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quinta-feira, 18 de agosto de 2022

República Democrática Alemã e outras “democracias”... - Adriano Marreiros

Não sei mais o que faço

Eu já fumei dez maços

Mandei tudo pro espaço

Agora eu só quero paz

Tchê Gomes e TNT 

O pior de tudo foi aquele abraço, naquela foto, naquele local, naquela ocasião e justo com aquele...  Realmente eu não esperava ver aquilo.  Pensava que era um garoto (já nem tanto), que como eu, até hoje comemorava a queda do Muro e que, mais que isso, que ele sabia pra que lado as pessoas tinham corrido quando ele caiu.  Aquele muro oficialmente chamado de Muro de Proteção Antifascista e tão antifascista quanto era democrática aquela Alemanha ou a “democracia” corintiana[1] que garantia a liberdade de todos concordarem com Sócrates e Wladimir.

Não sabia que ele era um desses “democratas” “antifascistas”.  Pensava que ele era um dos sem aspas.  Fiquei chocado...

Fico aqui pensando: como tem gente crédula.  E pior: gente que se faz de crédula... Agora também serei.  Veja:

A Alemanha Oriental era muito democrática: bastava  obedecer e não tentar fugir.

Vontade popular é aquilo que é mais protegido lá na República Popular.

Atos democráticos são aqueles que quebram tudo e atacam a Polícia.

Censura é um meio de garantir a liberdade de expressão.

Liberdade de religião é poder professar livremente seu credo desde que apenas  dentro do templo, quando abrir for autorizado e desde que o discurso religioso não discorde da ideologia...

E defender a “democracia” exige que se contrarie a maioria, pois ela não é o Povo de quem emana o poder.  O povo é só aquele referido no “popular” lá de cima, vivendo da “democracia” citada um pouco mais acima.

E Sociedade: só se for a civil organizada.  Organizada por quem? Por... ELES....  A desorganizada não.  Ela não é sociedade: é milícia...

E Direito? É quando vejo uma ementa com um texto tão estranho que acho que é meme: e não é...

Mas deixando a credulidade e voltando à realidade: o pior mesmo foi ver aquele abraço naquela foto, naquele local, naquela ocasião e justo com aquele...  Realmente eu não esperava ver aquilo. 

Hein?! Havia coisas muito piores ali?!  Talvez,  mas essas: eu já esperava...

Já que você quis assim, tudo bem

Cada um pro seu lado, a vida é isso mesmo

(...)

Espero que seja feliz

No seu novo caminho

Tim Maia

O autor é mestre em Direito, membro do Movimento Contra a Impunidade (MCI) e do Ministério Público Pró Sociedade (MP Pró Sociedade), autor de “2020 D.C., Esquerdistas Culposos e Outras Assombrações” e de “Hierarquia e Disciplina são Garantias Constitucionais”.

Tribuna Diária - Portal da Publicação original   

 

sábado, 29 de janeiro de 2022

O LUGAR VAGO A QUE PUTIN SE CANDIDATA - Fernão Lara Mesquita

Não é de hoje a decepção dos fugidos do totalitarismo com a constatação da negação, pelo Ocidente que seus reformadores admiravam, dos fundamentos da sua própria cultura humanística.

Desde a Queda do Muro, já lá vão 33 anos, eles vêm constatando, com a reiterada surpresa de quem viveu acordado o pesadelo com que os outros estão apenas sonhando, que as trajetórias desses dois lados do mundo andam invertidas, com cada lado caminhando para o lugar que o outro ocupava.

Agora o movimento de “roque”, como no xadrez, está completo. Na visão do ex-chefe da polícia política soviética e presidente eterno da Russia, Vladimir Putin, “neste momento em que o mundo atravessa uma fase de disrrupção estrutural, a importância de um conservadorismo baseado na razão é cada vez mais urgentemente necessário, precisamente porque os riscos e perigos vêm se multiplicando tanto quanto a fragilidade de tudo à nossa volta”(…) 

“Todo poder, se quiser ser grande, tem de apoiar-se num conjunto de ideias que apontem para o futuro. E quando essa ideia se perde, o poder deixa de ser grande ou simplesmente se desintegra. Isso aconteceu com Roma e com a Espanha do século 17. Aconteceu também com a União Soviética quando a idéia do comunismo que a sustentava se perdeu. Ela era falsa, mas estava lá. Isso aconteceu com as potências europeias que ficaram cansadas e abandonaram suas ideias em favor de um pan-europeísmo que ainda os empurrou para frente por um tempo mas também se está esfarelando”.

Vladimir Putin candidata-se ao lugar vago.

Ele acredita que se for capaz de delinear uma ideologia conservadora consistente a Russia pode transformar-se num modelo e num polo de atração não só para os países da antiga União Soviética que têm eleito governos conservadores, como a Hungria e a Polônia, mas até para as forças conservadoras da Europa e dos próprios Estados Unidos.

“O liberalismo progressista (que é como a esquerda americana chama a si mesmo) apoia proibições na sua estrutura ideológica. Não está aberto às instituições e políticas que não se alinhem com os seus instintos. Cada vez mais restringe o espaço de manobra dessas correntes, estejam onde estiverem, dos direitos dos pais ao conceito de soberania. É abertamente hostil até mesmo a princípios fundamentais do liberalismo tais como a liberdade de expressão. Tem se voltado até mesmo contra a vontade expressa dos eleitores em eleições e referendos”.

Ironicamente o mundo está prestes a entrar, portanto, numa nova Guerra Fria com papéis invertidos com o Ocidente carregando a bandeira do liberal-progressismo-comunista e a Russia a do conservadorismo.

