O Brasil se afligia com a certeza de que havia ficado para trás e era
preciso ter um projeto para o crescimento econômico. Nesse momento,
duas ideias se opuseram. De um lado, a proposta de planejamento central,
crescimento liderado pelo Estado, câmaras setoriais e fechamento
comercial. De outro, a busca do equilíbrio fiscal, combate à inflação e
defesa da concorrência.
A sensação que se tem ao ler o primeiro capítulo do novo livro de
André Lara Resende é de que o Brasil ficou preso no debate econômico de
1944, que opôs duas mentes brilhantes: Roberto Simonsen e Eugênio Gudin.
As teses que se desafiaram parecem ainda presentes. Revisitar a
controvérsia é de certa forma entender o Brasil e seus descaminhos.
Eram dois engenheiros, os líderes dessa discussão econômica seminal
do Brasil. Simonsen, da Politécnica de São Paulo, Gudin, da Politécnica
do Rio. Simonsen era empresário e historiador econômico. Gudin virou
catedrático da Faculdade de Ciências Econômicas na especialidade de
moeda e crédito. Não havia dúvida entre eles sobre o atraso do Brasil, a
diferença era no caminho a seguir.
Simonsen fez um projeto dentro do Conselho Nacional de Política
Industrial e Comercial. “Para reverter o quadro de estagnação e pobreza,
Simonsen propunha ‘quadruplicar a renda nacional dentro do menor prazo
possível’, através de um ‘gigantesco esforço, de uma verdadeira
mobilização nacional, numa guerra ao pauperismo, para elevar rapidamente
o padrão de vida', sem o que estaríamos ‘irremediavelmente condenados,
em futuro próximo, a profundas intranquilidades sociais”, relata André.
Ao escrever o capítulo “Linhas mestras: Gudin e Simonsen”, ele revisitou
os documentos originais do debate. Para Simonsen, o esforço de
industrialização tinha que ser liderado pelo Estado em estreito contato
com as lideranças empresariais, partindo da “planificação da
industrialização e de uma nova estruturação econômica”. Esse crescimento
seria financiado por empréstimos internacionais para suprir a falta de
poupança nacional. E seriam adotadas barreiras alfandegárias para
impedir que a competição externa inviabilizasse a produção local.
Gudin em sua resposta mostrou erros técnicos no cálculo feito sobre a
renda nacional, na qual havia se baseado a proposta de quadruplicá-la.
Criticou o planejamento centralizado como sendo próprio do comunismo ou
fascismo. Disse que o Brasil já era bastante estatizado e alertou que
nas empresas estatais haveria interferência política. Recomendava
inclusive que, ao fim da guerra, as empresas estatais voltassem às mãos
privadas porque, como relata André, na visão de Gudin “a função do
Estado é a de estabelecer as regras do jogo e não a de jogar”. André
lembra que Gudin foi “caricaturado como um liberal radical”, mas sua
proposta não era a do Estado mínimo, mas a do Estado regulador e criador
das condições para o progresso econômico, com medidas legislativas e
administrativas. “Gudin tinha clara noção da distinção entre o livre
mercado e mercado competitivo que, até hoje, muitos dos defensores do
liberalismo parecem desconhecer.”
Defendia inclusive a criação de órgão
para prevenir o abuso econômico. A inflação brasileira estava em dois dígitos e logo chegaria a 20%,
mas não era preocupação de Simonsen. Gudin dizia que a inflação era um
imposto injusto que beneficiava um pequeno grupo e jogava milhões na
miséria. “Não há plano econômico possível no regime de desordenada
inflação.”
“Tanto a desconsideração pela restrição orçamentária do Estado,
quanto a incompreensão dos problemas causados pela inflação, evidentes
na proposta de Simonsen, tiveram uma longa sobrevida no
nacional-desenvolvimentismo brasileiro. A preocupação com a estabilidade
monetária e com o equilíbrio fiscal tornou-se exclusividade dos
liberais e foi, automaticamente, tomada como sinal de conservadorismo”,
escreve André.
Gudin errou quando comandou a economia por um breve período no
governo Café Filho. Ficou conhecido como um “tecnocrata conservador”, e
Roberto Simonsen como um “patriota progressista”. André conclui que as
duas linhas mestras entraram na genética brasileira, que há um erro na
avaliação de ambos pela história, e que foi Gudin o vencedor do debate.
Fonte: Blog da Miriam Leitão, com Alvaro Gribel, de São Paulo
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domingo, 25 de junho de 2017
O debate eterno
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