala por três horas, para escapar da caça às bruxas furiosa.  

 

Aí está. Um homem usando trajes esportivos femininos é bajulado pelos virtuosos, enquanto uma mulher que quer proteger os esportes femininos é demonizada por eles. Um homem faz uma imitação sarcástica de um treino “para meninas delicadas”, e os progressistas gritam animadamente: “Vamos, garota”.

 Uma mulher se manifesta pelos direitos das mulheres de terem seus próprios esportes, e os progressistas vociferam: “Cale a boca, vadia”. A confluência dessas duas histórias é perfeita. Ela ilustra o impacto devastador que a ideologia trans teve não só nos direitos das mulheres, mas também em toda a condição de mulher. Que as elites se sintam mais confortáveis com uma performance frívola de mulher feita por um homem do que com a defesa apaixonada e racional de sua própria condição feita por uma mulher confirma que a ideologia trans fez estragos na realidade, na ciência e na igualdade sexual. 

Tudo o que resta nessa ideologia profundamente misógina são a casca da mulher, os acessórios, a máscara, as roupas e o batom. É por isso que, em determinados círculos, Dylan Mulvaney é uma “mulher” mais respeitada do que Riley Gaines — porque ele faz a caricatura muito melhor que ela.   

The prisoners are running the asylum at SFSU…I was ambushed and physically hit twice by a man. This is proof that women need sex-protected spaces.

Still only further assures me I’m doing something right. When they want you silent, speak louder. ️ pic.twitter.com/uJW3x9RERf

— Riley Gaines (@Riley_Gaines_) April 7, 2023

Em julho de 1989, Germaine Greer escreveu um artigo para o Independent  intitulado “Por que a mudança de sexo é uma mentira”. Ele sempre é usado pela geração Z como prova cabal na cruzada para transformar Greer em uma velha preconceituosa e má, mas, na verdade, o texto é brilhante, um lembrete da polemista feroz e excelente que ela foi. Greer descreve um encontro com um transexual nos Estados Unidos nos anos 1970, o rosto “coberto com uma maquiagem pesada pela qual a barba já estava aparente”. Ele vestia “roupas esvoaçantes”. E apertou a mão dela com — para aqueles que se ofendem com facilidade, fechem os olhos — sua “pata enorme, ossuda, peluda e cheia de anéis”. E na sequência aparece uma das frases mais famosas de Greer sobre a questão trans: esse homem, disse ela, era uma “paródia grosseira do meu sexo”. “Os bons modos instintivos” exigiram que eu o aceitasse como mulher, ela reclama, “ao ponto de permitir que ele fosse ao banheiro comigo”.

“Paródia grosseira do meu sexo” — essas palavras ecoam nos meus ouvidos sempre que vejo Dylan Mulvaney. E muitas outras “mulheres trans” que devemos tratar como mulheres de verdade. “Mulheres trans são mulheres”, diz o mantra. Um mantra que foi repetido com uma ferocidade medieval para a bruxa Riley Gaines. Mas hoje temos mais do que “os bons modos instintivos” exigindo que reconheçamos essas figuras com barba e dedos peludos como mulheres. Uma máquina totalmente nova de autoritarismo foi criada para nos pressionar a acreditar que mulheres trans são mulheres e punir aqueles que, como Gaines, ousarem fazer objeções. Constrangimento público, listas negras e até violência passaram a ser empregados para nos forçar a concordar com a ideia de que alguém como Dylan Mulvaney é uma garota.  

A performance de Mulvaney é incrivelmente sexista. Seu diário de “transformação em garota” dá a impressão de que a feminilidade é uma interpretação. Você achava que ser mulher era algo biológico, cultural, histórico e relacional, algo que tem substância e significado reais? Tente outra vez. É uma performance de drag queen, basicamente. É sombra para os olhos e apliques de cabelo. De tutoriais de maquiagem até os vídeos sobre como esconder o saco escrotal no maiô, a imagem que Mulvaney tem de “ser mulher” é totalmente ilusória. Ser mulher é um traje, pelo jeito.  

