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sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Uma frente difícil - Alon Feuerwerker

Análise política

Por que os opositores não se reúnem numa frente ampla contra Jair Bolsonaro? A explicação está ao alcance
Qual dos candidatos a participar da frente vê no capitão uma ameaça significativamente maior que a representada pelos possíveis aliados táticos contra o presidente da República?

Pois seria simples de resolver. Bastaria todos firmarem o compromisso de apoiar quem for ao segundo turno contra Bolsonaro. Se o presidente estiver no segundo turno. Poupariam tempo e energia. E cada um faria seus próprios comícios, passeatas e que tais. Sem o risco de ser apupado pelos amigos de hoje, que amanhã voltarão a ser os inimigos de ontem.

Qual é o obstáculo? Em largas parcelas do espectro político-social-empresarial apoiar Bolsonaro ou manter certa neutralidade, no primeiro ou no segundo turnos, continua sendo uma opção à mesa. E alianças políticas só se consolidam quando se cristaliza a consciência, ou a circunstância, de uma ameaça externa qualitativamente maior.

Um exemplo aliancista sempre lembrado é a Frente Ampla costurada por Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek, que tentaram atrair João Goulart. No fim, o regime militar implodiu a articulação e ela acabou sendo o canto de cisne político dos três. Eram inimigos e só começaram a conversar sobre juntar-se quando a ameaça existencial política já tinha desabado ou estava apontada para todos eles. Lacerda fora um líder de 1964. E JK votara no marechal Castelo Branco na eleição indireta para substituir o deposto Jango.

Outro episódio de referência é a Segunda Guerra Mundial. 
União Soviética, Estados Unidos e Reino Unido uniram-se para derrotar a Alemanha. 
O incauto pode ser induzido a acreditar na fábula das três potências que certa hora decidiram salvar a humanidade, deixaram para depois as diferenças e deram-se as mãos na urgente tarefa comum.

O Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha quando esta invadiu a Polônia, mas britânicos e franceses esconderam-se numa guerra de mentirinha ("phoney war"), ou pelo menos de baixa intensidade, até os alemães atacarem a França. A União Soviética só passou a combater a Alemanha quando foi invadida por ela, em junho de 1941. Antes, firmara em 1939 um pacto de não-agressão com Berlim, para neutralizar a pressão que britânicos e franceses faziam sobre os alemães para estes atacarem os soviéticos. E os Estados Unidos só entraram na guerra quando atacados pelos japoneses em Pearl Harbor, em dezembro de 1941.

Súditos da rainha, liderados de Stalin e comandados por Roosevelt só se deixaram arrastar para a guerra quando se viram diante de uma ameaça existencial direta. A eles mesmos (URSS), a seu império (Reino Unido) ou à sua área de influência no Pacífico (EUA). Que futuro o PT oferece ao “centro” para este fechar as portas definitivamente a Bolsonaro? 
E que garantias a esquerda raiz tem de vida mais fácil num governo da “terceira via”?

Dizer "vamos tirar o Bolsonaro e só depois eu corto teu pescoço" não chega a ser uma sedução irresistível.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

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Publicado na revista Veja de 29 de setembro de 2021, edição nº 2.757


sexta-feira, 30 de abril de 2021

Recados - Carlos Alberto Sardenberg

Os recados de Biden para a China e sobre a economia [resta saber se o mandatário chinês viu os tais recados, se mereceram ser traduzidos = afinal, a tal reunião  nada produziu, exceto imagens sobre um futuro incerto.

Tanto que famoso jornalista - por merecimento, não por servilismo - considerou que "Na cúpula de Biden, houve só a parte inútil.

Recados de Biden

“Precisamos demonstrar que a democracia ainda funciona” – essa foi a frase mais importante do discurso dos 100 dias de Joe Biden. Parece óbvio que um líder americano diga isso, mas nos tempos de hoje a frase ganha diversos sentidos.  Dirigida ao presidente da China, Xi Jin Ping, significa o seguinte: o sistema americano é superior nos quesitos econômicos e políticos, embora precise de algumas reformas.

