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quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O conservador e o atrasado

Bolsonaro elegeu-se abraçando o atraso, o desastre de Brumadinho indicou-lhe o caminho da verdade

FHC gosta de relembrar uma cena na qual o historiador Sérgio Buarque de Holanda discutia o tamanho de algumas figuras do Império e ensinou: "Doutora, eles eram atrasados. Nós não temos conservadores no Brasil. Nós temos gente atrasada." Foi a gente atrasada que levou o Brasil a ser um dos últimos países a abolir a escravidão e a adotar o sistema de milhagem para os passageiros de aviões, deixando a rota Rio-São Paulo de fora.
É a gente atrasada quem trava os projetos de segurança das barragens que tramitam no Senado, na Câmara e na Assembleia de Minas Gerais. Essa gente atrasada estagnou a economia durante o século 19 e, no 20, faliu as grandes companhias de aviação brasileiras. No 21, produziu os desastres de Mariana e Brumadinho. Jair Bolsonaro elegeu-se presidente da República com uma plataforma conservadora, amparado pelo atraso. Sua campanha contra os organismos defensores do meio ambiente foi a prova disso. Não falava em nome do empresariado moderno do agronegócio, mas da banda troglodita que se confunde com ele. Felizmente, preservou o Ministério do Meio Ambiente. [não conseguiram impedir a eleição de Bolsonaro; 
ele foi eleito, é o presidente do Brasil, com as bençãos de Deus fará um excelente governo,  e a reeleição será viável - diante do inevitável resta aos que não o toleram o recurso da crítica destrutiva, galhofeira, da chacota, da tentativa de por todas as formas diminuir sua competência e seus méritos, se ele errar em uma crase, vamos propor seu 'impeachment'.]
Outra bandeira de sua ascensão foi a defesa da lei e da ordem. A conexão dos "rolos" de Fabrício Queiroz com as milícias do Rio de Janeiro ilustrou quanto havia de atraso na sua retórica. (O Esquadrão da Morte do Rio surgiu em 1958 e anos depois alguns de seus "homens de ouro" tinham um pé no crime.). Nos anos 70, o presidente de Scuderie Le Cocq era contrabandista, e o delegado Sérgio Fleury, grão-mestre do esquadrão paulista, ilustre janízaro da repressão política, protegia traficantes de drogas.

Ronald Reagan e Margaret Thatcher foram conservadores, já os patronos dos esquadrões foram e são simplesmente atrasados. Por isso, Nova York e Londres são cidades seguras, enquanto o Rio é o que é. O detento Sérgio Cabral dizia que favelas eram fábricas de marginais.As mineradoras nacionais moveram-se nos escurinhos do poder, e mesmo depois do desastre de Mariana bloquearam as iniciativas que aumentariam a segurança das barragens. Deu Brumadinho. As perdas da Vale nas Bolsas e com as faturas dos advogados superarão de muito o que custaria a proteção de Brumadinho. Será a conta do atraso.

Com menos de um mês de governo, Jair Bolsonaro foi confrontado pela diferença entre conservadorismo e atraso. Seu mandato popular ampara-se numa plataforma conservadora com propostas atrasadas. Muita gente que votou nele pode detestar o Ibama e as ONGs do meio ambiente. Também pode achar que bandido bom é bandido morto. Quando acontecem desgraças como Brumadinho ou quando são expostas as vísceras das milícias e seus mensalinhos, essas mesmas pessoas mudam de assunto e o presidente fica só, como ficou o general João Figueiredo depois do atentado do Riocentro.
O atraso é camaleônico. Escravocratas do Império tornaram-se presidentes na República Velha. A Federação das Indústrias de São Paulo financiou o DOI, aderiu à Nova República e varreu os crimes da ditadura para a porta dos quartéis.  Trogloditas do agronegócio e espertalhões das mineradoras sabem o que querem. Conviveram com o comissariado petista esperando por um Messias. Tiveram-no. Quando a Vale caiu na frigideira, fizeram o que deviam e, num só dia, venderam suas ações derrubando em R$ 71 bilhões o seu valor de mercado.
Durante a campanha eleitoral, quando confrontado com os problemas que encontraria na Presidência, Bolsonaro repetia um versículo do Evangelho de João:
"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”
Brumadinho e suas relações com Fabrício Queiroz mostraram a Jair Bolsonaro o verdadeiro rosto do atraso.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

