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domingo, 25 de junho de 2023

Freios e contrapesos da democracia lipoaspirada - Alon Feuerwerker

Análise Política

Em meio à acomodação política, um achado, nem tão novo assim, é a mudança gravitacional das forças envolvidas na formação de uma base política para o governo. Acontece com qualquer governo em alguma das esferas da federação.

A mudança decorre da abolição, pelo Judiciário, do financiamento empresarial das campanhas eleitorais. E de uma constatação: as contribuições das pessoas físicas são um infinitésimo do que eram as das empresas.

O objetivo de todo agente político é ampliar seu poder, ou ao menos manter. É natural, portanto, que a atividade dele incline-se para beneficiar quem é mais capaz de ajudá-lo a avançar, ou ao menos continuar onde está se for legalmente possível.

Campanhas custam dinheiro. A utopia de campanhas eleitorais imunes ao dinheiro é tão viável quanto seria, apenas como exemplo, a de um jornalismo que, para se manter totalmente isento, abrisse mão da receita publicitária vinda de governos e empresas que cabe a esse jornalismo fiscalizar.

Quem tem hoje dinheiro para financiar legalmente uma campanha eleitoral cara, como são as majoritárias e, na maioria dos casos, as proporcionais, aqui por causa do sistema de lista aberta que tem o estado como distrito? Os governos e os partidos.

Neste segundo grupo
, sem a exigência de qualquer mecanismo democrático de decisão.

Os governos controlam o fluxo financeiro para os parlamentares por meio das emendas aos orçamentos, recursos que, repassados às bases eleitorais, alimentam as máquinas políticas. E os donos dos partidos têm o poder de decidir quem vai ter ou não dinheiro na eleição.

Argumentar-se-á que dinheiro não é tudo, que o político precisa se guiar também pelo que pensa o eleitor. Mas mesmo isso é relativo, pois o eleitor pode perfeitamente alinhar-se pela política macro na eleição majoritária e caminhar mais pragmaticamente na proporcional.

É o que tem acontecido. As eleições proporcionais, tirando alguns pontos fora da curva de supercampeões de voto “de opinião”, fenômeno que tem se concentrado na direita, acabam cada vez mais determinadas por bases orgânicas articuladas em torno de recursos orçamentários.

E o ciclo virtuoso, para os beneficiados, se realimenta.

Daí uma certa estabilidade na composição político-ideológica da Câmara dos Deputados. A consequência é a relativa autonomização da representação parlamentar. [autonomização que pode não existir  - se o governo tiver grande proximidade com o Judiciário] Um governo, qualquer um, tem de ser muito turrão ou incompetente para ter problemas sérios com seu parlamento.

Mas precisa saber jogar, pois algo ainda não inventado é o político satisfeito com o que recebe do governo e grato ao governante. É uma permanente guerra de posição, que em administrações muito impopulares corre o sério risco de virar guerra de movimento.

A esse jogo costuma-se chamar “articulação política”. Eis por que a inocência de acreditar que ela e as relações entre governo e base parlamentar dependem de “mais diálogo”, “carinho” ou “atenção”. É uma guerra permanente por recursos e posições que gerem recursos.

A autonomização da representação popular pode ser lida como mecanismo de “checks and balances” ou como enfraquecimento da democracia. De todo modo, o Brasil é um exemplo quase extremo desse descasamento entre a vontade popular expressa na eleição majoritária e a realidade parlamentar dos governos eleitos.

Haveria mecanismos para corrigir isso. Um deles, de aplicação simples: calcular a representação no parlamento a partir dos votos dados aos candidatos ao cargo executivo.

Mas as resistências seriam grandes.

Vindas principalmente de quem se nutre das “denúncias de fisiologismo” para manter a faca no pescoço dos políticos, mas se sustenta nesse dito fisiologismo para relativizar que a vontade popular se expresse nas políticas de governo. 

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político 

 

quarta-feira, 7 de junho de 2023

Ícaro brasileiro - VOZES

Gazeta do Povo - Alexandre Garcia

 Foto - EFE

O presidente quase ficou sem 17 ministérios e 17 ministros quase ficaram sem pasta. 
 E não conseguiu tirar o COAF do Banco Central nem extinguir a FUNASA, nem dar o Cadastro Ambiental Rural e a Agência de Águas para a Marina Silva, nem a demarcação de terras indígenas para a Sônia Guajajara. 
E ainda pagou caro pela aprovação por um triz da nova estrutura de governo: o recorde de 1,7 bilhões em emendas liberadas no dia da votação. Se Lula ficou surpreso com esse resultado é porque anda afastado demais do país, voando demais. Na intimidade, se sabe que culpa seus articuladores no Congresso, embora todos saibamos que Artur Lira teve boas razões para prevenir o governo de que o problema está mais acima.
 
Talvez seja difícil para o presidente entender que ele foi eleito pela metade dos eleitores. A outra metade é oposição. Na melhor das hipóteses para ele, o país está dividido; ele não teve uma vitória esmagadora, como para ele parece. 
Além disso, a eleição que renovou a Câmara mostrou que cerca de dois terços dos deputados vêm de partidos e votos de centro-direita; a renovação de um terço do Senado aumentou a bancada conservadora para mais de 60%. 
 Resta ao governo apelar ao fisiologismo; liberou emendas e agora fala em dar mais ministérios a partidos que ainda não receberam. 
Motivos para refazer o ministério é que não faltam.
 