O chefão chinês sustenta que o modelo deles é mais eficiente no desenvolvimento econômico e na administração de crises. Não apenas porque seus gestores seriam mais competentes, mas porque não precisam se preocupar nem com as urnas livres e votações no Legislativo, nem com eventuais restrições do Judiciário. Ou seja, a democracia no “modelo chinês”, como chamam a ditadura por lá, funciona melhor que o modelo americano, confuso e lento. [PERGUNTA: alguém lembra quando ocorreu a última morte na China causada pela covid-19? 
já nos países com excesso de democracia, interpretada ou não, os números continuam, infelizmente, diários.] Mas e as liberdades? Ora, tem alguém reclamando? – respondem os chineses.

Eles não admitem, mas sabemos que tem – a começar pelos chineses de Hong Kong, que os ingleses entregaram como democracia capitalista liberal e o governo chinês está transformando numa ditadura com capitalismo controlado pelo Partido Comunista. Dentro da China, é difícil saber. Não tem imprensa livre, nem outro partido. E  daí? – dizem. O importante é que o país cresce, saiu da pandemia rápida e eficientemente, e todo ano tira milhões da pobreza.

Visto assim, a questão proposta por Biden é a seguinte: a democracia e o capitalismo podem funcionar melhor, gerando e distribuindo riqueza em um ambiente de liberdades. Dirão: mas Biden não foi para a esquerda? No critério americano, sim, foi para a esquerda – que está longe de indicar um caminho para o socialismo ou mesmo para um estado de bem estar social como o da França.

No caso de Biden, significa aumentar a atividade dos governos em alguns setores , especialmente infraestrutura, geradores de emprego, e tomar dinheiro dos mais ricos (via impostos) para financiar programas de saúde, renda e educacionais para as camadas mais pobres. O recado agora é interno, para todo o público americano, rico ou pobre. Está dizendo o seguinte: não é possível que o país mais rico do mundo abrigue tantas famílias com renda abaixo da média; não é possível que o país mais rico do mundo não consiga oferecer um bom sistema de saúde e de escolas para os mais pobres.

Pesquisas recentes mostram que a classe média concorda com isso. Muitos ricos também. E mais alguns super-ricos, como Bill Gates e Warren Buffet. Olhando no longo prazo, Biden está movendo o pêndulo. Roosevelt, seu ídolo, aumentou impostos e acentuou a atuação do Estado, como os trabalhistas faziam na Inglaterra. Com o tempo, o Estado e os impostos começam a pesar. Vêm então Reagan e Thatcher para dizer que o Estado não é a solução, é o problema.

Caem os impostos, eliminam-se regulações à atividade econômica, incluindo nas relações trabalhistas. Os países prosperaram. Aí vem Biden e diz: mas muita gente ficou para trás. O Estado pode resgatá-las, com um governo democrático e mantendo a força geradora do capitalismo. Muita gente já está dizendo por aqui: estão vendo? Isso de ajuste fiscal é bobagem, o Estado tem mesmo é que gastar. A  dívida americana, em proporção do PIB, é maior que a nossa. Logo, qual é o problema?

Vários. O governo americano se financia a juro zero. O brasileiro, se quiser colocar título de dez anos, paga 6% reais. A dívida americana é em dólar, moeda aceita no mundo. Os impostos nos EUA são menores do que no Brasil e na Europa, havendo espaço para aumentar.

E, finalmente, mais importante, o Estado brasileiro já gasta demais – mais de 40% do PIB – e não se pode dizer que seja um modelo de eficiência. Nosso problema é outro: é que quando o pêndulo vai para a direita liberal, caímos na dupla Bolsonaro/Guedes.

Aí fica difícil.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

Coluna publicada em O Globo - Economia
 

domingo, 6 de dezembro de 2020

Como perder a guerra - Nas entrelinhas

Bolsonaro cria mais obstáculos para o desenvolvimento do país do que se imagina, pois aprofunda nosso atraso econômico e tecnológico e retarda a recuperação da economia

Quando invadiu a antiga União Soviética, Adolf Hitler já havia conquistado boa parte da Europa: além da Áustria, Checoslováquia e Polônia o que deflagrou a Segunda Guerra Mundial —, a Noruega, a Dinamarca, a Bélgica, a Holanda, a França, a antiga Iugoslávia e a Grécia, além de ex-colônias europeias na África. A Operação Barbarrosa foi iniciada pelos alemães em 22 de junho de 1941 e mobilizou mais de três milhões de soldados. Sua intenção era conquistar a URSS em oito semanas. 
 
