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quinta-feira, 5 de maio de 2022

O Estado de Direito acabou - Percival Puggina

Não foi por falta de aviso! Há quase dois anos a mídia destacava frases do voto do então ministro Marco Aurélio Mello, único a divergir da aberração jurídica que acabou com o Estado de Direito no Brasil. Ali, o desarranjo ético que anulara as funções penais recíprocas de Senado e STF produziu a primeira de suas gravíssimas consequências o Inquérito do Fim do Mundo.

As cinco frases a seguir foram extraídas de matérias R7 e CNNBrasil em 18/06/2020 e sintetizam os problemas apontados. Em sua divergência, o ministro:

  1. disse ser o referido inquérito “uma afronta ao sistema acusatório no Brasil”;
  2. advertiu que “os magistrados não devem instaurar inquéritos sem prévia percepção dos órgãos de persecução penal”; 
  3. criticou o sigilo imposto ao inquérito pelo ministro Alexandre de Moraes: “receio muito as coisas misteriosas”
  4. sustentou que “ministros devem se manter distantes da coleta de provas e formulação da acusação”
  5. afirmou: “se o órgão que acusa é o mesmo que julga, não há imparcialidade”.

Pois é. Desde então, só quem vendeu a razão no brechó ideológico da esquina não percebe as gravíssimas consequências sobre as quais muito tenho escrito ao longo dos últimos anos. O Brasil não mais se libertou da espiral de abusos de poder presumidas no voto do ministro Marco Aurélio.

Passados menos de dois anos, estamos com meio caminho andado na esteira descrita por Berthold Brecht. O poeta alemão, defensor de uma ideologia que ceifou mais de cem milhões de vidas humana, fez um poema que termina assim:

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

São muitas e visíveis as consequências daquele primeiro mau passo. Os inquéritos que foram sendo abertos devem transmitir aos ministros uma agradável sensação de onipotência, principalmente porque, no fundo, sabem que o presidente da República sempre se manteve como o “homem das quatro linhas da Constituição”. Pertence-lhes o privilégio de extrair da Carta o que querem que ela diga.

A sociedade não é vista, nem ouvida pelos que dela se afastam enquanto “os poderes se agigantam nas mãos dos maus”. A tirania se instala. Não precisa de razões, pois ela é o Alfa e o Ômega, enquanto puder ser.

Por isso, me vem à lembrança o ensino de Xenofonte. Há 24 séculos, ele já sabia que “os tiranos temem os bravos porque podem agir por sua liberdade; temem os sábios porque podem conceber algo; temem os justos porque a multidão talvez deseje ser governada por eles”. E adverte que, “quando, por causa desses medos, o tirano se livra deles, percebe que apenas os injustos, os imoderados e os servis lhe restam para usar”.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Um basta na pandemia - Bruna Leal

Revista Oeste

Apesar do surto de infecções, a chegada da nova variante pode mudar os rumos da covid-19

Entre trancos e solavancos, o mundo adentra o terceiro ano de pandemia com boas notícias. A descoberta da variante Ômicron, identificada pela primeira vez em novembro na África do Sul, pode significar, enfim, o fim da era covid-19. Não que o coronavírus vá desaparecer do planeta. Não. O vírus detectado em Wuhan, na China, veio para ficar. Mas deverá permanecer sob controle, como tantos outros que circulam invisíveis entre a população mundial há séculos. Uma enquete feita pela revista Nature no começo de 2021 com cem imunologistas, virologistas e epidemiologistas que pesquisavam o novo coronavírus revelou que cerca de 90% deles acreditavam ser improvável que a covid-19 fosse erradicada. Contudo, será bem mais fácil conviver com uma doença que se comporta da mesma maneira que uma gripe comum. Pelo menos, esse é o cenário que se desenha atualmente no mundo com o aumento de infecções pela nova variante.

