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domingo, 3 de setembro de 2023

“O STF formou maioria”. - Percival Puggina

         Assustador, não é mesmo? Sempre que esse anúncio aparece no jornal, a matéria suscita em mim a versão cívica de um horripilante alerta meteorológico.  
Não busco refúgio num abrigo porque não existe algo assim para sinistros desse tipo. 
A sociedade brasileira, como tenho reiterado à exaustão, está totalmente desprotegida do Estado; invertendo os papéis, é ele que age para contê-la com os fartos meios e poderes à sua disposição. 
No Brasil, o Estado mata a galinha e a saboreia numa canja, gasta-lhe o ouro e faz travesseiro com suas penas.
 
A expressão “o STF formou maioria” é uma das muitas arapucas construídas pelas militâncias das redações.  
Ao afirmar que o STF formou maioria, elas sutilmente sugerem referir um processo democrático. Afinal, foi uma decisão “da maioria”, não foi?
 
Que maioria é essa? Maioria de onze, noves fora, dois? 
Placar contado antes da partida? 
Maioria de um colegiado que se declarou no exercício de função contramajoritária? 
Por que nunca é contramajoritária em relação à maioria que ele mesmo forma? Ah, pois é.  Seria tão bom.
 
O Supremo, então, formou maioria para definir a quantidade de maconha que distingue o consumidor do traficante
O mesmo com as regras sobre armas e munições, com a “contribuição” que o sindicalizado não quis e não quer pagar, e por aí vai. 
Deve ser muito prazeroso poder decidir sobre quaisquer temas da sociedade, sair das “quatro linhas”, atravessar as arquibancadas, descer a rampa, estender o poder pelas praças e esquinas do país levando o apito no bolso. Aqui, tudo e todos “dependência” da Corte.
 
Agora, o STF está formando maioria (já está em quatro a dois), para transformar o Brasil numa concessão indígena aos invasores brancos. Pergunto-me porque, até hoje, ninguém propôs a concessão do título de Primero Invasor e patrono do MST a Pedro Álvares Cabral.
 
Não vou me debruçar sobre as óbvias consequências nem sobre as obscenas razões pelas quais o Congresso Nacional engole tantos sapos quantos lhe são enviados por seus vizinhos pelo lado direito. 
Basta olhar o mapa da Praça dos Três Poderes para entender qual o centro do poder. 
De um lado da praça, o Judiciário; de outro, o Executivo; no centro dela e na perspectiva do Eixo Monumental que atravessa o coração da república, erguem-se, acima de todos, as torres do Congresso Nacional. Este, segundo certo livrinho que talvez ainda circule por aí, é a representação da soberania popular e, se não me engano, tem certa relevância no processo político. 
O livrinho não fala em ingestão ou digestão de sapos.
 
Se pulo as consequências óbvias, não me furto de abordar as menos óbvias. O Brasil é um país de fronteiras abertas, solidário, acolhedor. 
Por suas divisas acolhe, aos milhares, venezuelanos, haitianos, colombianos, bolivianos,  uruguaios. 
Todos são bem-vindos a esta terra de promissão
Sabe quem não é bem acolhido no Brasil, na perspectiva que orienta decisões sobre terras indígenas? Os brasileiros, os desalmados invasores do paraíso perdido.  
Especialmente os que não subscrevem nem compartilham as teses da esquerda. 
As mesmas, aliás, que influenciam os vitoriosos placares no STF.


Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras. 

 

terça-feira, 5 de março de 2019

O desfile histórico da Mangueira

Carnaval


Está para se ver no Rio ou fora dali desfile de uma escola de samba mais politizado, crítico e polêmico do que foi o da Mangueira que terminou nesta terça-feira quando o dia começava a raiar.  Embalado pelo mais feliz samba-enredo deste ano, a escola exaltou personagens com pouco ou nenhum lugar na história do país, e afrontou outros tratados como heróis pela história oficial. Sobrou para Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, chamado de O Pacificador, patrono do Exército. Para a Princesa Isabel, a Redentora, que assinou a lei que acabou com a escravidão.  Sem falar do padre jesuíta espanhol José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil e suposto protetor dos índios, fundador da cidade de São Paulo, feito santo pela Igreja Católica em 2004.
“Brasil, meu nego/ Deixa eu te contar/ A história que a história não conta/ O avesso do mesmo lugar/ Na luta é que a gente se encontra”, cantou Mangueira, e a partir daí reescreveu a história do país.

Duque de Caxias, Anchieta e o marechal Floriano Peixoto foram apresentados dançando sobre corpos de índios e de escravos mortos e ainda ensanguentados.
A escola debochou do marechal Deodoro da Fonseca, o monarquista que derrubou o Império e proclamou a República enquanto o povo, bestificado, a tudo assistiu sem nada entender. Debochou também de Pedro Álvares Cabral, que a história consagrou como o descobridor do Brasil, e de Dom Pedro I, que declarou o Brasil independente de Portugal às margens do rio Ipiranga.

