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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Dresden, 75 anos: o holocausto alemão de que não é bom falar - Munidialista - VEJA



Por Vilma Gryzinski

O bombardeio incendiário da cidade foi feito pelo “lado do bem” durante a II Guerra, mas as questões morais continuam as mesmas: vale tudo na guerra?

 
Bombardeio de Dresden, em 1945
Bombardeio de Dresden, em 1945 Ullstein Bild/Getty Images [bombardeio com bombas incendiárias e explosivos efetuado pelas forças aliadas - Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e outros- contra a população civil.]

No dia 14 de fevereiro de 1945,  já havia uns 30 mil alemães incinerados vivos em Dresden. Ou 50 mil? Até hoje não se sabe o número certo. Outros tantos ainda iam morrer no dia seguinte. De 13 a 15 daquele mês, a cidade histórica seria literalmente derrubada pelas bombas e os incêndios subsequentes. Foram 2.400 toneladas de explosivos e 1.200 de bombas incendiárias. A perversidade monstruosa,inclusive a libertação dos campos de extermínio, da barbárie nazista, com a intransponível contradição de ter sido cometida por uma país altissimamente civilizado e culto, as feridas são inevitavelmente reabertas.  Mais difícil e moralmente complicado é tratar do que talvez tenha sido a mais brutal ação das forças aliadas cometida na Europa. Dresden é uma chaga na consciência dos que não aceitam respostas fáceis.
E como é fácil encontrar argumentos, se não fáceis, dignos de consideração: o inimigo era o nazismo, a Alemanha tinha iniciado a hedionda “guerra total”, sem diferenciar entre combatentes e civis. 

Stálin exigia os bombardeios, já que o desembarque aliado pela França ainda estava apenas nos planos, para “amaciar” os alemães diante do inexorável avanço do Exército Vermelho, que culminaria com a queda de Berlim, em 2 de maio daquele ano. Isso tinha sido decidido apenas semanas antes, na conferência de Ialta, entre Franklin Roosevelt, Winston Churchill e o próprio Stálin.
Apenas cinco anos antes, era a Alemanha a agressora de civis inocentes. Faltava só a Inglaterra para ter o domínio total da Europa. Chegou perto disso. 
Entre setembro de 1940 e maio de 1941, fábricas, indústrias, instalações militares e alvos que deveriam ser preservados, incluindo o Parlamento e patrimônios culturais como a catedral de Coventry, foram bombardeados.

Cerca de 40 mil pessoas morreram na Blitz. Por causa disso, prevaleceu a versão de que Churchill autorizou o bombardeio de Dresden – primeiro foram os ingleses, depois os americanos – como uma espécie de vingança. É uma explicação simplista para os horrores da guerra. Resumidamente, segundo o historiador Chris Harmon, Chuchill não era muito inclinado ao bombardeio em massa de áreas civis, mas começou a entender sua tétrica necessidade depois de ver como os ataques aéreos alemães devastaram Varsóvia e Roterdã”.
Harmon escreveu um livro sobre o tema, intitulado Nós Somos Feras?.

As feras estavam soltas, dentro do complicado quadro acima resumido, na Operação Trovoada. Os heróicos pilotos da Royal Air Force, os mocinhos, os ases do lado bom da força, fizeram o que se esperava deles.
Uma das descrições mais torturantes foi feita por um inglês, um prisioneiro de guerra chamado Victor Gregg.  Em 13 de fevereiro, em sua cela num campo de trabalhos forçados ao lado de Dresden, ele viu “o dia virar noite. Os traçadores e depois as bombas de fósforo começaram a cair. Uma parede da prisão desmoronou, Gregg tentou fugir. 

Os sobreviventes estavam fazendo a mesma coisa. A cidade estava coalhada de corpos humanos, muitos “encolhidos” para menos de 1 metro pelo calor. Abaixo de 3 anos, as crianças haviam simplesmente evaporado. Era como uma Hiroshima sem a parte nuclear.
Ao todo, 6,5 quilômetros quadrados da área central da linda cidade alemã foram destruídos, prédios com estruturas de madeira simplesmente desmoronando. As pessoas eram incineradas vivas.  Em muitos abrigos antiaéreos transformados em câmaras de morte, o calor infernal deixou apenas ossos, trapos de roupas e camadas líquidas de gordura derretida de corpos humanos.  Convocado, sob ameaça de arma, a entrar para uma equipe de resgate alemã, Victor Gregg continuou a ver cenas dantescas. “O horror gravado a fogo na minha memória, impossível de ser apagado. Até hoje me desperta à noite”, relatou Gregg – 100 anos completados em outubro.