 

Ilustração: Revista Oeste/Shutterstock
Ilustração: Revista Oeste/Shutterstock

A chegada da Ômicron causou uma explosão de novas infecções em velocidade nunca antes vista durante a pandemia. Nesta semana, o mundo registrou pela primeira vez mais de 3 milhões de casos de covid-19 em apenas 24 horas. As mortes causadas pelo coronavírus, no entanto, vão na direção contrária, o que mostra que a nova cepa, apesar de altamente transmissível, é menos letal do que as demais, chamadas “variantes de preocupação” (Alfa, Beta, Gama, Delta). 
A hipótese de que o alto número de contaminações pela Ômicron pode ser a solução para a pandemia se mostra, a cada dia, mais possível: o aumento de pessoas com imunidade natural adquirida pela doença vai acelerar o fim do filme de horror que o mundo presenciou nos últimos dois anos. Ainda faltam, contudo, estudos concretos para validar essa tese — e o momento ainda é de cautela.  
Uma lição aprendida nessa pandemia é que ela pode ser imprevisível — a considerar pela enxurrada de previsões, algumas altamente catastróficas, que felizmente não se confirmaram. No entanto, a menos que surja uma variante brutalmente letal e resistente a vacinas, o destino do novo coronavírus caminha para se tornar endêmico, o que deixará suas taxas de incidência e transmissão previsíveis e aceitáveis. Boa parte do planeta precisa, agora, desapegar do medo e aprender a conviver com a doença.

Apesar da Ômicron, mortes não acompanham alta de casos

A histeria coletiva causada pela Ômicron se mostrou muito pior do que os efeitos da própria variante. Assim que a Organização Mundial da Saúde (OMS) a classificou como “variante de preocupação”, os países acenderam o alerta vermelho. O mercado financeiro desabou, o espaço aéreo foi fechado, as medidas de controle social voltaram a ameaçar a liberdade dos cidadãos. A Ômicron, contudo, “decepcionou” os pandelovers e os fanáticos pelo lockdown e já mostrou que vai passar. A história na África do Sul indica isso. Depois do crescimento galopante de casos de covid, o país anunciou, em dezembro do ano passado, o fim do pico de transmissão. E isso deve se repetir em outras nações. Enquanto o surto não passa e o número de infectados bate recordes no mundo, a boa-nova é que a quantidade de mortes não avança na mesma proporção. A média móvel global de óbitos nos últimos sete dias está em 6,7 mil, mesmo patamar de outubro de 2021, segundo dados da plataforma Our World in Data

No Brasil não é diferente. Apesar do aumento de casos, as mortes continuam em patamares baixos, em comparação com o pico da pandemia. A média móvel de mortes hoje é de cerca de 140. No pior momento da crise, em abril do ano passado, chegou a pouco mais de 3 mil óbitos. Como a circulação da Ômicron já é dominante no Brasil, segundo declaração, na terça-feira 11, do próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a tendência é que as contaminações mais brandas não impactem significativamente em hospitalizações graves e mortes. O clínico geral e doutor em imunologia Roberto Zeballos, em entrevista ao programa Direto ao Ponto, da Jovem Pan, fez uma provocação sobre o atual momento da pandemia no país. “Vamos fingir que somos uma avestruz, com a cabeça dentro de um buraco”, disse. “Vamos tirar a cabeça da avestruz do buraco e olhar: as UTIs estão lotadas? Não. As crianças estão morrendo? Não. O nível de mortes está caindo? Está. Estamos em uma situação não emergencial.”

O cenário poderia ser ainda mais favorável por aqui não fosse o surto de gripe que se instalou em várias regiões do país. Mais comum no outono e no inverno, quando as pessoas ficam muito tempo confinadas em ambientes com pouca circulação de ar, o aumento de casos de gripe nesta época do ano está associado a alguns fatores. Um deles é o surgimento da variante H3N2, chamada Darwin, que não entrou na fórmula da vacina contra gripe aplicada em 2021 no Brasil. “Os vírus que circulam agora são como se fossem filhotes de vírus dos anos anteriores”, explica a infectologista Patrícia Rady Muller. “Como no ano de 2020 não havia circulação do H3N2, a vacina do ano passado não tinha essa cepa. Por isso que as pessoas estão mais desprotegidas.” Outra hipótese é que, como muita gente ficou reclusa por longos períodos em 2020 e 2021, os vírus respiratórios pararam de circular. “Para que ocorra uma infecção no organismo, é preciso que o vírus esteja presente e que ocorra a queda da imunidade da pessoa”, disse a infectologista. 

