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domingo, 26 de julho de 2020

Sem trégua - Merval Pereira

Atrás dos financiadores

O Globo

STF não dá sinal de trégua em investigações sobre fake news 



A derrubada das contas de diversos bolsonaristas no Facebook, Twitter e outras redes sociais por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes foi um sinal de que não há nenhuma intenção por parte do Supremo de retardar as investigações sobre uso de fake news para fins políticos. Mesmo atual fase “paz e amor” de Bolsonaro não tem o condão de apagar o que já foi feito e dito. E o que continua sendo feito. Os apoiadores de Bolsonaro protestaram pela falta de apoio por parte do governo, mas nada indica que o presidente esteja disposto a encarar novos confrontos com os ministros do Supremo. O ministro Luis Roberto Barroso, deu uma declaração contundente diante da reação contra a suspensão das contas dos bolsonaristas.

Sem se referir especificamente ao caso, mas aos que usam fake news com intuito políticos difamatórios, disse “Não são pessoas de bem, são bandidos”. O inquérito das fake news já existe há mais de ano no Supremo, e recebeu muitas críticas pela maneira como foi criado, em regime de sigilo e sem a participação da Procuradoria-Geral da República. Mas os fatos se impuseram, e o inquérito acabou sendo avalizado pelo plenário do Supremo diante da constatação de que ações criminosas estavam sendo organizadas com fins políticos. O inquérito do ministro Alexandre de Moraes está dirigido agora a seguir a trilha dos financiadores desse esquema, e mandou quebrar o sigilo bancário e telefônico de vários bolsonaristas, políticos e empresários, e na mesma decisão o relator havia mandado bloquear as contas de mensagens, o que só aconteceu agora.  O ministro Alexandre de Moraes oficiou ao Banco do Brasil, à Caixa Econômica, ao BNDES e à Secretaria de Comunicação para informarem o detalhamento de todo investimento feito nas redes.
[que as 'fake news' sejam investigadas é uma medida perfeitamente esperada, aceita e até bem-vinda, por todos os  brasileiros de BEM.
O que contraria a qualquer um, incluindo o próprio principio do tão alardeado estado democrático de direito, sob o qual dizem viver o Brasil, é ser um inquérito secreto, em que um ministro do Supremo investiga = função policial, determina medidas necessárias ao que considerar essencial para o bom andamento do inquérito = juiz primeiro grau, denuncia = ministério público, julga e sentencia em última instância.
Talvez até faça as vezes de defensor dativo, defendendo eventuais denunciados.
Em que os acusados não sabem que estão sendo acusados, não são citados, etc, etc = um'inquérito do fim do mundo'.]
O desenvolvimento das investigações mostrou em ação uma verdadeira quadrilha de disseminação de fakes news, e o ministro Alexandre de Moraes tem confidenciado que poucas vezes assistiu tão baixo nível, mesmo tendo sido Promotor Criminal por vários anos. Com o prosseguimento do inquérito, que já identificou a origem dos ataques no chamado “gabinete do ódio” que funciona no Palácio do Planalto ligado ao vereador Carlos Bolsonaro, já há uma linha ligando a organização das manifestações antidemocráticas a esses grupos de fake news, ambos inquéritos no STF relatados pelo ministro Alexandre de Moraes.

O bloqueio das contas, que causou protestos e acusações de cerceamento da liberdade de expressão, tem uma explicação legal. Da mesma maneira que uma investigação sobre associação criminosa pode decretar prisões (liberdade de ir e vir), suspensão do exercício de mandatos (direitos políticos) ou exercício de determinado ofício (direito de profissão), se esses direitos estiverem sendo utilizados como instrumentos para práticas de crimes, é possível bloquear contas das redes sociais que estiverem sendo financiadas e utilizadas criminosamente. [as três medidas destacadas são solicitadas pela polícia ou MP ao Poder Judiciário.
Nem a polícia nem o MP tem poderes para decretar nenhuma das medidas.]

O bloqueio foi do instrumento “determinadas contas nas redes sociais”, não das pessoas investigadas, que continuam tendo plena liberdade de expressão oral, escrita e nas redes. Tanto que deram inúmeras entrevistas e continuaram a ofender Deus e o mundo. Se utilizarem a liberdade de expressão para novos crimes serão investigados por esses novos fatos, sempre dentro do binômio constitucional liberdade com responsabilidade, é o que garantem os encarregados dos inquéritos.  O que foi bloqueado foi o instrumento utilizado para prática de crimes, não a liberdade de expressão dos investigados, insistem eles. Exemplos mais gritantes são as entrevistas que o presidente do PTB, Roberto Jefferson tem dado a emissoras de rádio e televisão, depois de ter suas contas bloqueadas. Chamou o STF de “organização criminosa”, xinga todos os ministros do STF sempre que pode, e divulga informações caluniosas.[Jefferson representa uma conveniente exceção = sua capacidade de produzir barulho é imensa - seu histórico de denunciante do MENSALÃO impõe respeito.]
No entendimento de juristas, Jefferson exerceu sua liberdade de expressão e poderá ser responsabilizado por esse fato novo. Como explica um especialista, esse bloqueio não impede que continuem ofendendo e que criem novas contas nas redes, mas o bloqueio desestabiliza momentaneamente o esquema de divulgação de fakes e ofensas, e de recebimento de dinheiro por terem “tantos mil seguidores”.