Os alemães não votaram em Hitler, apoiaram em grande maioria a guerra, ignoraram o genocídio dos judeus, celebraram o domínio torturante sobre tantos países europeus? Não mereciam isso tudo? Não foram eles que provocaram isso para si mesmos?  É dever moral de todos nós, mesmo 75 anos, responder.
Curiosamente, em especial na Inglaterra, políticos da direita tradicional argumentam até hoje em favor do bombardeio de Dresden.  Vencer o nazismo era tão mais importante do que tudo, mais até que as considerações morais básicas, que nenhum recurso podia ser evitado (Dresden, evidentemente, não foi a única cidade alemã reduzida a ruínas).

Na Alemanha, a direita mais à direita chama Dresden de Holocausto alemão.
É uma expressão pesada, até ofensiva aos judeus que defendem o caráter único, sem parâmetros, do genocídio industrial conduzido pelos nazistas. Em hebraico, Shoá.
As pilhas e mais pilhas de corpos deformados levados para a incineração depois do grande fogo que caiu do céu em fevereiro de 1945 evocam, quase insanamente, as vítimas dos campos de extermínio.  Talvez o que aconteceu em Dresden possa ser chamado apenas de holocausto, com minúscula. 
Mas aconteceu e não pode ser ignorado, mesmo que isso provoque constrangimento e questionamentos morais. Nem 75 anos depois.

Blog Mundialista - Vilma Gryzinski, jornalista - VEJA

 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

O mundo é redondo - Nas entrelinhas

“As exportações pelos estados setentrionais do Brasil tendem a crescer regularmente, com a ferrovia norte-sul e o chamado Arco Norte, incluindo portos da Bahia, de Pernambuco, do Maranhão e do Amazonas”

Em 12 de abril de 1961, a bordo da Vostok 1, Yuri Gagarin se tornou o primeiro homem a ser lançado no espaço. A nave media apenas 4,4 metros de comprimento por 2,4m de diâmetro, e pesava 4.725 quilos, com dois módulos, um para acomodar os equipamentos e tanque de combustível, e o outro era a cápsula onde o cosmonauta realizou a proeza de ser o primeiro humano a ver que o nosso planeta é redondo: “A Terra é azul! Como é maravilhosa. Ela é incrível!”, exclamou Gagarin, durante a única volta que deu em órbita. Aos 27 anos, ele havia sido selecionado entre 19 pilotos submetidos a testes físicos e psicológicos rigorosíssimos. Tinha somente 1,57m de altura e pesava 69kg, ou seja, seu porte físico acabou sendo um diferencial para a seleção, como acontece com submarinistas e jóqueis.

Quando entrou na nave, fez um comentário como se fosse o último: “Em poucos minutos, possivelmente, uma nave espacial irá me levar para o espaço sideral. O que posso dizer sobre estes últimos minutos? Toda a minha vida parece se condensar neste momento único e belo. Tudo o que eu fiz e vivi foi para isso!” Naquele mesmo ano, ainda criança, levado por minha mãe ao Monumento dos Pracinhas, no Rio de Janeiro, tive a oportunidade de ver o Gagarin. A imagem que trago na memória não é a do seu porte físico, é a da multidão, e não a do seu sorriso cativante, que aparece em todas as fotos, classificado pelo poeta russo Evguêni Evtuchenko (1932-2017) como o mais bonito do mundo.