Três objetivos estratégicos foram estabelecidos por Hitler. 
Ocupar Moscou, a sede do governo; 
obter a rendição de Leningrado (São Petersburgo), a grande porta russa para o Ocidente; e,
controlar Stalingrado (antiga Tsarítsin, hoje, Volgogrado), para garantir petróleo em abundância. Foram passos maiores que as pernas. A 30 quilômetros de Moscou, que chegou a ser evacuada, os alemães foram repelidos; apesar da fome, a população de Leningrado resistiu até o cerco ser quebrado, em 1944. Estratégica para o controle do Cáucaso, área considerada vital para o abastecimento das tropas alemãs, em Stalingrado, a batalha foi a mais longa e sangrenta de toda a guerra, mudando seu curso.

Os alemães não tinham recursos suficientes para manter uma guerra de longa duração em território soviético, na qual exauriram suas energias. Além disso, a derrota em Stalingrado quebrou a aura de invencibilidade do Exército alemão, que acabou cercado e se rendeu. Cerca de 400 mil alemães, 200 mil romenos, 130 mil italianos e 120 mil húngaros morreram, foram feridos ou capturados. Dos 91 mil alemães feitos prisioneiros em Stalingrado, apenas 5 mil voltaram para a Alemanha. Os soviéticos sofreram cerca de 1,13 milhão de baixas, sendo 480 mil mortos e prisioneiros e 650 mil feridos em toda área de Stalingrado. Quando se rendeu, o comandante do 6º Exército alemão, marechal de campo Friedrich Paulus, referindo-se a Hitler, declarou: “Não tenho intenção de me suicidar por aquele cabo da Baviera”. Nunca antes um marechal de campo alemão havia se rendido numa frente de batalha; preferiam o suicídio à desonra. Ele havia cumprido as ordens de não se retirar de Stalingrado, a qualquer preço, mas acabou isolado, sem munição nem suprimentos.

Tem gente que considera a política uma guerra sem derramamento de sangue. Geralmente, trata os adversários como inimigos a serem exterminados. Entretanto, eles ressuscitam. Um dos três protagonistas da Conferência de Yalta, que dividiu o mundo em áreas de influência — ao lado de Franklin Delano Roosevelt (EUA) e Josef Stálin (URSS) —, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill dizia: “A política é quase tão excitante como a guerra e não menos perigosa. Na guerra a pessoa só pode ser morta uma vez, mas na política diversas vezes.”

Frentes de batalha
Não por acaso, analogias de cunho militar são usadas na análise política. Por exemplo, a chegada do presidente Jair Bolsonaro ao poder resultou de uma “guerra de movimento” bem-sucedida na campanha eleitoral de 2018, uma espécie de “britzkrieg”. Na Presidência, manteve essa tática no primeiro ano de governo para ampliar seus poderes, até trombar com o Supremo Tribunal Federal (STF), que investiga o chamado “gabinete do ódio” (a disseminação de fake news e ataques a autoridades nas redes sociais por colaboradores encastelados no Palácio do Planalto) e o caso “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no qual está envolvido o senador Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Desde então, opera uma “guerra de posições”, na qual tenta envolver as Forças Armadas, mobiliza os órgãos de controle do Estado, entre os quais o Ministério Público Federal (MPF), e pretende controlar o Congresso, o Judiciário e os grandes meios de comunicação de massa. Mutatis mutandis, foi essa estratégia de Wladimir Putin na Rússia para garantir sua longa permanência no poder.

O problema de Bolsonaro é que a verdadeira guerra está sendo travada em outros terrenos, nos quais não tem a menor chance de vitória. A primeira frente é a política ambiental, que nos levou a um grave litígio com a União Europeia, principalmente, com a Alemanha, a França e a Noruega. Os resultados de sua política são uma contradição em si mesma: quanto mais “passa com a boiada”, mais isolado internacionalmente fica.

A segunda, a crise sanitária, na qual Bolsonaro chegou a um ponto crítico, em razão do seu negacionismo: entrou numa guerra particular com o governador João Doria (SP), de São Paulo, por causa da vacina chinesa, e não tem mais como sair dela, a não ser se rendendo e comprando a CoronaVac, que já começou a ser produzida em grande escala pelo Instituto Butantan. Se não o fizer, a segunda onda da pandemia será uma tragédia ainda maior do que a primeira, porque a vacina de Oxford não está pronta e levará mais tempo para ser produzida pela Fiocruz e aplicada em massa.