A dupla virótica de H3N2 e coronavírus circulando ao mesmo tempo provocou uma corrida por testes para detectar as doenças. Para quem procura os exames nas farmácias, as filas e a falta de estoque são os principais gargalos. Dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias mostram que cerca de 284 mil testagens foram feitas entre 27 de dezembro e 2 de janeiro: 50% superior ao de 20 a 26 de dezembro. No entanto, o efeito da escalada de testagem em massa está provocando um verdadeiro caos em diversos setores da economia. Bares e restaurantes estão desde dezembro tendo de afastar em torno de 20% dos funcionários, toda semana, por suspeita de gripe ou covid, segundo informação do presidente da Associação Brasileira de Bares, Paulo Solmucci. 

A Ômicron já mostrou que não tem preconceito: contamina vacinados e não vacinados

Na manhã desta quinta-feira 13, a espera para fazer um teste de covid-19 no Hospital Sírio Libanês, por exemplo, era superior a duas horas. Motivo: além do aumento da demanda, um número enorme de funcionários não estava trabalhando por suspeita de gripe ou contaminação pelo coronavírus. A alta em casos e suspeitas de infecções em tripulantes já afeta voos nas maiores companhias aéreas do país. No mundo, só no Natal, 4,5 mil voos foram cancelados. Várias empresas adiaram o retorno ao trabalho presencial, e setores como a construção civil e os bancos também sentiram os impactos do afastamento de funcionários por covid. 

Nesta semana, o Ministério da Saúde seguiu a mesma recomendação das autoridades dos Estados Unidos e reduziu o período de quarentena para pessoas infectadas com a covid-19 de dez para sete dias, caso o paciente não tenha sintomas há pelo menos 24 horas. O período pode cair para cinco no caso de assintomáticos. Apesar de não ser consenso entre especialistas, para o médico médico-cirurgião oncológico com pós-doutorado em epidemiologia estatística Luiz Bevilacqua, a medida é acertada. “O custo financeiro-social de diagnosticar e isolar pessoas assintomáticas está sendo desproporcionalmente elevado, tendo em vista a benignidade da doença”. 

Além disso, a Ômicron já mostrou que não tem preconceito: contamina vacinados e não vacinados. “A vacina não impede a contaminação de vacinados”, observa Bevilacqua. “Então, qual o sentido de afastar pessoas que testaram positivo para a doença e estão assintomáticas?” A Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica já alertou para a possibilidade de falta de testes de antígeno e PCR, caso os estoques de insumos não sejam repostos “rapidamente”. Bevilacqua questiona se essa disparada às farmácias em busca de testes é a melhor estratégia neste momento: “Será que pessoas assintomáticas, que já tomaram a vacina, precisam ser testadas?”, indaga.

Atualização das vacinas
Atualmente, o principal foco das vacinas é a spike, a proteína que o vírus usa para invadir a célula. A Ômicron, por exemplo, apresenta 32 mutações só na spike, o que ajuda a explicar a resistência da nova variante aos imunizantes. “As vacinas ajudaram lá trás com outras variantes, mas hoje não estão solucionando o problema no caso da Ômicron”, disse Zeballos, durante a entrevista ao Direto ao Ponto. A primeira morte confirmada pela Ômicron no Brasil ocorreu na semana passada. O paciente, de 68 anos, tinha comorbidades e, de acordo com o Ministério da Saúde, havia recebido três doses de vacina contra a covid-19. É bom lembrar que, antes mesmo da chegada da nova cepa, as vacinas já não se mostravam 100% eficazes para evitar contaminações.

Estudos mostram, contudo, que pessoas vacinadas têm menor risco de contrair a doença e, ainda que sejam diagnosticadas, têm menores chances de evoluir para casos graves e mortes. Hoje, há dez imunizantes sendo aplicados em regime de liberação emergencial no mundo, segundo a OMS. No entanto, a natureza foi mais rápida do que a ciência. Todas essas vacinas desenvolvidas em 2020 foram baseadas na versão “original” do vírus, que praticamente não circula mais no mundo. “A cepa Ômicron é muito diferente das que a antecederam. Ela é quase um novo patógeno”, disse a pneumologista Margareth Dalcolmo, em entrevista para a Band News nesta semana. Mesmo assim, as doses de reforço vacinal continuam sendo aplicadas quase como uma obsessão. Israel e Chile, por exemplo, já chegaram à quarta dose. 