Vamos falar abertamente sobre isso: a ideia de que um homem se torna uma mulher apenas fazendo um procedimento fácil, tomando alguns comprimidos e talvez removendo seu pênis é profundamente misógina. Nas palavras de Greer, em 1989, isso promove a ideia “de que a fêmea não passa de um macho castrado”

Hoje em dia, um sujeito não precisa nem ser castrado para se tornar uma mulher. A degradação de tratar mulheres como machos castrados foi substituída por uma degradação ainda mais repugnante de tratá-las como machos enfeitados. Amigos, se vocês têm acesso a máscara de cílios, perucas e fita adesiva para esconder seu pinto, vocês também podem se tornar uma mulher. Vistam uma calça legging, façam alguns exercícios, abram a boca para parecer frágil e boba e, voilà, você é uma dama. Qualquer um consegue. 

A ideologia trans tornou os direitos das mulheres insignificantes. Ela esvaziou suas verdades e os reduziu a uma mera fantasia que qualquer um pode vestir. Como Greer argumentou, a ideologia trans é totalmente contrafeminista, à medida que trata a “feminilidade” como o cerne de ser mulher. Feminilidade é um papel que você desempenha, afirma Greer, “e que isso se torne a identidade atribuída às mulheres é uma ideia profundamente prejudicial”. De fato, ela se tornou a identidade atribuída às mulheres. Mulvaney é celebrada como “mulher” exatamente porque faz a performance da feminilidade de modo tão entusiasmado, enquanto Gaines é uma mulher demonizada por ter a audácia de reagir à ideia de que ser mulher é uma performance e argumentar que, na verdade, é algo real. Biológica e culturalmente real. Que a paródia grosseira de uma mulher feita por Mulvaney goze de mais validação que a defesa sincera dos direitos das mulheres feita por Gaines revela a misoginia que foi desencadeada pelo culto trans.  

LEIA TAMBÉM: Mulher trans’ é presa por estupro em abrigo feminino

Vítima denunciou agressão à polícia no começo de abril

O problema não é Dylan Mulvaney em si. É o fato de que a intelectualidade, a Casa Branca e as grandes empresas, como a Nike Women e a Bud Light, estão se jogando a seus pés e dizendo: “Sim, Dylan, você é uma garota”.  

Ao fazer isso, eles não só alimentam as ilusões do rapaz, mas também sancionam oficialmente a ideia sexista de que ser mulher não passa de um cosplay. E se as mulheres não são reais, qual é a necessidade dos direitos das mulheres? É uma curta distância em tratar a condição da mulher como uma piada até tratar as mulheres como piadas.  

Leia também “Um olho por uma mágoa”

Brendan O'Neill, da Spiked - Revista Oeste

 

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Machado de Assis, o STF e a lei da equivalência das janelas - Luciano Trigo

Gazeta do Povo - VOZES


E não é que um ministro do Supremo me fez voltar a Machado de Assis na semana que passou? Reli, para ser mais preciso, os breves capítulos de “Memórias póstumas de Brás Cubas” que fazem referência a uma genial descoberta do narrador/protagonista: a lei da equivalência das janelas.

“Assim, eu, Brás Cubas, descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.”

Dois episódios do romance esclarecem como a lei funciona. No primeiro, Brás Cubas encontra na rua uma meia dobra, moeda sem muito valor, e a enfia no bolso. Na manhã seguinte, sente uns repelões da consciência:

“...uma voz que me perguntava por que diabo seria minha uma moeda que eu não herdara nem ganhara, mas somente achara na rua. Evidentemente não era minha; era de outro, daquele que a perdera, rico ou pobre, e talvez fosse pobre, algum operário que não teria com que dar de comer à mulher e aos filhos; mas se fosse rico, o meu dever ficava o mesmo. Cumpria restituir a moeda e o melhor meio, o único meio, era fazê-lo por intermédio de um anúncio ou da polícia. Enviei uma carta ao chefe de polícia, remetendo-lhe o achado, e rogando-lhe que, pelos meios a seu alcance, fizesse devolvê-lo às mãos do verdadeiro dono. Mandei a carta e almocei tranquilo, posso até dizer que jubiloso.”