A terceira frente é o não-reconhecimento da vitória do presidente norte-americano Joe Biden, que nos leva a um isolamento internacional sem nenhum precedente na História. Com isso, a política externa de Bolsonaro, como a ambiental e a sanitária, está em colapso. Em rota de colisão com a China, nosso maior parceiro comercial, agora ficou de mal com novo presidente dos Estados Unidos, o segundo parceiro, tudo em solidariedade ao presidente Donald Trump, que não se reelegeu. Essas três frentes de batalhas criam mais obstáculos para o desenvolvimento do país do que se imagina, pois aprofundam nosso atraso econômico e tecnológico e retardam a recuperação da economia. [as três frentes resultam em um grupelho formado por Ongs vendidas a governos estrangeiros, por especialistas em nada - esses estão sempre disponíveis para esganiçar na mídia, especialmente na TV, o que desejam  que expilam  e países que destruíram suas florestas e agora querem preservar as nossas - os noruegueses posam de paladinos da preservação do meio ambiente, mas suas empresas causam desastres ambientais no Pará e o esquerdista Biden, os malefícios que vai causar ao mundo, caso sua eleição seja confirmada, talvez resultem no primeiro impeachment nos EUA.]

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Dresden, 75 anos: o holocausto alemão de que não é bom falar - Munidialista - VEJA



Por Vilma Gryzinski

O bombardeio incendiário da cidade foi feito pelo “lado do bem” durante a II Guerra, mas as questões morais continuam as mesmas: vale tudo na guerra?

 
Bombardeio de Dresden, em 1945
Bombardeio de Dresden, em 1945 Ullstein Bild/Getty Images [bombardeio com bombas incendiárias e explosivos efetuado pelas forças aliadas - Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e outros- contra a população civil.]

No dia 14 de fevereiro de 1945,  já havia uns 30 mil alemães incinerados vivos em Dresden. Ou 50 mil? Até hoje não se sabe o número certo. Outros tantos ainda iam morrer no dia seguinte. De 13 a 15 daquele mês, a cidade histórica seria literalmente derrubada pelas bombas e os incêndios subsequentes. Foram 2.400 toneladas de explosivos e 1.200 de bombas incendiárias. A perversidade monstruosa,inclusive a libertação dos campos de extermínio, da barbárie nazista, com a intransponível contradição de ter sido cometida por uma país altissimamente civilizado e culto, as feridas são inevitavelmente reabertas.  Mais difícil e moralmente complicado é tratar do que talvez tenha sido a mais brutal ação das forças aliadas cometida na Europa. Dresden é uma chaga na consciência dos que não aceitam respostas fáceis.
E como é fácil encontrar argumentos, se não fáceis, dignos de consideração: o inimigo era o nazismo, a Alemanha tinha iniciado a hedionda “guerra total”, sem diferenciar entre combatentes e civis. 

Stálin exigia os bombardeios, já que o desembarque aliado pela França ainda estava apenas nos planos, para “amaciar” os alemães diante do inexorável avanço do Exército Vermelho, que culminaria com a queda de Berlim, em 2 de maio daquele ano. Isso tinha sido decidido apenas semanas antes, na conferência de Ialta, entre Franklin Roosevelt, Winston Churchill e o próprio Stálin.
Apenas cinco anos antes, era a Alemanha a agressora de civis inocentes. Faltava só a Inglaterra para ter o domínio total da Europa. Chegou perto disso. 
Entre setembro de 1940 e maio de 1941, fábricas, indústrias, instalações militares e alvos que deveriam ser preservados, incluindo o Parlamento e patrimônios culturais como a catedral de Coventry, foram bombardeados.

Cerca de 40 mil pessoas morreram na Blitz. Por causa disso, prevaleceu a versão de que Churchill autorizou o bombardeio de Dresden – primeiro foram os ingleses, depois os americanos – como uma espécie de vingança. É uma explicação simplista para os horrores da guerra. Resumidamente, segundo o historiador Chris Harmon, Chuchill não era muito inclinado ao bombardeio em massa de áreas civis, mas começou a entender sua tétrica necessidade depois de ver como os ataques aéreos alemães devastaram Varsóvia e Roterdã”.
Harmon escreveu um livro sobre o tema, intitulado Nós Somos Feras?.

