O grande risco internacional é a instabilidade, agravada pelo comportamento de dirigentes
Tirar o Brasil do Pacto Global para Migração é o tipo da valentia que
não custa grande coragem, rende muitas frases de efeito e tem
pouquíssimo – ou nenhum – efeito prático. Na raiz desse gesto do novo
presidente brasileiro está a convicção de que uma grande conspiração
internacional trabalha para retirar a soberania, a capacidade de decisão
ou até mesmo a vontade de se defender de Estados nacionais. E que
grandes instituições multilaterais (como a ONU, onde se tramitou o tal
do inócuo pacto de migração) foram aparelhadas pelos tais globalistas.
O cenário que preocupa de verdade um grande número de analistas
internacionais, incluindo as grandes consultorias de risco, é outro. É o
que chamam quase em uníssono de agravamento da instabilidade nas
relações entre os países. “Nada urgente”, escreve uma dessas
consultorias, a Eurásia, “ciclos geopolíticos são lentos e leva-se anos,
até décadas, para destruir uma ordem, mas a erosão (da atual ordem)
está ocorrendo”.
Neste tipo de cenário abre-se ainda mais o espaço para que indivíduos –
tais como dirigentes de alguns países – consigam estragar coisas ainda
mais depressa. Mas aqui vai uma nota tranquilizadora: a mesma Eurásia,
quando olha para os riscos nestas partes do mundo, está preocupada com o
México e seu novo presidente populista de esquerda, e muito pouco com o
Brasil (em outras palavras, nossa capacidade de causar estragos
internacionais no momento é considerada pequena).
Assim, a guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo é
descrita como consequência, e não causa, do que se considera como quase
inevitável ruptura da ordem internacional descrita como “liberal”. Da
mesma maneira, o estado da economia mundial preocupa muitos
comentaristas estrangeiros não tanto pela dificuldade de se prever o
comportamento dos mercados, mas, sobretudo, por aquilo que se assume com
grande dose de convicção: mesmo um pequeno ciclo recessivo (que se dá
como favas contadas) encontrará os principais governos menos afinados e
capazes de respostas, como aconteceu na grande crise financeira de 2008.
Aqui o foco vai diretamente para os Estados Unidos, e a rara combinação
de difícil situação política doméstica com o fato de Washington ser um
dos principais fatores que contribuem para virar a ordem internacional
de cabeça para baixo – fato exemplificado num presidente que fala tão
mal de adversários quanto de aliados. Donald Trump perdeu o controle do
Congresso e a atual paralisação do governo é apenas o início de uma
áspera batalha política interna.
Nesse sentido, desenha-se um curioso cenário de combates também em
relação à política externa americana. O “consenso” entre democratas e
republicanos sobre a necessidade de reduzir o papel internacional dos
Estados Unidos está sendo quebrado na luta política contra Trump, ou
seja, seus adversários começam a falar na necessidade de “reconstruir”
valores como a liderança americana e refazer alianças (a belicosidade em
relação a China, porém, une nos Estados Unidos forças políticas
antagônicas).
Ser “contra” ou “a favor” de Trump é uma dessas bobagens que só tornam
ainda mais precária a compreensão do que está em jogo. O problema não
está em atacar o “globalismo”, mas em saber qual a capacidade de
liderança de Trump no momento em que uma crise econômica transborde para
se transformar numa crise geopolítica. E ela vem.
William Waack - O Estado de S. Paulo