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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Bretas, um juiz no palanque - O Globo

A cena viralizou mais do que os gols do Flamengo no domingo. Ao som de um hit evangélico, Jair Bolsonaro tira Marcelo Crivella para dançar. Atrás da dupla, rodopia Marcelo Bretas, responsável por julgar os processos da Lava-Jato no Rio.  A festa gospel não foi a única agenda do juiz com o presidente. Antes de subir no palanque da Igreja Internacional da Graça de Deus, Bretas foi ao aeroporto para receber Bolsolnaro. Em seguida, acompanhou sua comitiva na inauguração de um viaduto no Caju.

O magistrado usou o Instagram para celebrar o encontro. “A Cidade Maravilhosa dá boas-vindas ao Sr. Presidente Jair Bolsonaro”, escreveu. Em outro post, ele se mostrou maravilhado com o ministro Augusto Heleno. “Registro de minha admiração”, derramou-se.

O deputado Helio Lopes, eleito com o apelido de Helio Bolsonaro, publicou uma foto ao lado do presidente e do juiz. Pelo sorriso, o papagaio de pirata oficial do bolsonarismo parecia feliz com o reforço.  Bretas começou a se aproximar do capitão na campanha de 2018. Depois celebrou a eleição do primeiro-filho ao Senado, viajou para a posse em Brasília e visitou o presidente no Alvorada.  A tabelinha pode render dividendos pessoais aos dois. Bolsonaro se associa a um magistrado que prendeu corruptos, e Bretas se cacifa para a vaga reservada a um ministro “terrivelmente evangélico” no Supremo.

O desembaraço do juiz tem incomodado colegas e investigadores da Lava-Jato. Ontem a procuradora regional eleitoral, Silvana Batini, pediu uma investigação sobre o ato na Praia de Botafogo. No ofício, ela cita a “grande projeção midiática” de Bretas.
O titular da 7ª Vara Federal já rebateu críticas pelo exibicionismo na internet. O hábito de postar selfies na academia de ginástica é problema dele, mas a mistura da toga com a política contraria a Constituição e a Lei Orgânica da Magistratura.
“A presença de um juiz no palanque contamina a imagem da Justiça, que deve ser imparcial”, critica o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Ele pediu ao Conselho Nacional de Justiça que apure a conduta de Bretas.

Bernardo M. Franco, colunista - O Globo 


sábado, 30 de março de 2019

A lei bandida

A Constituição funciona como a grande incentivadora do crime cinco estrelas


Publicado na edição impressa de VEJA
O ex-presidente Michel Temer, de novo em liberdade após curta estadia no xadrez, é o mais recente porta-bandeira das tropas que combatem pelo cumprimento rigorosíssimo da lei, nos seus detalhes mais extremos, e não admitem nenhum tipo de punição para magnatas antes que a sua culpa fique comprovada no Dia do Juízo Universal. Até outro dia Temer era “o golpista” ─ ou, pelo menos, o vampiro que chefiava uma quadrilha de ladrões metida à cada instante com malas de dinheiro vivo, crimes anotados em fitas gravadas e outros horrores do mesmo quilate. Mas a vida brasileira tem sido isso mesmo. Hoje em dia não importa quem você é ou o que você faz; se estiver com o camburão da Lava Jato na sua cola o cidadão passa a ser imediatamente uma vítima do “moralismo”, da “repressão judicial” e dos “linchadores” que querem “rasgar as leis deste país”, etc,. etc,. Temer, assim, passou a ser mais um símbolo do homem perseguido pela “ação ilegal” das autoridades ─ e o seu alvará de soltura foi comemorado como uma vitória do “estado de direito”, da majestade das leis e da soberania da Constituição.

Tudo bem. Temer só deveria ir para a cadeia depois de condenado em pelo menos um dos dez processos por corrupção a que responde no momento; seus advogados sustentam que ele é inocente em todos os dez, nunca cometeu nenhum delito em 40 anos de política e enquanto os juízes acreditarem nisso, o homem não pode ser preso. Ele não poderia se aproveitar para fugir do Brasil? Poderia, mas não iria adiantar nada: seria preso no dia seguinte pela Interpol e mandado de volta. Não poderia, então, usar a liberdade para destruir provas? Talvez, mas teria de ser flagrado pela polícia fazendo isso para que a sua prisão fosse justificada. Mas o que transforma num desastre essa história toda, tanto o ato de prender como o ato de soltar, é a perversão da ideia de justiça que ela representa. O problema, aí, não é o despacho do juiz Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro, que causou tanto escândalo ao mandar prender o ex-presidente. O problema é a lei que permite o despacho de Bretas. Ela é exatamente a mesma que sustenta os direitos do réu. Conclusão: cumprir “a lei”, como exigem os campeões do “direito de defesa”, significa aceitar que o juiz Bretas tome decisões como essa quantas vezes lhe der na telha.