Finalmente, e com algum atraso, a OMS admitiu nesta semana que as vacinas contra a covid precisam ser atualizadas. A organização informou que as atualizações devem provocar respostas imunes “amplas, fortes e duradouras”, a fim de reduzir a aplicação de contínuas doses de reforço. E mais, a OMS orienta que a nova geração de vacinas precisa, além de prevenir contra casos graves e mortes, oferecer proteção maior contra a infecção, “diminuindo assim a transmissão comunitária e a necessidade de medidas sociais e de saúde pública rigorosas”. Nenhuma novidade. As vacinas contra a gripe são atualizadas todos os anos. Para 2022, por exemplo, a OMS já incluiu a variante Darwin em sua fórmula vacinal. 

Diante dos fatos, as justificativas para exigir um passaporte de vacinação ficam ainda mais esvaziadas. Na mesa, o que está em jogo é muito mais um debate sobre poder e liberdades individuais do que sobre ciência. Basta ver o que fizeram com o tenista sérvio Novak Djokovic na Austrália, preso em um quarto de hotel por não estar vacinado. Ou o que aconteceu com os cruzeiros marítimos no final do ano, em que a exigência do comprovante de vacina de toda a tripulação e de passageiros não impediu surtos de covid entre 100% vacinados.  

Enquanto vacinas mais modernas não chegam ao mercado, os cientistas continuam monitorando alterações virais que possam interferir no curso da pandemia. A gripe é controlada dessa maneira. Há 105 anos, uma variante da influenza causou a maior catástrofe sanitária do século passado. A gripe espanhola, como ficou mundialmente conhecida, matou cerca de 50 milhões de pessoas entre os anos de 1918 e 1920. Atualmente, a influenza se tornou endêmica continua em circulação e provoca epidemias sazonais —, mas as autoridades sanitárias estão atentas para identificar variantes prevalentes e, assim, turbinar uma versão de vacina antigripal mais potente e eficaz. Estima-se que, por ano, morram em todo o mundo, em média, 650 mil pessoas devido à gripe sazonal. Essa letalidade passou a ser aceitável, e nem por isso adotam-se medidas rigorosas para evitar o contágio, como lockdowns, trabalho remoto e uso infinito de máscaras. 

O coronavírus deve seguir os mesmos passos. “Acredito que, neste ano, a covid vai atingir o nível endêmico e se tornar uma doença como qualquer outra”, afirma o infectologista Francisco Cardoso. “Não vai haver mais elementos para manter o status de pandemia.” O fracasso das tentativas de lockdown impostas no mundo todo mostra que não há como implantar um plano covid zero. O retorno ao normal depende de como a humanidade vai aprender a conviver com a doença. 

Leia também “A era do pânico”

Bruna Leal, colunista - Revista Oeste

 


segunda-feira, 3 de junho de 2019

Se nossa renda por habitante crescer 1,5% este ano e essa taxa se mantiver, levaremos 47 anos para dobrá-la e alcançar o nível que Portugal já hoje desfruta

Duvido que algum país tenha um número de irresponsáveis por metro quadrado comparável ao nosso. Baseando o cálculo só no circuito institucional sediado em Brasília, excluindo o resto do País, nossa vantagem sobre o resto do mundo nesse quesito deve ser acachapante.  Para bem aquilatarmos a extensão da coisa, tanto faz começarmos pelo lado grotesco – lagostas, vinhos de qualidade, auxílio-paletó, auxílio-moradia – ou pelo lado teratológico, quero dizer, pelo contingente de 26 milhões de pessoas sem trabalho, por nosso sistema educacional, horroroso nos três níveis, pela corrupção de proporções amazônicas, pela taxa de homicídios subindo de patamar e agora, para nosso infinito espanto, pelo rompimento de barragens causando danos irreparáveis a algumas de nossas mais importantes bacias hídricas. 

Culpa de Deus? Não, culpa da ignorância técnica, da falta de fiscalização e do desprezo pela natureza e pela vida das coletividades que vivem nas proximidades. A verdade é uma só: a desigualdade social e o desmazelo generalizado estão nos tornando um país estúpido, violento e cruel.  Se nossa renda por habitante crescer 1,5% este ano (o que não é trivial) e essa taxa se mantiver por um longo período, levaremos 47 anos para dobrá-la e alcançar o nível que Portugal já hoje desfruta. Repito: 47 anos. Essa projeção macabra deveria ser suficiente para mudar as atitudes e padrões éticos dos donos do poder. Deveria ser uma espada de Dâmocles obrigando os três Poderes a se levarem mais a sério e a tratar com respeito os 207 milhões de habitantes deste país “abençoado por natureza”. O que vemos acontecer diuturnamente em Brasília dista anos-luz desse mandamento elementar.

