Sem trégua, não avançamos
As chances de evoluirmos como nação serão pequenas enquanto
aceitarmos que a Polícia Federal faz investigação e inquéritos contra e
que o Judiciário abre processos contra. Justiça não se faz contra.
Justiça se faz a favor de uma mais perfeita união entre pessoas
convivendo em sociedade por meio da apuração de fatos objetivos. Mas,
infelizmente, no Brasil, mais do que em outros países, prevalece a ideia
de que os mecanismos judiciais se movem, a despeito dos fatos, sempre
contra alguém, como vingança ou acerto de contas.
O espetáculo em cartaz com as duas ações em curso da Polícia Federal
reafirma a imagem de que as rodas da Justiça se movem contra alvos
escolhidos por razões obscuras. Primeiro, o presidente Jair Bolsonaro
deu a entender, não sem certo orgulho, que Wilson Witzel, governador do
Rio de Janeiro, está sob a mira da PF por alguma arte pessoal sua.
Depois, a muita gente pareceu que o ministro Alexandre Moraes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), reagiu, empatando o jogo até agora, com a
abertura de um inquérito para apurar as atividades do grupo de
ativistas digitais bolsonaristas que se organizam, nas palavras do
próprio ministro, como um “Gabinete do Ódio”. Isso é tribalismo. Parece
que o Brasil está regredindo aos tempos dos coronéis, cada um dono da
verdade suprema em seu território. Não pode ser assim. Não precisa ser
assim.
Todos os alunos de Direito, em alguma altura do curso ou, depois,
da carreira, lê uma obra fundamental para a profissão, “Dos delitos e
das penas”, escrita pelo italiano Cesare Beccaria (1738-1794). Dos
delitos ninguém esquece. Mas logo se apagam as lições do mestre italiano
do iluminismo quando ele fala do efeito esperado das penas na promoção
da paz geral. Beccaria diz, em essência, que a Justiça pune os
criminosos não para tirá-los de circulação ou para fazê-los sofrer. A
punição tem o objetivo de evitar que as vítimas dos criminosos tomem a
justiça nas próprias mãos, abrindo caminho para longas e sangrentas
vendetas que, se não contidas, podem degenerar até em guerra civil.
Por mais utópico que possa parecer, é crucial neste momento de alta
tensão pelo qual estamos passando que a opinião pública seja assegurada
de que os detentores do poder não estão envolvidos em um duelo de morte
pela supremacia. É essencial que as pessoas estejam seguras de que
quando o ministro do STF Celso de Mello encaminha à Procuradoria-Geral
da República um pedido para que seja periciado o telefone do presidente Bolsonaro ele o faz não porque pode, mas porque deve. Da mesma forma,
se a PGR decide não acatar o pedido do ministro o faz não porque pode,
mas por não ver indícios suficientes a justificar a medida.
Para que as pessoas percebam dessa maneira, para alguns rósea, a
relação entre os Poderes da República, é essencial que seus eventuais
integrantes ajam movidos por fatos verificáveis. Intrigas, versões
falsas, traições dão sabor às cortes há milênios. Mas a civilização só
avança quando os interesses coletivos são servidos no decorrer dessas
tramas teatrais.
Pelas últimas pesquisas e pelo apoio no Congresso, o presidente não
está a caminho iminente do impeachment e nem reúne forças suficientes
para fechar o Congresso ou o STF. Nenhum grupo tem poder de aniquilação
sobre o outro. Poderiam decretar uma trégua e, uma vez que seja,
pensarem no país. “Em qualquer democracia, queremos um debate vigoroso
sobre nossos desafios e as políticas corretas. Mas o que acontece com a
democracia se não podemos concordar sobre um conjunto de fatos em comum,
se não podemos concordar sequer com o que constitui um fato?”, disse
Martin Baron, editor-executivo do jornal “Washington Post”, em seu
discurso aos formandos da Universidade Harvard, na quinta-feira passada. [pergunta pertinente e que deveria ser apresentada ao ministro Alexandre Moraes, condutor do 'inquérito do fim do mundo', já que se um supremo ministro entender que determinado COMENTÁRIO, que nada tem a ver com notícia, é FAKE NEWS, e determinar busca e apreensão na residência do autor, e até mesmo condução 'debaixo de vara' a quem o comentarista vai recorrer - se até o presidente da República é alvo de tentativas de constrangimento, seja por comentários divulgados por ministros do STF em redes sociais ou críticas apresentadas pela imprensa.] Buscar o conjunto de fatos que nos unem como nação. Eis um bom objetivo
comum para uma trégua em Brasília.
Eurípedes Alcântara - Instituto Millenium
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