O “Brasil civilizado”, esse consórcio de gente bem-educada, liberal e moderna que acha um equívoco combater os crimes de primeira classe com penas de prisão, vive num mundo impossível. Acha que a decisão de Bretas foi uma aberração. Ao mesmo tempo fica horrorizado se alguém constata o fato puro e simples de que é a sagrada Constituição brasileira, com toda a penca de leis pendurada nela, que permite ao juiz agir exatamente como agiu. Não apenas permite ─ incentiva, protege e garante a absoluta impunidade para qualquer coisa que ele já tenha decidido ou venha a decidir. Ele, Bretas, e mais 100% das autoridades judiciárias do país. Mas vá alguém sugerir, mesmo com cuidado máximo, que a Constituição é hoje a maior ferramenta para promover a negação da justiça no Brasil ─ o mundo vem abaixo na hora e quem fez a crítica é excomungado automaticamente como um inimigo do “Estado de direito”. 

Mas aí é que está: a verdade, para falar as coisas como elas realmente são, é que a Constituição funciona como a grande incentivadora do crime cinco estrelas ─ o que é cometido por gente rica, poderosa ou detentora de autoridade a serviço do Estado. É ruim na ida e ruim na volta.

A comprovação definitiva da insânia, no episódio Temer, é que o desembargador que o soltou, Ivan Athiê, um veterano especialista em libertar ladrões do erário, ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato. Mas está lá de volta, em cumprimento ao que diz a Constituição. Que tal? Mais: na mesma ocasião, e no mesmo local, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro deu posse a quatro deputados que se encontram presos na Penitenciária de Bangu e mais um que está em prisão domiciliar. Ou seja ─ o sujeito não pode andar na rua, mas pode ser deputado estadual. [comentário: para afins de atualização: pode ser também deputado federal e senador da República.] De novo, é o respeito religioso à lei que produz esse tipo de depravação aberta. Parece errado, mas a Constituição Cidadã diz que é certo. Tudo isso ─ Bretas, Temer, Athiê, presidiários-deputados ─ significa a “vitória das instituições”, segundo nos garantem os defensores da legalidade acima de tudo. Perfeito. O único problema é que as instituições brasileiras de hoje são um lixo. Pode ser feio dizer isso, com certeza. Mas dizer o contrário é simplesmente falso.


quinta-feira, 26 de abril de 2018

Transporte de provas

Decisão da 2ª turma ignora engenharia financeira da corrupção. A ação penal que trata do Instituto Lula está na fase das alegações finais, a do sítio de Atibaia está começando a ouvir as testemunhas e agora, por decisão da 2ª turma do STF, os documentos das delações da Odebrecht sobre isso serão enviados para São Paulo. É só o transporte de provas, ou é o começo de algo muito maior que levaria os processos do ex-presidente Lula para longe de Curitiba? [pode até  que um, dois ou até mais  dos supremos ministros da 2ª Turma estejam considerando a possibilidade de levar Lula para longe de Moro.
É perder tempo.
A manobra da Segunda Turma - se for manobra e for exitosa -  não livra Lula dos doze anos de prisão já garantidos e ainda que os processos do Instituto Lula e Sítio de Atibaia saiam da alçada de Moro, nenhum juiz encontraria forma de não condenar Lula, o que rende mais uns 20 anos.

E tem outros processos em curso que nas mãos de Moro, do Bretas ou do Valisney, vão gerar mais condenações: somando tudo e passando a régua Lula tem uns 100 anos  de cadeia para puxar - nos resta pedir a Deus vida longa para o reeducando  para que ele consiga puxar pelo menos 1/5 da cana total.
De qualquer forma, ao chegar aos 80 anos Lula deverá ganhar por razões humanitárias  uma prisão domiciliar, com tornozeleira.]
 
Pode ser muito mais, pode ser apenas um detalhe confuso criado por ministros do Supremo no processo da Lava-Jato. Não será a primeira vez que isso ocorre. Procuradores da Força Tarefa anexaram, ontem, declaração nos processos em que afirmam que não houve discussão sobre a competência, como o próprio ministro Dias Toffoli disse. No voto, ele registrou que não firmaria “em definitivo a competência do juízo”. A porta está aberta. O único que se sabe é que isso não afeta, obviamente, o caso do triplex, que já está julgado. Mas dos outros não há certeza.