Isso é conversa de comunista, dirão os terraplanistas, numa dupla demonstração de ignorância: Evtuchenko e o então presidente da Rússia, Boris Yeltsin, lideraram os protestos que resultaram no fim da União Soviética e do chamado “socialismo real” no Leste Europeu. Não morra antes de morrer, seu livro em prosa publicado no Brasil pela Record, em 1999, relata a crise que levou ao colapso o sistema soviético, depois do sequestro de Mikhail Gorbatchov pelos militares, que tentaram dar um golpe de Estado contra a perestroica. Foi um tiro pela culatra. Seu poema Babi Yar, nome de um desfiladeiro nas imediações de Kiev, que relata o massacre de 35 mil judeus peCazaquistãolos nazistas, em setembro de 1941, serviu de inspiração para a 13ª Sinfonia de Chostakóvitch, cuja força lírica também foi uma crítica ao antissemitismo soviético.

O voo de Gagarin durou exatos 108 minutos, a uma altura de 315km a partir da superfície, em uma velocidade de 28 mil km/h. O cosmonauta se manteve em contato com a Terra por rádio e telégrafo. Na volta ao planeta, os cientistas soviéticos erraram o cálculo da trajetória de aterrissagem da nave, fazendo com que Gagarin caísse no Cazaquistão — a mais de 320km do local previsto. Depois da aterrissagem, sozinho, precisou esperar que a equipe o resgatasse. O erro acabou sendo mais uma prova do sucesso pleno da primeira missão espacial humana.

Lembrei-me de Gagarin por causa de um vídeo do físico norte-americano Carl Sagan, que circulou nas redes às vésperas do ano novo, numa dessas recidivas virais da internet, pois trata-se de um programa de tevê de 1980, de divulgação científica, intitulado Cosmos. O físico morreu em 1996, aos 62 anos. Nele, explica como alguns gregos antigos já haviam descoberto, através da simples observação, que a Terra é uma esfera. Eratóstenes, um estudioso grego, que dirigiu a famosa Biblioteca de Alexandria, viveu entre os anos de 276 a.C. e 195 a.C. Utilizando apenas “varas, olhos, pés, cérebro e o prazer de experimentar”, observou a sombra de duas colunas, uma colocada em Siena e outra em Alexandria, ambas no Egito.

Complexidade
Ele notou que em Siena, no dia do solstício de verão, ao meio-dia, o Sol ficava em seu ponto mais alto e a coluna lá instalada não projetava nenhuma sombra. Diferente daquela de Alexandria, que produzia uma pequena mancha no chão. Sagan explica então que, se a Terra fosse achatada, ambas estruturas produziriam sombras iguais. Mas, como o planeta é esférico, o sombreamento varia. Sagan mostra como o estudioso descobriu a angulagem entre as duas colunas a partir de suas sombras. O valor aproximado foi de sete graus. Com esse valor em mãos, o matemático fez um cálculo de equivalência, já que sabia a distância entre as duas cidades: quase 800 quilômetros. Fazendo as contas, ele chegou à medida de 40 mil quilômetros como a circunferência do planeta. Errou aproximadamente por 75 quilômetros, distância 4,4 vezes menor do que o erro de cálculo sobre o local de aterrissagem de Gagarin.


Ontem, ao se despedir como comentarista da Folha de S. Paulo, o historiador Luiz Felipe de Alencastro, professor da Universidade de Paris — Sorbonne e da Fundação Getulio Vargas, chamava a atenção para a força gravitacional da economia chinesa sobre os eixos de logística e territoriais brasileiros. Ao reduzir de 48 para 35 dias a viagem entre os portos do nordeste da China e Roterdã, a navegação comercial entre a Europa e o Extremo Oriente pelo Oceano Ártico, iniciada em 2013, levou à modernização do Canal de Suez (2015) e do Canal do Panamá (2016). Por essa razão, as exportações pelos estados setentrionais do Brasil tendem a crescer regularmente, sobretudo quando for concluída a ferrovia norte-sul e o chamado Arco Norte, incluindo portos fluviais e marítimos da Bahia, de Pernambuco, do Maranhão e do Amazonas.