Clube de Discussões Valdai é um thinktank criado pelo próprio Putin em 2004, que patrocina anualmente o Forum Econômico Internacional de S. Petersburgo em Vladivostok. 

Seguem, abaixo, extratos do seu discurso na edição de outubro de 2021:

“(…) a crise que estamos enfrentando é conceitual e até, mais que isso, civilizatória. Uma crise dos princípios que regem a própria existência humana na Terra (…) vivemos num estado de permanente inconstância, de imprevisibilidade, uma infindável transição (…) enfrentamos mudanças sistemáticas vindas de todas as direções – da cada vez mais complicada condição geofísica do planeta até às mais paradoxais interpretações do que é ser humano e quais as razões de nossa existência”…

“As mudanças climáticas e a degradação ambiental são tão obvias que mesmo as pessoas mais desatentas não podem mais ignorá-las. Alguma coisa tem de ser feita (…) e qualquer desavença geopolítica, científica ou técnica perde o sentido num quadro em que os vencedores não terão água para beber ou ar para respirar (…) nós temos de rever as prioridades de todos os estados”.

“(…) o modelo atual de capitalismo não oferece solução para o crescimento da desigualdade (…) em toda a parte, mesmo nos países mais ricos a distribuição desigual da renda está exacerbando as diferenças (…) os países mais atrasados sentem essa diferença agudamente e estão perdendo a esperança de se aproximar dos mais adiantados. E a desesperança engendra as agressões e empurra as pessoas para os extremos” (…) 

“O fato de sociedades inteiras e gente jovem em diversos países ter reagido agressivamente às medidas de combate ao coronavirus mostrou que a pandemia foi só um pretexto: as causas dessa irritabilidade toda são muito mais profundas, e por isso a pandemia transformou-se em mais um fator de divisão em vez de levar à união”.

“Mas a pandemia também mostrou claramente que a ordem internacional ainda gira em torno dos estados nacionais (…) as super plataformas digitais não conseguiram usurpar a politica e as funções do Estado (…) pesadas multas começam a ser-lhes impostas e as medidas anti-monopólio estão no forno (…) somente estados soberanos podem responder efetivamente aos desafios do tempo e às demandas dos cidadãos (…) quando as crises verdadeiras se desencadeiam só um valor universal fica de pé, a vida humana. E cada Estado decide, com base em suas habilidades, suas condições, sua cultura e suas tradições, qual a melhor maneira de protege-la”.

“O Estado e a sociedade nunca deve responder com radicalismo ou com a destruição de sistemas tradicionais às mudanças de qualidade na tecnologia ou no meio ambiente. É muito mais fácil destruir do que criar. Nós, aqui na Russia, sabemos amargamente disso. Os exemplos da nossa historia nos autorizam a afirmar que as revoluções não são um meio para resolver crises; elas só as agravam. Nenhuma revolução vale o dano que produz nas capacidades humanas”.

“Os advogados do auto-proclamado ‘progresso social’ acreditam que estão empurrando a humanidade para um nível de conscientização novo e melhor. Não ha nada de novo nisso. A Russia já esteve lá. Depois da revolução de 1917 os bolchevistas também diziam que iam mudar todos os comportamentos e costumes, a própria noção de moralidade e os fundamentos de uma sociedade saudável. A destruição de valores solidamente estabelecidos e das relações entre as pessoas até o limite da completa destruição da família, o encorajamento para que as pessoas denunciassem seus entes queridos, tudo isso foi saudado como progresso e amplamente festejado mundo afora” (…) 

“Olhando o que está acontecendo no Ocidente fico embasbacado de ver de volta as práticas que eu espero que nós tenhamos abandonado para sempre num passado distante. A luta pela igualdade e contra a discriminação transformou-se numa forma agressiva de dogmatismo que beira o absurdo (…) Manifestar-se contra o racismo é uma causa nobre e necessária mas essa nova ‘cultura de cancelamento’ transformou-se numa discriminação reversa que não é mais que racismo pelo avesso. A ênfase obsessiva na raça está dividindo cada vez mais as pessoas (…) o contrário do sonho de Martin Luther King”. 

“O debate em torno dos direitos do homem e da mulher, então, transformou-se numa perfeita fantasmagoria (…) e crianças pequenas, sendo ensinadas à revelia de seus pais, que meninos podem se transformar em meninas e vice-versa sem problema nenhum (…) Com o mundo de disrrupção em disrrupção a importância de um conservadorismo racional é fundamental (…) confiar em tradições testadas pelo tempo, um alinhamento preciso das prioridades, relacionar as necessidades com as possibilidades, estabelecer metas prudentes e, principalmente, rejeitar o extremismo como método (…) Para nós, russos, estes não são postulados especulativos mas lições da nossa trágica história. O custo de experiências sociais doentiamente concebidas é impossível de ser pago. Essas ações não destroem apenas bens materiais mas principalmente os fundamentos espirituais da existência humana, deixando atras de si um naufrágio moral onde nada pode ser reconstruído por muito, muito tempo”.

“É claro que ninguém tem receitas prontas. Mas eu me arrisco a dizer que nosso país tem uma vantagem (…) nossa sociedade desenvolveu uma imunidade de rebanho ao extremismo que pavimenta o caminho para a reconstrução depois do cataclismo socioeconômico (…) O nosso é um conservadorismo otimista, que é o que mais importa. Nós acreditamos que o desenvolvimento estável e continuado é possível. Tudo depende estritamente dos nossos próprios esforços”.

“Obrigado por sua paciência”.

 O Vespeiro - Fernão Lara Mesquita