Só consigo compreender a lerdeza (pirraça, fisiologismo, falta de vergonha…) com que a reforma da Previdência é tratada por grande parcela do Congresso a partir da ignorância de muitos a respeito do futuro que nos aguarda. A referida parcela simplesmente não compreende que essa reforma é apenas o primeiro passo numa dura série de mudanças que teremos que fazer, de um jeito ou de outro. De reformas muito mais drásticas do que essa que temos sobre a mesa poderá depender, quem sabe, até nossa sobrevivência como entidade nacional integrada.

Não me deterei nos prós e contras do governo Bolsonaro, assunto martelado diariamente na imprensa e nas redes sociais. Não sei se ele adotará ou não um estilo consentâneo com a magistratura a que foi alçado e com a gravidade da crise em que os governos anteriores nos meteram. Quero apenas lembrar que a eleição já passou, que os palanques já foram ou deveriam ter sido desmontados e que a presente hora tem de ser de distensão e pacificação, não de mais acirramento.

A História do Brasil não é o oito ou oitenta que tantos se comprazem em trombetear. Erramos muito, mas também acertamos bastante. Tivemos muito azar em algumas ocasiões, mas outras houve em que Deus deu realmente a impressão de ser brasileiro. Veja-se a preservação da integridade territorial, que nos proporcionou esse que talvez seja o maior dos nossos ativos: nossa dimensão continental. É certo que, em nosso caso, a unidade não foi suficiente para alicerçar um mercado interno robusto; seria demais esperar isso no nível de pobreza prevalecente quando nos livramos do regime colonial. De 1930 a 1980, nossa economia cresceu vigorosamente. Naquele período poderíamos ter constituído um mercado interno respeitável e não o fizemos, agora, sim, por uma imperdoável sequência de erros, a começar pelo modelo de crescimento concentrado no Estado, trampolim para a obscena consolidação de uma casta patrimonialista no topo da pirâmide política, reforçada pela trincheira geográfica que Brasília passou a proporcionar-lhe.

Parece-me, pois, que o alfa e o ômega da irresponsabilidade política brasileira é essa incapacidade infantil de perceber o inferno a que inexoravelmente chegaremos se reformas drásticas não forem efetivadas. Um ponto de partida conveniente para quem tiver ânimo e coragem para abrir os olhos é relembrar o que aconteceu nas três últimas décadas do século 19 nos três casos clássicos de “industrialização tardia” – ou seja, na Alemanha, no Japão e nos Estados Unidos. Firmar a unidade territorial e construir um poder central digno de respeito foram a condição sine qua non para constituir o mercado interno, base do crescimento industrial acelerado que esses três países conheceram. A Alemanha, além de uma reforma administrativa admirável, iniciada no começo do século 19, levou a cabo a unificação em 1870. Sob a égide da Prússia e a liderança de Bismarck, os 40 principados então existentes se uniram no que viria a ser uma formidável potência industrial. No Japão, a restauração da dinastia Meiji levou ao poder uma nova elite que rapidamente quebrou o sistema feudal, desarmou a corporação dos samurais, padronizou o sistema educacional em nível nacional e abriu rapidamente o país para o exterior, em busca de tecnologia. Não menos impressionante, nos Estados Unidos a drástica reorientação do sistema educacional no sentido tecnológico, por meio dos land-grant colleges, e a sangrentíssima guerra de 1861-1865 contra o sul escravocrata fincaram os pilares do espetacular crescimento econômico na quarta parte do século.

No Brasil, a dificuldade é escolher qual o melhor exemplo de infantilidade e irresponsabilidade. Minha inclinação é a organização partidária. A proliferação desabrida não seria tão grave se o resultado dela fosse apenas nominal, mas não é o caso: analisada como um número de partidos efetivos, nossa estrutura partidária é, nada mais e nada menos, a mais fragmentada do planeta.
Vinte e seis milhões de pessoas sem trabalho ficam sem saber se é para rir ou para chorar.

Bolívar Laumonier - O Estado de S. Paulo