“Pela primeira vez, desde a criação do Estado do Grão Pará e Maranhão, concebido em 1621 como entidade autônoma da América Portuguesa, no contexto da política filipina envolvendo as quatro partes do mundo, o comércio externo, e, essencialmente, o comércio marítimo, rearticula a geografia econômica da totalidade do território nacional”, destaca Alencastro. Detalhe: desde a circunavegação do globo por Fernão de Magalhães, já se sabia que a Terra é redonda e interligada pelos oceanos. Há duas consequências práticas do deslocamento do eixo do nosso comércio do Ocidente para o Oriente: primeiro, a relação comercial do Brasil com a China, que já é o nosso principal parceiro comercial, aumentará ainda mais de importância; segundo, como resultado, pode haver mais apreciação do câmbio, aumento das importações de bens industriais e desindustrialização. Ou seja, o Brasil precisa de uma política de comércio exterior que aumente a complexidade da nossa economia, isto é, a diversidade e a sofisticação da estrutura produtiva brasileira.

 Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense


domingo, 12 de março de 2017

Presidente turco acusa Holanda de ser um “resquício do nazismo”

Recep Erdogan acusou a Holanda de ser um "resquício do nazismo e do fascismo" após um de seus ministros ser proibido de pousar seu avião no país.

O presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan acusou a Holanda de ser um “remanescente do nazismo” e do fascismo após um de seus ministros, Mevlüt Cavusoglu, ser proibido de pousar o avião no país.

Cavusoglu devia participar, em Roterdã, de um comício para conseguir o apoio de milhares de imigrantes turco e turco-holandeses para um referendo que se realizará na Turquia no próximo mês e pretende dar maior apoio constitucional ao presidente Erdogan. Contudo, o evento foi proibido por medidas de segurança e o avião, impedido de pousar na Holanda.

Durante um evento público em Istambul, neste sábado, Erdogan comparou o governo holandês aos nazistas. “Eles não sabem nada de política ou diplomacia internacional. São remanescentes nazistas e fascistas”, afirmou, de acordo com a rede americana CNN. O primeiro-ministro holandês Mark Rutte confirmou no Facebook que o avião que carregava Cavusoglu foi proibido de pousar. A preocupação, de acordo com ele, é que a presença do ministro turco interrompa a ordem pública.

“Vamos impor sanções pesadas à Holanda se a visita for bloqueada”, disse Cavusoglu antes da viagem. O ministro holandês das Relações Exteriorizes, Bert Koenders, havia dito que seu país não facilitaria a vinda do ministro turco: “Não vamos participar de uma visita para conduzir uma campanha política para um referendo, (…) portanto não vamos cooperar”, disse.

Atritos diplomáticos
Os holandeses terão uma eleição nacional na quarta-feira na qual o sentimento anti-imigração teve um papel proeminente, e o candidato nacionalista Geert Wilders classificou Erdogan como um ditador. Na manhã deste sábado Cavusoglu havia dito que iria voar à cidade holandesa de qualquer maneira e acusou os holandeses de tratarem cidadãos turcos no país como “reféns”.

“Eu os enviei para que eles pudessem contribuir para a sua economia… eles não são seus cativos”, afirmou ele à CNN Turquia. “Se minha ida irá aumentar as tensões, que seja. Que estrago minha ida fará neles? Sou um ministro das Relações Exteriores e posso ir para onde quiser”, disse antes de a Holanda impedir seu voo. Cavusoglu havia ameaçado com sanções econômicas e políticas severas se os holandeses recusassem sua entrada, uma postura que se mostrou decisiva para Amsterdã. O governo citou preocupações com a ordem e a segurança ao retirar a autorização de pouso do voo de Cavusoglu, mas disse que a ameaça de sanções tornou a busca por uma solução equilibrada impossível.

O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, disse que, embora a Holanda e a Turquia possam procurar “uma solução aceitável”, Ancara não está respeitando as regras no tocante a reuniões públicas.  “Muitos holandeses de origem turca estão autorizados a votar no referendo sobre a constituição turca. O governo holandês não tem nenhum protesto contra reuniões em nosso país para informá-los a esse respeito”, escreveu no Facebook. “Mas estas reuniões podem não contribuir para as tensões em nossa sociedade, e todos que querem realizar uma reunião são obrigados a seguir instruções daqueles que se ocupam da autoridade, para que a ordem e a segurança pública possam ser garantidas”, acrescentou o premiê.

Fonte: Reuters