A farra do boi

Sem o menor pudor, parlamentares estão usando e abusando das verbas e mordomias da Câmara e Senado para promoverem suas campanhas à reeleição, numa autêntica farra com o dinheiro público

Em Raízes do Brasil, o historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda define as peculiaridades do brasileiro e seus traços singulares. Destaca a grande capacidade que o povo tem de encontrar soluções criativas diante das dificuldades. Aquilo que o a cultura popular batizou de “jeitinho”. Quando usado para o bem, é uma grande vantagem. Quando usado para o mal, porém, o jeitinho vira o caminho para burlar regras e se desviar de condutas. É o que estão fazendo os parlamentares na atual campanha eleitoral. Além de prepararem pautas-bomba que causarão um prejuízo de mais de R$ 100 bilhões aos cofres públicos, demonstrando que estão pouco se lixando para o futuro dos brasileiros, os políticos olham para o próprio umbigo: buscam alternativas para a redução de recursos provocada pela proibição das doações de empresas às campanhas. E uma delas é desviar a finalidade do dinheiro que recebem para exercer a atividade parlamentar. Seja para cuidar das suas próprias reeleições ou para ajudar nas campanhas de seus partidos, deputados e senadores têm abusado do uso das verbas disponíveis para passagens aéreas e divulgação do mandato. Na maioria das situações, a aplicação do recurso ocorre ao arrepio da lei.

É o caso das romarias à sala-cela de Lula em Curitiba. Como o ex-presidente [e presidiário] não pode se deslocar pelo país em campanha, a solução encontrada pelos petistas foi inverter o movimento: os políticos do partido tratam de a toda hora viajar ao Paraná a fim de criarem ali algum fato que mantenha o presidiário petista em evidência. A arquitetura política dos petistas não sai de seus bolsos: é sustentada com dinheiro público. Para chegar a Lula, os parlamentares usam a cota de passagem aérea disponível para cada gabinete, bancada, claro, pelo contribuinte. De acordo com os dados do Portal da Transparência do Senado, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), quintuplicou seus gastos com passagens no mês em que Lula foi preso. A média de R$ 1 mil por mês, em deslocamentos de Brasília a Curitiba, saltou para R$ 5 mil.


Gleisi Hoffmann, presidente do PT, quintuplicou seus gastos com passagens aéreas para Curitiba, desde a prisão de Lula. O contribuinte bancou
Randolfe  Rodrigues, REDE-AP, paladino da honestidade, gastou apenas R$110 mil com passagens

Outros integrantes da comitiva “Lula livre” não ficaram para trás. Durante o julgamento do petista no TRF-4, em Porto Alegre, o deputado Zé Carlos (PT-MA) gastou R$ 4,3 mil no translado São Luís-Porto Alegre-São Luís com dinheiro da Câmara. Ele ainda fez refeições por conta do erário enquanto acompanhava o julgamento na capital gaúcha. Já o deputado Vicentinho (PT-SP) gastou aproximadamente R$ 7,6 mil em passagens nos deslocamentos para Porto Alegre. Um detalhe importante: Lula foi julgado em janeiro, mês em que a Câmara dos Deputados encontra-se em recesso.

O mau exemplo vem de cima. Presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (MDB-CE), distorcem a regra que permite o uso de jatinhos da FAB para seus deslocamentos. Maia rechaça a utilização para fins eleitoreiros dos aviões da Aeronáutica. Diz que o objetivo é o de cumprir apenas “agendas políticas”. Nada menos que 52 somente em 2018. Mas o conceito de compromisso político de Rodrigo Maia é como coração de mãe: nele, cabe de tudo. Por exemplo, a bordo do jatinho da FAB, o presidente da Câmara foi a Vitória no dia 10 de janeiro para participar de “Solenidade de Liberação de Recursos para o Estado e municípios do Espírito Santo”. Também esteve em Foz do Iguaçu, no Paraná, para o “3º Simpósio Nacional de Varejo e Shopping”. Na lista de viagens, também foram registrados vôos para Campina Grande (PB), Petrolina (PE), Uberaba (MG) e Cabo Frio (RJ).