No segundo episódio, caminhando pela Praia de Botafogo, Brás Cubas esbarra em um embrulho misterioso, que leva para casa. O embrulho contém cinco contos de réis, uma pequena fortuna. Após um breve embate com sua consciência, o narrador decide ficar com o dinheiro, porque a boa ação da véspera (a devolução da moeda sem valor) criara, por assim, dizer, um crédito moral, que ele podia agora resgatar:

“De noite, no dia seguinte, em toda aquela semana pensei o menos que pude nos cinco contos, e até confesso que os deixei muito quietinhos na gaveta da secretária. (...) Crime é que não podia ser o achado; nem crime, nem desonra, nem nada que embaciasse o caráter de um homem. Era um achado, um acerto feliz, como a sorte grande, como as apostas de cavalo, como os ganhos de um jogo honesto e até direi que a minha felicidade era merecida, porque eu não me sentia mau, nem indigno dos benefícios da Providência.

- Estes cinco contos, dizia eu comigo, três semanas depois, hei de empregá-los em alguma ação boa, talvez um dote a alguma menina pobre, ou outra coisa assim... hei de ver...

Nesse mesmo dia levei-os ao Banco do Brasil. Lá me receberam com muitas e delicadas alusões ao caso da meia dobra, cuja notícia andava já espalhada entre as pessoas do meu conhecimento; respondi enfadado que a coisa não valia a pena de tamanho estrondo; louvaram-me então a modéstia.”

(A “ação boa”, vejam só, acaba sendo a compra do silêncio de Dona Plácida, alcoviteira que dará cobertura aos amores adúlteros de Brás Cubas com Virgília, uma mulher casada.)
Machado de Assis revela com ironia a duplicidade de Brás Cubas – e, por extensão, a relatividade moral que parece ser um traço distintivo do nosso caráter nacional

É assim que funciona a lei da equivalência das janelas: pequenas boas ações, sobretudo se bastante divulgadas, compensam grandes e muitas más ações. Se a consciência pesar por causa de um grande mal causado, basta lembrar o pequeno bem que foi feito, para arejá-la. Trata-se, evidentemente, de uma falsa equivalência.

Por meio dessa lei universal do comportamento humano descoberta por Brás Cubas, Machado de Assis revela com ironia a duplicidade do personagem – e, por extensão, a relatividade moral que parece ser um traço distintivo do nosso caráter nacional.

A lei, aliás, permanece atualíssima.

Pensei em Machado de Assis, em Brás Cubas e na lei da equivalência das janelas quando li que o STF, depois de enquadrar um sem-número de apoiadores do governo; depois de censurar e desmonetizar canais conservadores do Youtube;  
depois de intimidar e silenciar jornalistas;  
depois de tornar réus manifestantes por crime de opinião; 
depois de mandar prender e colocar tornozeleiras eletrônicas em deputados no exercício do mandato; 
depois, em suma, de mandar às favas o direito à liberdade de expressão consagrado no Artigo 220 da Constituição - tudo isso com base no misterioso inquérito das fake news (mais misterioso que o embrulho encontrado por Brás Cubas, já que até hoje ninguém conhece seu conteúdo) - decidiu mandar bloquear perfis do PCO – Partido da Causa Operária nas redes sociais.

Imagino que, com isso, se pretenda demonstrar alguma isenção na condução do chamado “inquérito do fim do mundo”: de agora em diante, frente a qualquer insinuação de parcialidade por parte do STF, a resposta estará na ponta da língua: “Ah, mas eu também enquadrei a esquerda, bloqueei as redes sociais do PCO!”