É curioso o argumento do voto do ministro Toffoli, acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovsky, de que não há ligação entre esses casos investigados nas duas ações penais e as propinas pagas nos negócios escusos com a Petrobras.
É preciso ter estado em Marte nos últimos anos para desconhecer que as empresas corruptas trabalhavam com uma espécie de “caixa geral da propina”. Alguns delatores chegaram a usar essa expressão em suas delações. A Odebrecht tinha um departamento secreto no qual estruturava o pagamento de suborno e a distribuição de vantagens. Não havia propinas em compartimentos estanques que, por algum tipo de compliance, não pudessem ser usadas em outra ponta do mesmo negócio de comprar benefícios no setor público. É preciso também ser estrangeiro aos fatos para desconhecer que esses casos começaram a ser investigados em Curitiba e, portanto, pegar alguns papeis e enviá-los para São Paulo, por qualquer minudência jurídica, é uma forma de confundir.

No voto, o ministro Dias Toffoli disse que o empresário Emílio Odebrecht falou em hidrelétricas do Rio Madeira como parte dos benefícios a Lula. Alexandrino Alencar falou em gastos no sítio de Atibaia feitos “como contrapartida pela influência política exercida pelo ex-presidente”, e Marcelo Odebrecht disse que os valores para a compra do Instituto Lula sairiam da conta “amigo”, onde foram provisionados R$ 35 milhões, em 2010, “para suportar gastos e despesas do então presidente Lula”.

Diante disso, o ministro concluiu: “não diviso, ao menos por ora, nenhuma imbricação específica dos fatos descritos nos termos de colaboração com desvios de valores operados no âmbito da Petrobras”. Como não se pode acusar o ministro, e os que o acompanharam, de ingenuidade, a conclusão é de que eles se esqueceram da forma imbricada como a engenharia financeira da corrupção sempre funcionou. Tirou-se dinheiro de vários negócios com o governo, mas a Petrobras sempre foi ordenhada para financiar o esquema.

Várias investigações de corrupção no passado foram sepultadas por detalhes levantados pelos advogados para se requerer a nulidade das provas. Inúmeras manobras deram certo. O Brasil poderia estar bem mais adiantado na luta contra a corrupção, se os tribunais superiores não tivessem derrubado os processos por questiúnculas. O ex-senador Demóstenes está livre para se candidatar por uma dessas. O ministro Dias Toffoli suspendeu a inelegibilidade porque houve a nulidade da prova do processo contra ele. A prova foi considerada nula porque um juiz de primeira instância não poderia determinar uma escuta telefônica envolvendo um senador da República, já que ele tem foro privilegiado. Com esse argumento foram invalidadas as interceptações telefônicas das operações Vegas e Monte Carlo. O problema é que ninguém na primeira instância havia autorizado ouvir o senador. Os telefones que estavam sendo gravados eram os de Carlinhos Cachoeira e outros integrantes da quadrilha. O então senador é que tinha relação com eles e só por isso foi ouvido. Mas por este detalhe, as provas obtidas com o esforço de sempre dos investigadores foram anuladas, e o ex-senador poderá limpar sua ficha e se candidatar.
O risco nessa decisão da 2ª turma não é esse transporte de provas, é o que pode vir em consequência disso.

Coluna da Miriam Leitão - O Globo 
 

domingo, 25 de março de 2018

Todos por um



Se fim da prisão após segunda instância vale para um, valerá para mil?


 A garantia de liberdade para o ex-presidente Lula foi adiada por mais treze dias, porque os ministros do Supremo tinham pressa para pegar o avião, mas é só uma questão de tempo. Resultado do plenário não se arrisca de véspera, mas tudo indica que o habeas corpus será concedido em 4 de abril, livrando Lula da cadeia e abrindo a avenida que leva ao fim da prisão em segunda instância e a uma encruzilhada para a Lava Jato.
Em vez de esperar a boa notícia sentado, de camarote, Lula aproveita para fazer o que mais gosta: campanha eleitoral. Em Brasília, ministros do Supremo se estapeavam por causa do HC de Lula. No Sul, ele seguia em caravana e, apesar de alguns percalços e vaias, fingia que não era com ele. Provavelmente já sabendo que, fizesse sol ou chuva, a conclusão do julgamento no TRF-4, amanhã, não o levaria para cadeia.