O uso dos aviões da FAB ainda contribui para que Rodrigo Maia e Eunício Oliveira driblem a legislação. Pela linha sucessória, eles deveriam assumir a Presidência da República quando Michel Temer se ausentasse do País. Mas isso os tornaria inelegíveis. Por isso, ambos arrumam viagens ao exterior toda vez que Temer deixa o País. E quase sempre usando os jatos da Força Aérea Brasileira, que, além de transportá-los, abarcam comitivas de assessores.

Ajuda da “viúva”
Quem não tem jatinho, caça com o chamado cotão – outro atalho encontrado pelos parlamentares para conseguir atenuar os efeitos das restrições eleitorais de 2018. Trata-se da cota para o exercício da atividade parlamentar (CEAP). Somente com passagens aéreas, os gastos em 2018 alcançaram R$ 1,1 milhão na Câmara. No Senado, a R$ 3 milhões. O pré-candidato à presidência da República Jair Bolsonaro (PSL), por exemplo, gastou R$ 49,6 mil apenas este ano. Na lista de passagens solicitadas por Bolsonaro, estão viagens para Goiânia e Curitiba, onde ele participou de atos políticos em apoio à sua candidatura. “A meu ver esses benefícios da verba indenizatória deveriam ser eliminados até mesmo para se tornar justo o processo eleitoral. Esses benefícios desequilibram o pleito. Inclusive, isso (privilégios do mandato) é um dos obstáculos para que a renovação que a sociedade aparentemente deseja não ocorra”, analisa o economista e presidente da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco.

Como se não bastasse a superestrutura criada para perpetuar no Congresso aqueles que já ocupam suas cadeiras, as ações de divulgação de mandato também são custeadas com dinheiro público. É uma farra. Durante os seis primeiros meses do ano de 2018 foram gastos na Câmara aproximadamente R$ 27 milhões com publicidade da atividade parlamentar. No Senado, a rubrica totalizou R$ 1,3 milhão. Entre esses gastos, os deputados federais incluem um pouco de tudo: desde pagamento de provedores de internet de seus sites pessoais, propaganda, custeio de serviços de alimentação de redes sociais, impressão de jornais e criação de vídeos a aluguel de outdoors nos domicílios eleitorais. 

O senador que mais gastou com a divulgação da atividade parlamentar foi Valdir Raupp (MDB-RO): R$ 99,2 mil. Em seguida, Telmário Mota (PTB-RR), com R$ 80,9 mil, e Ângela Portela (PDT-RR), R$ 74,6 mil. Uma revista produzida pelo senador Jorge Viana (PT-AC) chama a atenção pela sua qualidade: papel cuchê e fotos de Sebastião Salgado. Impressa pela Gráfica do Senado, de acordo com dados do portal da Transparência, o custo de seu projeto gráfico ficou em R$ 15 mil.


Outro caso é ainda mais esdrúxulo, não pelo valor, mas para demonstrar que a verba está pronta para assumir qualquer gasto. Em abril de 2015, o ex-ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra (MDB-RS) entregou nota pedindo o ressarcimento de um combo de pipoca e refrigerante que consumiu em um cinema de Brasília. O valor: R$ 26. Mais tarde, Osmar Terra voltou para a Terra: alegou que a entrega da nota fora um erro e pediu ressarcimento. O problema é que, antes disso, a nota passou batida e foi paga sem qualquer questionamento. Ou seja, se o dinheiro da campanha ficou mais curto, a classe política dá o seu jeitinho, como diria Sérgio Buarque de Holanda: pede ajuda à viúva.

IstoÉ
  

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Vício como estrume da virtude

Rodrigo Janot, procurador-geral da República, quer um terceiro mandato e discute com seus auxiliares oferecer a suspensão condicional do processo a políticos suspeitos apenas de caixa doisvale dizer: contra os quais não exista acusação de contrapartida. Afinal, ele precisa ser aprovado pelo Senado. 

