Brasília,
como se sabe desde 1960, é uma dessas cidades onde as camadas mais
altas – políticos, potentados do serviço público e todo o mundinho que
vive delas, numa relação de seres que só prosperam como parasitas uns
dos outros – não trabalham. Não de verdade; o trabalho que fazem produz
bens e serviços de valor igual a três vezes zero e dificilmente seria
considerado “trabalho” pela maioria dos brasileiros comuns. (Com o “home
office”, é claro, a coisa só piora.) O resultado é que a capital passou
a ser o paraíso natural número 1 das falsas questões, crises ou
problemas. É natural. Na falta do que fazer, inventa-se coisas
extraordinárias, emocionantes e em geral absolutamente falsas, para dar
aos peixes graúdos a oportunidade de fingir que estão resolvendo
problemas monumentais e inexistentes – e de parecer, assim,
importantíssimos para os destinos do Brasil e do mundo.
Aconteceu de novo, com a história desse “desfile militar” que
passou por Brasília a caminho de uma área de Goiás que fica ali perto,
onde faria as mesmas manobras que vem fazendo no mesmo lugar há 33 anos –
uma carreata de carros blindados que atravessou a cidade, deu uma
paradinha no Palácio do Planalto para entregar um
convite (o presidente gostaria de ver o exercício?) e foi-se embora sem
incomodar um tico-tico.
Esse não-fato foi transformado, no minuto que se
soube dele, numa “crise militar” de primeiríssima grandeza. [a crise se tornaria grave, importante, se o bom senso não tivesse pousado sobre o ministro Toffoli iluminando-o, situação que o levou a perceber a gravidade de qualquer decisão que pretendesse impedir que as FF AA desfilassem, ou transitassem, em solo brasileiro.
O ministro inspirado remeteu o assunto ao STJ que quando o recebeu o evento combatido já tinha ocorrido e ocorreu a famosa, e muitas vezes útil, perda do objeto.] Era o dia
da votação da emenda propondo mudanças no atual sistema de votação para
as
eleições de 2022;
por conta disso, e só disso,
políticos, mídia e primeiros escalões e geral entraram em transe.
Estaria havendo, segundo a bolha de Brasília, uma
“ação militar” para
intimidar a
Câmara dos Deputados; era uma ameaça de
“golpe”, ou de pré-golpe, um momento de “tensão” e mais uma porção de coisas horríveis.
Nada disso tem, teve ou terá o menor ponto de contato com a realidade. Os
tanques de guerra (na verdade, o que mais tinha era caminhão de transporte) foram embora, a
mudança no sistema eleitoral não alcançou os 308 votos que precisava para ser aprovada
–
teve até maioria de votos, mas não o suficiente –
[ainda que fosse aprovada em dois turnos na Câmara, o Pacheco sentaria em cima e quando fosse a primeiro turno no Senado a anterioridade eleitoral do artigo 16, CF, impediria que fosse aplicada nas eleições 2022.]e meia hora após a
passagem do desfile a história toda estava morta e enterrada.
Ou seja:
barulho inútil do primeiro ao último dos 15 minutos de fama que essa
história teve.
A ocasião, naturalmente, serviu para políticos que
morrem de medo de uma bala de borracha mostrassem toda a sua valentia
diante dos “militares”, dizendo que não se deixariam “intimidar” e
outras lorotas.
Só ficam valentes porque que não correm risco nenhum
fazendo cara de machão para general bonzinho;
sabem que não vai
acontecer nada, e que
falar mal do Exército,
hoje, é tão perigoso quanto falar mal do
Instituto de Pesos e Medidas. [a abordagem do ilustre colunista Guzzo, levanta uma pergunta que insiste em surgir quando alguma autoridade, em sua maioria inimiga do presidente e do Brasil, diz que as instituições estão alertas e não permitirão que a democracia seja quebrada, etc, etc. A pergunta é: se a sempre invocada quebra da democracia for realmente para valer, como as instituições vão impedir?
Não olvidem que tais tipo de quebra não são avisadas com antecedência nem discutidas em redes sociais. Quando chegam ao nosso conhecimento já ocorreram ou estão em fase adiantada.]
Serviu, também, para se ouvir uma dessas declarações que seriam um poema
se não tivessem sido feitas.
“Foi uma coincidência trágica”, disse o
deputado
Arthur Lira,
presidente da Câmara, referindo-se ao desfile e a votação.
“Trágica”
por que? O deputado Lira, então, acha que a presença legal de tropas do
Exército Brasileiro na capital do país é uma tragédia? É ele quem está
dizendo.
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