A bandeira brasileira trocou de cores. O verde cedeu lugar à rosa e ocupou
 o lugar do azul.  O dístico Ordem e Progresso foi substituído por Índios, Negros e Pobres.  Um carro alegórico, manchado de sangue e pichado com a palavra “assassinos”, reproduziu o monumento que em São Paulo homenageia os bandeirantes, caçadores de índios e de escravos.
O carro que fechou o desfile trouxe a pichação “Ditadura assassina” e como destaque a jornalista Hildegard Angel, filha da estilista carioca Zuzul Angel, morta pela ditadura militar de 64.
 

A saída da escola da avenida foi marcada pelo acenar de gigantescas bandeiras com o rosto da vereadora Marielle Franco, do PSOL, executada no centro do Rio vai fazer um ano.
Está bom ou quer mais? Se perdeu o desfile, pode vê-lo aqui. 
 

Blog do Noblat - Veja

segunda-feira, 12 de março de 2018

Ao receber Temer, Cármen Lúcia virou problema


 [se algo não for feito, com urgência, o Brasil, vai perder o status de Nação = triste um país em que o chefe do Poder Executivo não pode ser recebido na residência do chefe do Poder Judiciário - a Lei nº 12.813, que trata de conflito de interesses, desobriga que autoridades do nível das citadas divulguem suas agendas.]

O Palácio do Planalto virou um bunker. Nele, não há inocentes. Apenas suspeitos e cúmplices. Quem olha para a fortificação enxerga pus no fim do túnel. Uma evidência de que a corrupção infeccionou os escalões mais graúdos da República. Numa crise moral dessa magnitude, não há meio termo: ou a pessoa é parte da solução ou ela é parte do problema. No sábado, Cármen Lúcia recebeu em sua casa Michel Temer, um presidente que não tem cara de solução. Graças a esse encontro, a comandante do Supremo Tribunal Federal ganhou instantaneamente uma aparência de problema.

[Temer teve a fineza de solicitar o encontro; senadoras do PT, entre elas a ré Gleisi Hoffmann, invadiram o gabinete da presidente do Supremo;
Sepúlveda Pertence, advogado do criminoso condenado Lula da Silva, impõe sua presença a vários ministros do STF.]

Há um esforço pueril para atribuir à reunião ares de normalidade. Nessa versão, tudo não teria passado de um encontro institucional entre dois chefes de Poderes. Conversa mole. O encontro foi 100% feito de esquisitices: o ambiente doméstico, a atmosfera frouxa do final de semana, a pauta desconhecida, a omissão na agenda oficial… Tudo isso mais o fato de que Cármen Lúcia recepcionou em casa não um presidente do Poder Executivo, mas um prontuário que inclui duas denúncias criminais, dois inquéritos por corrupção e uma quebra de sigilo bancário. 

  A conversa foi solicitada por Temer. Cármen Lúcia faria um enorme favor a si mesma se perguntasse aos seus botões: como os repórteres ficaram sabendo? Na saída, cercado por câmeras e microfones, o visitante foi questionado sobre o teor da prosa que tivera com a anfitriã. Perguntou-se se haviam tratado do inquérito sobre a propina de R$ 10 milhões da Odebrecht. E Temer: “Não. Só sobre segurança do Rio de Janeiro e do Brasil.” Hã, hã…
A lorota de Temer pendurou Cármen Lúcia nas manchetes na desconfortável posição de alguém que precisa dar explicações sobre atitudes inexplicáveis. Pintado para a guerra, Temer vê inimigos em toda parte. Sobretudo no Supremo. Na Segunda Turma, o relator da Lava Jato, Edson Fachin, incluiu o presidente no rol de investigados do inquérito sobre a Odebrecht. Na Primeira Turma, Luís Roberto Barroso acaba de quebrar o sigilo bancário de Temer no inquérito sobre a troca de propina pela edição de um decreto na área de portos.

Pela primeira vez desde a chegada de Pedro Álvares Cabral o Estado investiga e pune oligarcas com poderio político e empresarial. Numa quadra tão inusitada da vida nacional, Cármen Lúcia deveria conversar com o espelho antes de receber investigados em casa.
Se a ministra tivesse consultado sua consciência, ouviria sábios conselhos: “Não encontre Michel Temer. Se encontrar, prefira a sede do Supremo. Se cair num sábado, transfira para um dia útil. Se lhe pedirem segredo, faça constar da agenda. Se não especificarem a pauta, não entre na sala com menos de duas testemunhas."

  Blog do Josias de Souza

terça-feira, 8 de março de 2016

Lula merecia ter sido tratado como um prisioneiro medieval: argola (coleira metálica) no pescoço, algemas nos pulsos e correntes nos pés

Desrespeito e humilhação na Lava Jato

 Ao conduzir Luiz Inácio Lula da Silva para um interrogatório forçado, a Operação Lava Jato prestou o favor indiscutível de demonstrar a gravidade da atual situação política. Assistiu-se a um espetáculo absurdo, errado, mas não convém avaliar o que se passou como um “erro” do juiz Sérgio Moro.

