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sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

STF muda de opinião, mas se reserva o direito de estar certíssimo antes e depois ... - Percival Puggina


         O ministro Gilmar Mendes, falando sobre a decisão do STF que assustou até o jornalismo amestrado ao estabelecer a responsabilidade dos veículos sobre acusações criminais feitas por entrevistados, disse textualmente (transcrição, palavra por palavra do ministro, no vídeo da declaração, divulgado pelo site Poder 360°):

“Temos que ter cuidado. O caso que se discutia é um caso muito circunstancial – esse caso envolvendo o Diário de Pernambuco em que o entrevistado imputou falsamente a alguém a prática de um crime. No entanto até essa pessoa tentou, via direito de resposta, fazer esse esclarecimento e não conseguiu, junto ao veículo. Portanto, o caso é bastante circunstancial. O problema, me parece, não está na decisão, no acórdão, mas eventualmente na tese que se tenta transpor. E aí vem vários questionamentos que a imprensa tem feito. Por exemplo, em casos de entrevista ao vivo, como que se vai fazer o controle? Ou em situações nebulosas, ou muitas vezes brigas entre grupos ou facções políticas em que se faz uma imputação sabendo-se que ela é falsa. Tudo isso precisa ser tematizado e, se for o caso, esse tema pode voltar ao Tribunal em embargos de declaração para que a tese seja devidamente esclarecida. É inequívoco, todos sabem, o valor que o Tribunal dá à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. Como também, a ideia de que se tem que preservar a honra, a dignidade e a imagem das pessoas. Isso está estabelecido em todos os acórdãos que o Tribunal lavrou sobre isso nesses 35 anos.”

Eis aí, por uma fresta, o panorama da insegurança jurídica causada por uma formação do STF que parece mais empenhada em “empurrar a História”, impor estratégias e visões de mundo de sua maioria menchevique e bolchevique do que em guardar e aplicar a Constituição de 1988. A consequência se mede em insegurança jurídica para a sociedade e em atropelo à autonomia e às prerrogativas dos demais poderes.

Na afirmação que fez, o ministro estampa com crueza algo que há muito deixou de ser circunstancial. Recorrentemente, o STF afirma A e, tempos depois, o contrário de A, naquilo que o ex-ministro Joaquim Barbosa, coincidentemente, definiu como “maioria de circunstância que tem todo tempo a seu favor para continuar sua sanha reformadora”.

O produto dessa conduta é insegurança jurídica, como a criada pela mudança de posição em relação ao marco temporal ou como a reversão da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância (quando em três anos a Corte mudou duas vezes de opinião), ou, ainda, como fez em relação à contribuição sindical.

Por isso, cada vez que leio na imprensa matérias cujos títulos dizem “STF forma maioria para...” seja lá o que for, desconfio que de algum modo a sociedade ou os indivíduos saíram perdendo algo.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

domingo, 3 de setembro de 2023

“O STF formou maioria”. - Percival Puggina

         Assustador, não é mesmo? Sempre que esse anúncio aparece no jornal, a matéria suscita em mim a versão cívica de um horripilante alerta meteorológico.  
Não busco refúgio num abrigo porque não existe algo assim para sinistros desse tipo. 
A sociedade brasileira, como tenho reiterado à exaustão, está totalmente desprotegida do Estado; invertendo os papéis, é ele que age para contê-la com os fartos meios e poderes à sua disposição. 
No Brasil, o Estado mata a galinha e a saboreia numa canja, gasta-lhe o ouro e faz travesseiro com suas penas.
 
A expressão “o STF formou maioria” é uma das muitas arapucas construídas pelas militâncias das redações.  
Ao afirmar que o STF formou maioria, elas sutilmente sugerem referir um processo democrático. Afinal, foi uma decisão “da maioria”, não foi?
 
Que maioria é essa? Maioria de onze, noves fora, dois? 
Placar contado antes da partida? 
Maioria de um colegiado que se declarou no exercício de função contramajoritária? 
Por que nunca é contramajoritária em relação à maioria que ele mesmo forma? Ah, pois é.  Seria tão bom.
 
O Supremo, então, formou maioria para definir a quantidade de maconha que distingue o consumidor do traficante
O mesmo com as regras sobre armas e munições, com a “contribuição” que o sindicalizado não quis e não quer pagar, e por aí vai. 
Deve ser muito prazeroso poder decidir sobre quaisquer temas da sociedade, sair das “quatro linhas”, atravessar as arquibancadas, descer a rampa, estender o poder pelas praças e esquinas do país levando o apito no bolso. Aqui, tudo e todos “dependência” da Corte.
 
Agora, o STF está formando maioria (já está em quatro a dois), para transformar o Brasil numa concessão indígena aos invasores brancos. Pergunto-me porque, até hoje, ninguém propôs a concessão do título de Primero Invasor e patrono do MST a Pedro Álvares Cabral.
 
Não vou me debruçar sobre as óbvias consequências nem sobre as obscenas razões pelas quais o Congresso Nacional engole tantos sapos quantos lhe são enviados por seus vizinhos pelo lado direito. 
Basta olhar o mapa da Praça dos Três Poderes para entender qual o centro do poder. 
De um lado da praça, o Judiciário; de outro, o Executivo; no centro dela e na perspectiva do Eixo Monumental que atravessa o coração da república, erguem-se, acima de todos, as torres do Congresso Nacional. Este, segundo certo livrinho que talvez ainda circule por aí, é a representação da soberania popular e, se não me engano, tem certa relevância no processo político. 
O livrinho não fala em ingestão ou digestão de sapos.
 
Se pulo as consequências óbvias, não me furto de abordar as menos óbvias. O Brasil é um país de fronteiras abertas, solidário, acolhedor. 
Por suas divisas acolhe, aos milhares, venezuelanos, haitianos, colombianos, bolivianos,  uruguaios. 
Todos são bem-vindos a esta terra de promissão
Sabe quem não é bem acolhido no Brasil, na perspectiva que orienta decisões sobre terras indígenas? Os brasileiros, os desalmados invasores do paraíso perdido.  
Especialmente os que não subscrevem nem compartilham as teses da esquerda. 
As mesmas, aliás, que influenciam os vitoriosos placares no STF.


Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.