Imediatamente associei o gesto do STF à atitude do imortal personagem de Machado de Assis.  
Pois o gênio da lei da equivalência das janelas reside justamente aí, na total falta de equivalência: para afastar repelões da consciência causados por erros enormes, basta um pequeno acerto.  (Aqui, na verdade, nem de acerto, grande ou pequeno, se trata, já que tirar a voz de um partido político na internet apenas cria mais um precedente perigoso em ano de eleição.)

Além disso, não dá para comparar o bloqueio dos perfis de um partido de extrema-esquerda no Facebook e no Tik Tok à perseguição implacável movida contra o governo e seus apoiadores. 

Temos aqui mais uma falsa equivalência, pois não se trata de coibir dois extremos: pois somente com muita ignorância ou má-fé se pode classificar o governo de Bolsonaro e a política econômica de Paulo Guedes como sendo de direita na mesma medida em que o PCO é de esquerda. A não ser que se tenha tornado normal classificar como fascista e de extrema-direita qualquer pessoa ou partido à direita do lulopetismo.

Tempos muito estranhos. Agradeço, em todo caso, ao STF, por me fazer voltar a ler Machado de Assis.


segunda-feira, 28 de março de 2022

O Ocidente já perdeu? - Revista Oeste

Kaíke Nanne

Supostamente, os EUA estão em declínio e a civilização ocidental, em ruínas. Será mesmo? 

A água, símbolo dos Estados Unidos, e o dragão chinês | Ilustração: Shutterstock
A água, símbolo dos Estados Unidos, e o dragão chinês -  Ilustração: Shutterstock

É desolador o panorama que se apresenta quando o objeto da análise é a civilização ocidental. Vladimir Putin não teria tentado ressuscitar a Grande Mãe Rússia e iniciado sua estripulia militar sanguinária na Ucrânia se o Ocidente tivesse líderes fortes. A ordem liberal que preconiza o Estado de Direito, a garantia da propriedade privada e as liberdades individuais está em declínio, e o mundo está ficando menos democrático — de acordo com a Edição 2021 do Global Democracy Index, da revista britânica The Economist, apenas 6,4% da população mundial vive em democracias plenas; é o pior resultado desde o início do levantamento, em 2006. Tem mais. Xi Jinping já declarou que o plano do Partido Comunista Chinês é estabelecerum novo modelo de governança global”, seu país investe pesadamente na Nova Rota da Seda, um ambicioso projeto de infraestrutura que implementará um conjunto de novos itinerários comerciais por terra e mar, e a economia chinesa deve ultrapassar a norte-americana em 2033.

A propalada débâcle ocidental não se expressa apenas na política e na economia. Numerosos analistas dão conta de que a guerra cultural já está perdida. Do TikTok ao Fórum de Davos, da Netflix aos comitês de ESG das grandes corporações, das ONGs às big techs, é só chibata. O Oeste entrou num piro dramático de autoflagelação para expiar os pecados capitais denunciados pelos cavaleiros woke identitários, pela turma de movimentos como Antifa e Black Lives Matter. Nas universidades e na imprensa, a civilização ocidental é frequentemente apontada como produtora de exploração impiedosa e desigualdade social, berço de impérios colonialistas carniceiros, racista e criadora de estruturas que subjugam as mulheres e as minorias.

Em 2050, China e Rússia terão uma redução de nada menos que 20% no número de pessoas com capacidade produtiva

Dado o contexto, parece elementar presumir que o farol do Ocidente está com os dias contados. O Império Americano vai ruir em breve. Os Estados Unidos se tornarão apenas uma sombra do que já foram. E, com os Estados Unidos definhando, todo o ideário ocidental fica à míngua, o Oeste vira História, sem futuro.

Podemos encomendar o mausoléu, certo? Calma. Respire fundo. Conte até dez.

Em primeiro lugar, convém considerar que são os jovens e os imigrantes que têm potencial, energia e disposição ao risco para construir um futuro próspero, com inovação, dinamismo e capacidade de atração de talentos. Em 2050, China e Rússia terão uma redução de nada menos que 20% no número de pessoas com capacidade produtiva, segundo projeções da ONU. Em contraste, os Estados Unidos, de acordo com o mesmo estudo, verão sua população em idade ativa crescer 12% — sem o fator imigração, o país teria uma redução de 4,5% no número de indivíduos economicamente ativos.