Reescrevendo uma lição universal deixada por um dos grandes mestres da política, é mais razoável reconhecer que a demonstração de truculência foi uma prova de que não é possível fazer uma omelete sem quebrar os ovos. Outras já ocorreram. Outras ocorrerão. Não duvide.

Através do Ministério Público, a Lava Jato domina a inteligência do Estado brasileiro. Através da Polícia Federal, exerce o poder civil armado, o mais importante em tempos de paz. O apoio absoluto dos meios de comunicação impede a dissidência, criminaliza o protesto, faz chantagem com as consciências que não perderam referências democráticas. Este é o ponto em que o país se encontra, sob um verdadeiro governo paralelo.

É sintomático que todo protesto contra a prisão de Lula esteja sendo tratado – com toda naturalidade – no capítulo da violência, da desordem, da baderna. Desde sexta-feira, a palavra é segurança. Desculpe a simplicidade mas a tese é conhecida desde a fábula do Lobo e o Cordeiro: procura-se culpar a vítima pelo dano causado pelo opressor. Não é vitimização. É covardia mesmo.

A ideia é esta, no caminho de quem pretende “refundar o nosso Brasil”, na inesquecível definição do procurador Carlos Fernando Lima, com uma ambição que, não custa observar, nos leva a Pedro Alvares Cabral e ao país-colônia de 1500. Estamos pensando uma experiência de 500 anos?

Construído com dificuldades conhecidas, no momento atual nosso regime democrático está se desfazendo na falta de respeito pelas garantias democráticas elementares, etapa indispensável de todo projeto de golpe de Estado, qualquer que seja o nome e o pretexto que se queira empregar para uma óbvia tentativa de homicídio institucional.

As prisões, interrogatórios e delações da Lava Jato destinam-se a criar um ambiente de incerteza e terror político, que em toda parte costuma anteceder rupturas institucionais de porte. Mesmo que não se empregue a violência física, repugnante, escancarada, típica dos movimentos fascistas do século XX, pratica-se a violência ritual, que desrespeita e desmoraliza publicamente aqueles que, como Lula, merecem o máximo respeito – não porque sejam superiores a qualquer cidadão – mas porque ocupam outro lugar na história de um país, e seu destino tem implicações e políticas que vão muito além de um horizonte individual. Atingem uma ideia, uma força social.

Foi porque o governo Lula reconheceu essa diferença que, em 2005, Fernando Henrique Cardoso, já ex-presidente, teve direito a prestar depoimento em segredo sobre documentos apreendidos em paraísos fiscais do Caribe. Era um caso no qual um procurador exibicionista – e quem sabe não exibicionista -- poderia acusar FHC de tentativa de obstrução da Justiça, pois se tratava de material obtido no interior de uma investigação em curso e que, em vez de seguir seu percurso normal de uma apuração policial, acabou nas mãos do presidente da República. Imagine quantas conexões imaginárias seria possível estabelecer. Mas FHC depôs em casa e ninguém ficou sabendo disso.

Durante o regime militar, outro ex-presidente, Juscelino Kubitschek, foi chamado inúmeras vezes para prestar depoimento em quartéis. Era fotografado na chegada e na saída. Os militares queriam incriminar JK em denúncias de corrupção. Não conseguiram provas, mas num simples decreto, cassaram seus direitos políticos por dez anos.

Você acha que o depoimento de Lula lembra o tratamento democrático recebido por FHC ou a gentileza militar – com um político popularíssimo – depois do golpe consumado?

Será uma transição regressiva?

Você decide.

No Brasil de 2016, vive-se uma situação específica. Embora Dilma Rousseff permaneça na presidência da República, e faça o possível para responder -- as vezes em pura coreografia -- todo o ritual autorizado pelas funções próprias ao cargo, o poder tem sido esvaziado e já começou a mudar de mãos.

Realisticamente, o termo “situação” não pode ser aplicado a um governo expropriado de boa parte de sua força original. Perseguido e acuado, humilhado e sabotado por atos permanentes de insubordinação e desordem, que partem de instituições que lhe devem obediência política, como a Polícia Federal, ou um mínimo de lealdade e decência, como os aliados do Congresso.

Não faltam braços à versão brasileira de “direita suja” -- na correta definição da revista Economist para designar o fascismo de Donald Trump -- que abriu mão de todos princípios democráticos para buscar qualquer atalho para tentar um assalto ao poder.

Nessa situação específica, a brutalidade da Lava Jato é o movimento de quem imagina-se capaz de aplicar um golpe decisivo – para convencer seus adversários de que sua superioridade é tão grande, tão absoluta, que não vale a pena resistir. O argumento não é a razão. É o medo.

Esta é a função política do desrespeito, da humilhação.

Fonte: Folha Diferenciada - http://folhadiferenciada.blogspot.com.br/2016/03/paulo-moreira-leite-desrespeito-e.html