As feras estavam soltas, dentro do complicado quadro acima resumido, na Operação Trovoada. Os heróicos pilotos da Royal Air Force, os mocinhos, os ases do lado bom da força, fizeram o que se esperava deles.
Uma das descrições mais torturantes foi feita por um inglês, um prisioneiro de guerra chamado Victor Gregg.  Em 13 de fevereiro, em sua cela num campo de trabalhos forçados ao lado de Dresden, ele viu “o dia virar noite. Os traçadores e depois as bombas de fósforo começaram a cair. Uma parede da prisão desmoronou, Gregg tentou fugir. 

Os sobreviventes estavam fazendo a mesma coisa. A cidade estava coalhada de corpos humanos, muitos “encolhidos” para menos de 1 metro pelo calor. Abaixo de 3 anos, as crianças haviam simplesmente evaporado. Era como uma Hiroshima sem a parte nuclear.
Ao todo, 6,5 quilômetros quadrados da área central da linda cidade alemã foram destruídos, prédios com estruturas de madeira simplesmente desmoronando. As pessoas eram incineradas vivas.  Em muitos abrigos antiaéreos transformados em câmaras de morte, o calor infernal deixou apenas ossos, trapos de roupas e camadas líquidas de gordura derretida de corpos humanos.  Convocado, sob ameaça de arma, a entrar para uma equipe de resgate alemã, Victor Gregg continuou a ver cenas dantescas. “O horror gravado a fogo na minha memória, impossível de ser apagado. Até hoje me desperta à noite”, relatou Gregg – 100 anos completados em outubro.

Os alemães não votaram em Hitler, apoiaram em grande maioria a guerra, ignoraram o genocídio dos judeus, celebraram o domínio torturante sobre tantos países europeus? Não mereciam isso tudo? Não foram eles que provocaram isso para si mesmos?  É dever moral de todos nós, mesmo 75 anos, responder.
Curiosamente, em especial na Inglaterra, políticos da direita tradicional argumentam até hoje em favor do bombardeio de Dresden.  Vencer o nazismo era tão mais importante do que tudo, mais até que as considerações morais básicas, que nenhum recurso podia ser evitado (Dresden, evidentemente, não foi a única cidade alemã reduzida a ruínas).

Na Alemanha, a direita mais à direita chama Dresden de Holocausto alemão.
É uma expressão pesada, até ofensiva aos judeus que defendem o caráter único, sem parâmetros, do genocídio industrial conduzido pelos nazistas. Em hebraico, Shoá.
As pilhas e mais pilhas de corpos deformados levados para a incineração depois do grande fogo que caiu do céu em fevereiro de 1945 evocam, quase insanamente, as vítimas dos campos de extermínio.  Talvez o que aconteceu em Dresden possa ser chamado apenas de holocausto, com minúscula. 
Mas aconteceu e não pode ser ignorado, mesmo que isso provoque constrangimento e questionamentos morais. Nem 75 anos depois.

Blog Mundialista - Vilma Gryzinski, jornalista - VEJA

 

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Terror islâmico, 15 anos após o 11 de Setembro

Ao se completar 15 anos dos audaciosos ataques terroristas perpetrados pela rede Al-Qaeda em 11 de setembro de 2001, nas cidades de Washington e New York, há elementos de juízo suficiente para avaliar a dinâmica do terrorismo islâmico contra os “infiéis” ocidentais e os “apóstatas” muçulmanos.

Durante este agitado lapso, não só a rede Al-Qaeda se fortaleceu, senão que surgiu de seu seio o auto-denominado Estado Islâmico (ISIS), muito mais radical e violento do que seu gestor. Hoje, este novo grupo constitui uma séria ameaça contra a liberdade humana, e por suas conotações geopolíticas e estratégicas poderia ser a chispa que inicie uma conflagração maior no sempre convulsionado Oriente Médio.

Desde o ângulo geopolítico internacional, o recrudescimento do terrorismo islâmico coincidiu com o re-assentamento político internacional da Rússia depois da desintegração da antiga União Soviética, o desdobramento econômico e militar da China, a imersão de vários países latino-americanos no socialismo pró-castrista pela mão do venezuelano Hugo Chávez, a Primavera Árabe que estremeceu a estrutura montada com governos inclinados ao ocidente, o desenvolvimento da capacidade nuclear na Coréia do Norte, 16 anos contínuos de desacertados governos nos Estados Unidos, altos e baixos da União Européia, mais atraso no continente africano e extensão das ramificações do jihadismo na Nigéria, Somália, Iêmen, Tanzânia, Quênia, Afeganistão, Paquistão e outros lugares.

