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sábado, 20 de abril de 2019

Autoritarismo e ignorância

O ódio se transformou em política de estado. A ignorância se metamorfoseou em mérito. A ameaça virou moeda. É a barbárie do extremismo direitista


O fantasma do autoritarismo ronda novamente o Brasil. Desta vez, por paradoxal que pareça, em plena vigência da mais democrática das constituições brasileiras, a de 1988. Os sinais são evidentes. Tudo começou com o processo de desmoralização das instituições do estado democrático de direito pelo PT. Foram estendidos ao limite os liames institucionais. A tomada do aparelho de estado pelo petismo não encontra paralelo na nossa história. Estabeleceu o saque organizado da coisa pública, socializando os ganhos com os partidos que davam sustentação ao projeto criminoso de poder. Esse foi o ponto máximo do socialismo petista: a divisão — desproporcional, claro — do butim oriundo do erário.

A permanência desse processo por mais de uma década e a revelação do modus operandi
por meio, principalmente, da operação Lava Jato, permitiu, de um lado, corromper toda a estrutura estatal. Pela primeira vez na nossa história, um projeto de poder se espalhou por todas as esferas do Executivo e alcançou até o Judiciário. Esta solidez foi abalada pela ganância da máquina petista. Foram com muita sede ao pote — além de prejudicar antigos esquemas de corrupção. A volúpia acabou levando os camaradas ao desastre.

Por outro lado, acabou revelando a pobreza ideológica das lideranças do campo antipetista. Tudo se resumiu, especialmente no biênio 2015-2016, em denunciar as mazelas da dupla Lula-Dilma. Nada mais que isso. Dos movimentos pelo impeachment nasceram líderes, com raras exceções, identificados com o extremismo político. E do campo empresarial — que já teve como líder Roberto Simonsen, autor de “História Econômica do Brasil” — surgiram gestores que mal conseguem articular uma tuitada. São liberais dignos de uma ópera bufa, proxenetas ideológicos, néscios modernos.

Assim como no futebol, o vazio é ocupado. No nosso caso foi pelo extremismo direitista. O ódio se transformou em política de estado. A ignorância se metamorfoseou em mérito. Quanto mais ignorante, melhor. Transplantaram para o Brasil ideologias exóticas produzidas pelos reacionários americanos. As instituições democráticas passaram a ser vilipendiadas. O direito à alteridade foi negado. A ameaça virou moeda rotineira dos embates políticos. Utilizam-se da injúria. Usam palavras de baixo calão como conceitos sociológicos. É a barbárie institucionalizada. Ameaçam tomar completamente o poder. Ainda é tempo de reagir.


Marco Antonio Villa -  IstoÉ

domingo, 25 de junho de 2017

O debate eterno

O Brasil se afligia com a certeza de que havia ficado para trás e era preciso ter um projeto para o crescimento econômico. Nesse momento, duas ideias se opuseram. De um lado, a proposta de planejamento central, crescimento liderado pelo Estado, câmaras setoriais e fechamento comercial. De outro, a busca do equilíbrio fiscal, combate à inflação e defesa da concorrência.

A sensação que se tem ao ler o primeiro capítulo do novo livro de André Lara Resende é de que o Brasil ficou preso no debate econômico de 1944, que opôs duas mentes brilhantes: Roberto Simonsen e Eugênio Gudin. As teses que se desafiaram parecem ainda presentes. Revisitar a controvérsia é de certa forma entender o Brasil e seus descaminhos.
Eram dois engenheiros, os líderes dessa discussão econômica seminal do Brasil. Simonsen, da Politécnica de São Paulo, Gudin, da Politécnica do Rio. Simonsen era empresário e historiador econômico. Gudin virou catedrático da Faculdade de Ciências Econômicas na especialidade de moeda e crédito. Não havia dúvida entre eles sobre o atraso do Brasil, a diferença era no caminho a seguir.

Simonsen fez um projeto dentro do Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial. “Para reverter o quadro de estagnação e pobreza, Simonsen propunha ‘quadruplicar a renda nacional dentro do menor prazo possível’, através de um ‘gigantesco esforço, de uma verdadeira mobilização nacional, numa guerra ao pauperismo, para elevar rapidamente o padrão de vida', sem o que estaríamos ‘irremediavelmente condenados, em futuro próximo, a profundas intranquilidades sociais”, relata André. Ao escrever o capítulo “Linhas mestras: Gudin e Simonsen”, ele revisitou os documentos originais do debate. Para Simonsen, o esforço de industrialização tinha que ser liderado pelo Estado em estreito contato com as lideranças empresariais, partindo da “planificação da industrialização e de uma nova estruturação econômica”. Esse crescimento seria financiado por empréstimos internacionais para suprir a falta de poupança nacional. E seriam adotadas barreiras alfandegárias para impedir que a competição externa inviabilizasse a produção local.

Gudin em sua resposta mostrou erros técnicos no cálculo feito sobre a renda nacional, na qual havia se baseado a proposta de quadruplicá-la. Criticou o planejamento centralizado como sendo próprio do comunismo ou fascismo. Disse que o Brasil já era bastante estatizado e alertou que nas empresas estatais haveria interferência política. Recomendava inclusive que, ao fim da guerra, as empresas estatais voltassem às mãos privadas porque, como relata André, na visão de Gudin “a função do Estado é a de estabelecer as regras do jogo e não a de jogar”. André lembra que Gudin foi “caricaturado como um liberal radical”, mas sua proposta não era a do Estado mínimo, mas a do Estado regulador e criador das condições para o progresso econômico, com medidas legislativas e administrativas. “Gudin tinha clara noção da distinção entre o livre mercado e mercado competitivo que, até hoje, muitos dos defensores do liberalismo parecem desconhecer.” 

Defendia inclusive a criação de órgão para prevenir o abuso econômico.  A inflação brasileira estava em dois dígitos e logo chegaria a 20%, mas não era preocupação de Simonsen. Gudin dizia que a inflação era um imposto injusto que beneficiava um pequeno grupo e jogava milhões na miséria. “Não há plano econômico possível no regime de desordenada inflação.”
“Tanto a desconsideração pela restrição orçamentária do Estado, quanto a incompreensão dos problemas causados pela inflação, evidentes na proposta de Simonsen, tiveram uma longa sobrevida no nacional-desenvolvimentismo brasileiro. A preocupação com a estabilidade monetária e com o equilíbrio fiscal tornou-se exclusividade dos liberais e foi, automaticamente, tomada como sinal de conservadorismo”, escreve André.

Gudin errou quando comandou a economia por um breve período no governo Café Filho. Ficou conhecido como um “tecnocrata conservador”, e Roberto Simonsen como um “patriota progressista”. André conclui que as duas linhas mestras entraram na genética brasileira, que há um erro na avaliação de ambos pela história, e que foi Gudin o vencedor do debate.
Fonte: Blog da Miriam Leitão, com Alvaro Gribel, de São Paulo