Diz o escritor indiano-norte-americano Fareed Zakaria, em artigo para o jornal The Washington Post: “Imigração significa uma economia mais robusta. Os Estados Unidos têm administrado a imigração melhor do que a maioria dos outros países. Recebe pessoas de todos os lugares, elas são assimiladas e integradas ao tecido da sociedade, e os novos imigrantes sentem-se tão motivados quanto os velhos”.

Hoje, cerca de 15,5% da população norte-americana é composta de imigrantes — são mais de 50 milhões de pessoas. A China tem pouco mais de 1 milhão de imigrantes, o equivalente a 0,07% da população. O passaporte azul continua tendo um valor infinitamente superior ao do passaporte vermelho. E isso se reflete no interesse pelo aprendizado do idioma. No mundo, mais de 700 milhões de cidadãos têm inglês como segunda língua. No caso do mandarim, são 180 milhões.

Além dos dados relacionados à imigração, a conta do PIB per capita também precisa ser considerada. Embora a economia chinesa, como um todo, vá superar a norte-americana na próxima década, a geração de riqueza por indivíduo continuará muito maior nos Estados Unidos: em 2050, vai transpor a faixa dos US$ 80 mil por ano, ante pouco mais de US$ 20 mil na China.

No campo da disputa por corações e mentes, os US$ 10 bilhões que o Partido Comunista Chinês gasta por ano na difusão da cultura do país não têm sido suficientes. Aulas de kung fu para jovens africanos e conferências sobre a sabedoria confucionista em universidades ocidentais geram interesse, óbvio, mas não parecem ter o poder de mudar o tal do mindset. Ou você imagina que em Buenos Aires ou Kampala, em Johannesburgo ou Jacarta, a pré-estreia de um filme como A Batalha do Lago Changjin, a mais bem-sucedida produção chinesa de 2021, atrairá um público maior que o lançamento do novo Batman?

Um grupo de analistas internacionais acredita que as aspirações chinesas de dominação mundial podem estar sendo anabolizadas pela maior parte dos observadores — sem má-fé, apenas pelo alarmismo atávico dos que atuam no métier. Segundo essa interpretação contrária ao senso comum, a China estaria mais interessada em assegurar sua ascendência estratégica no leste da Ásia e ampliar seus negócios com todos os países, independentemente do eixo de influência ao qual estejam associados, do que em criar uma nova ordem planetária. O mencionado “novo modelo de governança global” seria um alerta retórico para o Ocidente não criar dificuldades e deixar o país expandir seu comércio sem travas, como regulações ambientais impeditivas.

Fatos e dados sobre a mesa, é bastante provável que os Estados Unidos sigam como o farol do mundo, malgrado o eventual ocupante da Casa Branca, hoje e no futuro — nesse sentido, a guerra na Ucrânia pode até fortalecer a aliança ocidental liderada pelo país e trazer a China para perto. Para uma certa classe média alta bem-pensante, que tem o luxo de discutir os prognósticos distópicos para a civilização ocidental entre taças de pinot noir, os Estados Unidos podem até estar caminhando para o desfiladeiro. Mas, para quem quer produzir e gerar riqueza, viver em liberdade e educar bem os filhos, a América é e será por muitos e muitos anos o melhor lugar. Até porque, embora milhões de indivíduos se submetam contingencialmente a regimes autoritários, a vocação para ser livre está no DNA da nossa espécie. 

Kaíke Nanne é jornalista. Foi publisher nos grupos Abril, Time Warner e HarperCollins. Atuou como repórter, editor e diretor em diversas publicações, entre elas Veja, Época, Playboy, Claudia e Oeste

Leia também “Para que correr tanto?”

Kaíke Nanne,  jornalista - Revista Oeste