As guerras no Iraque e Afeganistão encabeçadas pelos Estados Unidos para derrotar o terrorismo islâmico e a suposta existência de armas de destruição massiva no Iraque, se empantanaram em um empate estratégico de soma zero, no qual os terroristas saíram folgadamente favorecidos, que com armas de infantaria ligeira e os letais homens-bomba, ou o estalido de trampas explosivas se multiplicaram em células jihadistas e multiplicaram o recrutamento de adeptos nos cinco continentes.

No âmbito militar ficou para decantar em doutrina de guerra contra-terrorista a execução de exitosas operações aero-terrestres como a que conduziu Osama Bin Laden à morte, ou a impactante eficiência dos drones guiados por experts em inteligência eletrônica e equipes de especialistas em inteligência tática. É uma guerra de nova geração que pelas condições do problema se estenderá por várias décadas nos quatro pontos cardeais do globo terrestre.

A derrota da riqueza financeira e econômica deixada por Reagan, que começou a ser mal-gasta por Bill Clinton, encontrou em George Bush e Barack Obama dois mandatários inferiores ao desafio de manter os Estados Unidos no topo de seu outrora vertiginoso crescimento econômico.   Por razões politiqueiras, democratas e republicanos se trasladam as culpas dessa debacle sem ir ao fundo do assunto. Por isso, com um discurso agressivo Donald Trump capta adeptos frente a uma candidata que o questiona pelas saídas em falso do magnata, porém, para desgraça dos Estados Unidos e de tantos países interdependentes da grande potência, tampouco é a pessoa adequada para chegar à Casa Branca. A crise de liderança mundial também é evidente nos Estados Unidos.

De quebra, o crescimento geométrico e matemático do terrorismo internacional distribuído pelo mundo mas com epicentro no Oriente Médio, exacerbou a guerra fria entre Arábia Saudita (sunita) e Irã (shiita), a qual se materializou no envio de tropas e recursos de toda ordem para oxigenar as guerras civis na Síria e no Iêmen, o duvidoso acordo de suspensão do projeto nuclear iraniano, o incremento das relações clandestinas da Arábia Saudita com o Paquistão para islamizar a Ásia Meridional e parte da Ásia Central, com o gravíssimo risco da possessão de armas nucleares no Paquistão e Índia, cujos governantes promovem um ódio irreconciliável mútuo.

Por sua parte a Rússia, com óbvios interesses geopolíticos não só nessa região senão no mundo, aproveitou a circunstancial guerra contra a ditadura de Bashar Al Assad na Síria, para entrar no conflito e com o ímã de seu poderio militar atraiu a Turquia que pretende matar dois coelhos com uma cajadada só, tirar vantagens da guerra síria, consolidar-se como o líder muçulmano do Oriente Médio, ser potência e catalizador frente ao Ocidente e eliminar a sangue e fogo os independentistas curdos. 

O problema se agrava para a Turquia e para o resto do mundo, devido à mentalidade ditatorial de seu presidente Erdogan, o descontentamento de um amplo setor militar turco com seu governo, a presença do ISIS em seu território, a pressão dos Estados Unidos e Europa para que combata com maior eficiência toda a infra-estrutura terrorista, e a necessidade de manter boas relações com Israel.

Em síntese, à previsível e marejada dinâmica de mudanças geopolíticas deduzíveis e esperadas depois da queda do muro de Berlim, se acrescentou com força irresistível o incremento do terrorismo islâmico no mundo que, como já se disse, poderia ser a chispa que desate uma conflagração maior em um mundo no qual não há líderes com estatura similar à de Churchill, Roosevelt ou De Gaulle, porém há sim condições muito mais tensas que as que originaram a Segunda Guerra Mundial.

Essa é a mais clara herança que os ataques terroristas do 11 de setembro de 2001 deixaram nos Estados Unidos, ao coincidir com as mudanças permanentes da ordem mundial.


TraduçãoGraça Salgueiro