Merval Pereira, colunista - O Globo


segunda-feira, 1 de junho de 2020

Sem trégua, não avançamos

As chances de evoluirmos como nação serão pequenas enquanto aceitarmos que a Polícia Federal faz investigação e inquéritos contra e que o Judiciário abre processos contra. Justiça não se faz contra. Justiça se faz a favor de uma mais perfeita união entre pessoas convivendo em sociedade por meio da apuração de fatos objetivos. Mas, infelizmente, no Brasil, mais do que em outros países, prevalece a ideia de que os mecanismos judiciais se movem, a despeito dos fatos, sempre contra alguém, como vingança ou acerto de contas.

O espetáculo em cartaz com as duas ações em curso da Polícia Federal reafirma a imagem de que as rodas da Justiça se movem contra alvos escolhidos por razões obscuras. Primeiro, o presidente Jair Bolsonaro deu a entender, não sem certo orgulho, que Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, está sob a mira da PF por alguma arte pessoal sua. Depois, a muita gente pareceu que o ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reagiu, empatando o jogo até agora, com a abertura de um inquérito para apurar as atividades do grupo de ativistas digitais bolsonaristas que se organizam, nas palavras do próprio ministro, como um “Gabinete do Ódio”. Isso é tribalismo. Parece que o Brasil está regredindo aos tempos dos coronéis, cada um dono da verdade suprema em seu território. Não pode ser assim. Não precisa ser assim. 

Todos os alunos de Direito, em alguma altura do curso ou, depois, da carreira, lê uma obra fundamental para a profissão, “Dos delitos e das penas”, escrita pelo italiano Cesare Beccaria (1738-1794). Dos delitos ninguém esquece. Mas logo se apagam as lições do mestre italiano do iluminismo quando ele fala do efeito esperado das penas na promoção da paz geral. Beccaria diz, em essência, que a Justiça pune os criminosos não para tirá-los de circulação ou para fazê-los sofrer. A punição tem o objetivo de evitar que as vítimas dos criminosos tomem a justiça nas próprias mãos, abrindo caminho para longas e sangrentas vendetas que, se não contidas, podem degenerar até em guerra civil.

Por mais utópico que possa parecer, é crucial neste momento de alta tensão pelo qual estamos passando que a opinião pública seja assegurada de que os detentores do poder não estão envolvidos em um duelo de morte pela supremacia. É essencial que as pessoas estejam seguras de que quando o ministro do STF Celso de Mello encaminha à Procuradoria-Geral da República um pedido para que seja periciado o telefone do presidente Bolsonaro ele o faz não porque pode, mas porque deve. Da mesma forma, se a PGR decide não acatar o pedido do ministro o faz não porque pode, mas por não ver indícios suficientes a justificar a medida.

Para que as pessoas percebam dessa maneira, para alguns rósea, a relação entre os Poderes da República, é essencial que seus eventuais integrantes ajam movidos por fatos verificáveis. Intrigas, versões falsas, traições dão sabor às cortes há milênios. Mas a civilização só avança quando os interesses coletivos são servidos no decorrer dessas tramas teatrais.

Pelas últimas pesquisas e pelo apoio no Congresso, o presidente não está a caminho iminente do impeachment e nem reúne forças suficientes para fechar o Congresso ou o STF. Nenhum grupo tem poder de aniquilação sobre o outro. Poderiam decretar uma trégua e, uma vez que seja, pensarem no país. “Em qualquer democracia, queremos um debate vigoroso sobre nossos desafios e as políticas corretas. Mas o que acontece com a democracia se não podemos concordar sobre um conjunto de fatos em comum, se não podemos concordar sequer com o que constitui um fato?”, disse Martin Baron, editor-executivo do jornal “Washington Post”, em seu discurso aos formandos da Universidade Harvard, na quinta-feira passada. [pergunta pertinente e que deveria ser apresentada ao ministro Alexandre Moraes, condutor do 'inquérito do fim do mundo', já que se um supremo ministro entender que determinado COMENTÁRIO, que nada tem a ver com notícia, é FAKE NEWS, e determinar busca e apreensão na residência do autor, e até mesmo condução 'debaixo de vara' a quem o comentarista vai recorrer - se até o presidente da República é alvo de tentativas de constrangimento, seja por comentários divulgados por ministros do STF em redes sociais ou críticas apresentadas pela imprensa. Buscar o conjunto de fatos que nos unem como nação. Eis um bom objetivo comum para uma trégua em Brasília.

Eurípedes Alcântara - Instituto Millenium