A história, porém, não acaba aí. Toda essa tempestade sobre o STF é por causa de uma só condenação de Lula, mas o triplex do Guarujá é apenas a primeira ação contra o ex-presidente, que responde ainda pelo sítio de Atibaia (aquele que tem a cozinha igualzinha à do triplex), o Instituto Lula, a Zelotes e… o que mais? São tantas que a gente nem consegue lembrar. E tem mais: o front penal é um, o eleitoral é outro e Lula passa a ser tecnicamente ficha suja a partir de amanhã, confirmando que a sua candidatura à Presidência é pouco mais de uma ficção e que estará pronta para ser impugnada assim que registrada.
Dado o salvo conduto para Lula e os ministros atravessarem a Páscoa em paz e confirmada daqui a pouco a vitória dele no julgamento do mérito do HC, estarão dadas as condições para a votação, mais cedo ou mais tarde, de uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) que confirme a liberdade de Lula e a amplie para os demais condenados em segunda instância.  Vem aí uma enxurrada de HCs, mas o Supremo terá tempo para eles, já que o ato seguinte desse script será o fim do foro privilegiado no dia 26. A partir daí haverá uma movimentação frenética: no Supremo, os HCs salvadores, não da Pátria, mas de quem foi condenado por espoliá-la; nos Estados, deputados, senadores e ministros avaliando seus juízes. Eles são ou não da turma do Moro, do Bretas e do Vallisney?

Quem for do Paraná, do Rio e do DF reza pela manutenção do foro privilegiado. E quem não é? Deve ter muito político acendendo velas pelo contrário, para sair do Supremo e cair no seu habitat natural, onde ele costuma nadar bem mais à vontade. Vai virar uma loteria. Cada juiz uma sentença. Isso, porém, não é o fim, é só o começo. Vem a primeira instância, vem a segunda, fase crucial, a das provas. E aí? Aí, depende. Se mantido o atual entendimento do Supremo, o sujeito e a sujeita, se condenados, já poderão ser presos. Se esse entendimento mudar, como preveem o mundo político e o jurídico, não acontece nada. O (a) condenado (a) esperneia, culpa a imprensa, xinga a justiça, diz que é golpe e vai curtir a vida, livre, leve e solto (a), enquanto seus advogados vão em frente, por anos e anos, de recurso em recurso, até que o processo dê a volta ao mundo e acabe de volta ao lugar de partida, o Supremo. Só que… vinte anos depois.

Resumo da ópera: como já dito aqui, neste mesmo espaço, a combinação de fim da prisão em segunda instância e fim do foro privilegiado é explosiva. Até porque deverá haver uma explosão de fogos e de champanhe para os réus da Lava Jato. Uma festa, o melhor dos mundos. Por falar nisso, o fim do mundo será quando Collor virar candidato à Presidência e quando o ex-senador Luís Estevão entrar com um HC exigindo equiparação com o caso Lula. São casos diferentes, mas se o STF é camarada com um, por que não seria com os outros?

Eliane Cantanhêde 

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

A casta de toga

Nada mudou. A Liga da Justiça traja toga cinza. Austeridade, só para os demais.

No início de fevereiro, a revista "Isto é" festejou "o novo tom da justiça". Para a revista, "o Supremo não se dobra a pressões" e rejeita "acomodações". Posando com caras de durões e trajando capas, os Ministros foram retratados como heróis, membros da Liga da Justiça.

Na abertura do ano judiciário, 'Os Onze Supremos' foram recepcionados pela FRENTAS (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público). Os juízes e promotores não saudavam o estrelato de seus líderes. Estavam ali para pressionar, defender o seu. De lá para cá, a pressão só cresceu e, no final dessa semana, circularam rumores de que magistrados estariam dispostos a entrar em greve.  Não é a primeira vez que juízes pressionam o Supremo e ameaçam paralisar atividades. Fizeram o mesmo em 2000, ano da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da imposição de tetos salariais. Cortes e austeridade fiscal para todos, menos para os magistrados.

Nelson Jobim, em seu depoimento à História Oral do Supremo, desce aos detalhes, narrando peripécias de fazer inveja a Pedro Malasartes. Jobim manipulou pauta do Supremo, blefou, ameaçou, fez acordos com líderes do movimento grevista e muito mais. Tudo para escapar dos limites impostos pelo teto constitucional sem parecer que o Supremo cedera ao 'sindicato'. Para tanto, contou com a anuência do Presidente Fernando Henrique e fez tabelinha com o então Ministro Chefe da Casa Civil, Pedro Parente --a quem define como um 'craque' -- e com Gilmar Mendes, à época na Advocacia Geral da União.