Lá vou eu com La Rochefoucauld: "A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude". Machado de Assis foi mais chão: "O vício é muitas vezes o estrume da virtude". Sei bem o que me tem custado a distinção entre caixa dois com e sem contrapartida.
Ainda no dia 18 deste mês, escrevi em meu blog (goo.gl/aiVNJU): "A verdade é que a PGR [...] não deveria ter apresentado ao STF aquele calhamaço de pedidos de abertura de inquérito. Nem Edson Fachin deveria tê-lo aceitado. [...] Janot sabia muito bem –e Fachin tinha como sabê-lo– os casos em que há e em que não há evidência de contrapartida dos políticos. Ora, sem a contrapartida, tem-se, no máximo, caixa dois." 

O procurador-geral e seus bravos têm ciência de que não conseguirão condenações por corrupção passiva e lavagem de dinheiro se não houver a prova de que o caixa dois era um pagamento feito pelo corruptor em razão de favor prestado ou prometido pelo político. Na vara onde reinam Sergio Moro e seus solipsismos, pode ser. Em tribunais superiores, não há chance. 

O doutor cobra muito caro por aquilo que "El-Rei nos dá de graça" (by Gregório de Matos). Ele pretende vender, em moeda política, o que a institucionalidade já garante. Suspensão condicional do processo? Ora, sem contrapartida, é descabido até o pedido de abertura de inquérito. Tais casos deveriam ter sido remetidos à Justiça Eleitoral. Como não vislumbrar na oferta o fio de uma chantagem? "Reconduzam-me, e darei uma aliviada". Pois é... O homem que igualou bandidos a honestos mostra-se disposto a se redimir se permanecer no cargo que lhe permitiu... igualar honestos a bandidos! 

E o "tuiuiú" grupo de procuradores simpáticos ao PT durante a gestão FHC– ambiciona voos mais altos: o Palácio da Liberdade ou o do Planalto. Seria um desdobramento natural na trajetória de quem, de forma tão determinada, atuou para liquidar a chamada classe política. Em parceria com a direita xucra, Janot ressuscitou a esquerda. Um tuiuiú não nega sua natureza. 

A segunda "Lista de Janot" tem 98 nomes. Trinta, segundo a própria PGR, estariam enquadrados apenas no Artigo 350 do Código Eleitoral: caixa dois. E há casos em que os delatores asseveram não ter havido contrapartida, mas o procurador-geral não quis nem saber: pediu inquérito por corrupção passiva e lavagem mesmo assim. O segundo mandato de Janot termina em setembro. Há seis pré-candidatos: Raquel Dodge, Ela Wiecko, Sandra Cureau, Nicolao Dino, Mario Bonsaglia e Carlos Frederico. O buliçoso já atua para detonar alguns nomes. Na segunda, teve um embate com Raquel Dodge porque... ela estava certa! 

Li em algum lugar que Michel Temer até gostaria de reconduzir Janot. Ficaria evidenciado que não atua contra a Lava Jato. Se for verdade, deve ser inspiração de mau conselheiro. Não será o procurador-geral a conferir a chancela de isenção ao presidente. Infelizmente para o país, Janot não pode fazer isso hoje nem por si mesmo. 

PS: Eu deveria, direitista que sou, usar este espaço para dar um pau na "greve geral"? Jânio de Freitas escreveu aqui que "protestos valem pelo seu valor simbólico". Fato! Simbolicamente, estão nas ruas aqueles de que trata Sérgio Buarque de Holanda em "Raízes do Brasil". Ou Raymundo Faoro em "Os Donos do Poder. Os nababos da Previdência e do sindicalismo foram à luta pelo direito de continuar a esmagar, com seus privilégios indecorosos, "milhões de famílias, crianças, mulheres, velhos, trabalhadores da pedra, da graxa, da carga, do lixo, do ferro –os que mantêm o Brasil de pé.

Fonte: Folha de S. Paulo - Coluna do Reinaldo Azevedo