Eis o resumo da ópera: "Aí você via as coisas mais malucas.(...) Tinha gratificação por... curso superior [risos]. Sabe disso? Tinha gratificação não sei do quê...,tinha o diabo de gratificação. (...) Eu absorvi tudo isso dentro do valor, então legalizei... E o Pedro Parente teve uma figura muito importante. (...) Todos aqueles penduricalhos que tinham, tudo ficou legalizado (...). Percebeu a lógica? Em vez de dizer que era ilegal, eu dizia que aquilo ali que tu recebeu passou a ser legalizado, porque passou a ser integrante do salário."

Não há quem não perceba a lógica. Jobim, Ministro do Supremo, guardião da Constituição, desenhou e implementou uma operação para 'legalizar' 'gratificações malucas'. Montou uma lavanderia, não de dinheiro, mas de penduricalhos. A operação foi longa e só se completou no governo Lula, em negociações diretas com o ministro Palocci e membros do STJ, para garantir que abono não fosse taxado. A íntegra do depoimento é de tirar o fôlego e vale o acesso ao portal do projeto. Assim, quando afirmam que não há nada de ilegal em seus contracheques, que seus salários acima do teto não ferem a lei, os juízes não estão faltando inteiramente com a verdade. Está tudo 'legalizado'.

Mas os magistrados voltaram a inventar novos 'adicionais malucos'. O para moradia, garantido por Luís Fux em 2014, é só um deles. Isto para não falar das ações cobrando dívidas e adicionais não pagos no passado. Por isto, os contracheques chegam à estratosfera. Tudo legal. Tudo decidido e autorizado pelo próprio judiciário que julga as ações que move contra o Estado.  A desculpa que recebem o que a lei autoriza é esfarrapada. A lei em questão fere lei maior. Os subterfúgios encontrados agora não passam de modos espertos de contornar a legislação em benefício próprio. São reedições da lavanderia do Jobim. Como observou Ribamar Oliveira (Valor, 8/02/2018), a Lei de Diretrizes Orçamentárias em vigor veda explicitamente o pagamento do auxílio-moradia para o agente público que possui imóvel no município em que exerce o cargo. Bretas, Moro e Gilmar Mendes e tantos outros, portanto, desrespeitam a lei. Simples assim.

Os magistrados estão dispostos a tudo para preservar e justificar seus privilégios
. O exemplo mais acabado ocorreu no início de 2016, significativamente, no Paraná. A Gazeta do Povo noticiou que juízes e promotores do estado recebiam salários acima do teto constitucional. A corporação recorreu à tática introduzida pela Igreja Universal: abrir processos individuais contra os jornalistas em 40 municípios espalhados pelo Estado. Eram citados em Curitiba em um dia, Maringá em outro e assim por diante, forçados a viajar pelo Estado para responder as citações, impedidos de trabalhar e arcando com os custos da defesa e as despesas dos deslocamentos. Que outra organização recorreria a uma estratégia tão requintada de vingança?

Ainda assim, em uma primeira decisão, a Ministra Rosa Weber não viu nada de errado na retaliação coletiva orquestrada pelos paranaenses. Demorou meses para se convencer do óbvio e acatar a medida cautelar do jornal.  O mais incrível é que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) não se deu por vencida e entrou com pedido para que a ministra revisse sua decisão, alegando que "não houve abuso do direito de ação por parte dos magistrados paranaenses, pelo simples motivo de que a Associação de Classe não tem legitimação para propor ação coletiva visando à obtenção de indenização que decorre da violação de direito personalíssimo (ofensa à honra e intimidade)." Quando a questão é garantir seus salários, os membros da casta se comportam como intocáveis.

Desde a aprovação da LRF, juízes e promotores defendem seus privilégios com voracidade incomum, sem respeito à ética e à lei. Nada justifica os privilégios com que contam e só querem fazer crescer. Austeridade, só para os outros. Pode faltar dinheiro para educação e para a saúde, mas não para o Judiciário.  Não por acaso, na Lava Jato, não é segredo, delações envolvendo os membros da Liga foram evitadas. Moro e Dallagnol sabem das retaliações de que seus pares seriam capazes, afinal moram no Paraná e, no frigir dos ovos, são beneficiários dos penduricalhos 'lavados' por Jobim. Os castos predam o erário que dizem defender.

Nada mudou. A Liga da Justiça traja toga cinza. Austeridade, só para os demais.



Fernando Limongi - Valor Econômico