Culpar articulação no Congresso é só ficar com uma parte do diagnóstico. Ministros inexperientes não têm noção de como se relacionar com deputados e senadores e, pelo jeito, cinco meses não foram suficientes para sentir que cada um tem que servir ao seu público, ao povo e ao mesmo tempo dar atenção aos integrantes do Poder Legislativo. 
Governo não é apenas o Executivo e, como se sabe, o falado semipresidencialismo já é uma prática há mais de quatro anos. 
Mesmo os experientes ex-governadores, hoje no ministério, estão gerando desgastes no governo, como o ministro da Justiça, Flávio Dino, e agora o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que, sem ser provocado, fez um discurso preconceituoso ofendendo Brasília, os brasilienses e levantando até os petistas da bancada do DF contra o ministro coordenador do governo. Nunca se havia ouvido antes um governador chamar ministro de “um idiota completo”, como disse ao Correio Braziliense Ibaneis Rocha (MDB) referindo-se a Rui Costa.

Talvez seja difícil para o presidente entender que ele foi eleito pela metade dos eleitores. A outra metade é oposição

Não foi apenas a escolha do ministério inchado, mas também o espírito de revanche e desmanche. 
O teto de gastos, a privatizada Eletrobras, o marco do saneamento e a autonomia do Banco Central estão entre as tentativas de retroceder décadas e afastam também os notáveis que assinaram a Carta pela Democracia que apoiou Lula. 
E já aparecem editoriais e artigos com forte crítica ao governo, em órgãos que apoiaram a candidatura Lula. O programa econômico é claudicante; essa última novela de carro popular com corte de impostos, depois com bônus, e agora “repaginado” para caminhões e ônibus que já têm combustível subsidiado, mostra como a área econômica está insegura, indecisa e é incipiente no ramo.
 
A terceira década do milênio já não é como a primeira - essa é outra falha na percepção do chefe do Executivo. Aí, voa para fora do país - até quer um avião maior -, afastando-se das dificuldades internas.  
Viagens que causam mais críticas que elogios, nessa política externa de incensar o ditador Maduro em Brasília, sendo anfitrião de outros presidentes. Dia 22 será a 11ª viagem internacional - uma por quinzena. 
O próximo destino pode ser Paris para tratar de clima. Depois vai ao Vaticano.  
Na verdade, para tratar de clima, deveria voar para o Sol, que é responsável pelo clima da terra. Mas, cautela: Ícaro iludiu-se sem saber que as asas estavam derretendo.
 
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima
 
Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 

domingo, 6 de junho de 2021

Ramos diz que Mandetta aterrorizou STF com previsão de 400 mil mortos - Blog do Josias

Ramos diz que Mandetta aterrorizou STF com previsão de 400 mil mortos ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2021/06/06/ramos-diz-que-mandetta-aterrorizou-stf-com-previsao-de-400-mil-mortos.htm?cmpid=copiaecola
Crítico das medidas restritivas adotadas por governadores e prefeitos, o general Luiz Eduardo Ramos, chefe da Casa Civil, acha que os ministros do Supremo Tribunal Federal estavam aterrorizados quando reconheceram os poderes de estados e municípios para agir na pandemia. Atribuiu o pânico a Henrique Mandetta. Em entrevista ao jornal O Globo, o general contou que, em reunião na Suprema Corte, Mandetta previu que a Covid-19 mataria "400 mil pessoas" no Brasil.... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2021/06/06/ramos-diz-que-mandetta-aterrorizou-stf-com-previsao-de-400-mil-mortos.htm?cmpid=copiaecola

Crítico das medidas restritivas adotadas por governadores e prefeitos, o general Luiz Eduardo Ramos, chefe da Casa Civil, acha que os ministros do Supremo Tribunal Federal estavam aterrorizados quando reconheceram os poderes de estados e municípios para agir na pandemia. Atribuiu o pânico a Henrique Mandetta. Em entrevista ao jornal O Globo, o general contou que, em reunião na Suprema Corte, Mandetta previu que a Covid-19 mataria "400 mil pessoas" no Brasil. [fosse Mandetta apoiador de Bolsonaro, teria sido preso por espalhar notícias aterrorizantes; Só que apesar de na época ser ministro de Bolsonaro todos o viam como um traidor do capitão.

Mandetta foi conservador em seu vaticínio. O número de mortos já ultrapassou a casa dos 470 mil. Mas Ramos parece analisar os fatos como se vivesse uma realidade paralela. "Se sou ministro do Supremo e vejo aquilo ali, fico assustado", disse o general. "Faltou um debate. Faltou a gente conversar. Não houve isso. Foi goela abaixo." Segundo o relato de Ramos, o advogado-geral da União André Mendonça testemunhou a conversa de Mandetta com os ministros do Supremo. Definiu o encontro como "uma sessão de terror." Sobre a constante ameaça de Bolsonaro de editar um decreto para suspender as restrições baixadas por governadores e prefeitos, Ramos ecoou o chefe: "É prerrogativa dele. E ele usa isso dentro das quatro linhas da Constituição, que, em seu artigo 5º, garante o direito de ir e vir."

O general desconsidera a necessidade de tomar o texto constitucional como um todo, não em fatias. Não há bem jurídico mais valioso do que a vida. E a Constituição praticamente ordena aos gestores públicos que adotem restrições contra o vírus ao informar, no artigo 196, que a saúde é "direito de todos e dever de União, estados e municípios." Instado a falar sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, Ramos Ramos declarou que "há um uso demasiado político da CPI, para atingir o presidente Bolsonaro." Acrescentou: "Não vão conseguir porque o presidente fez a coisa correta." Faltou definir o que é correto. 
A correção estaria na aposta que o presidente fez nos poderes curativos da cloroquina? 
Foi correto retardar a compra de vacinas? [não houve nenhuma ação do governo Bolsonaro buscando retardar a compra de vacinas.
Mais uma vez vamos ser recorrentes:
- o próprio Dimas disse quando depôs na CPI Covidão que na ocasião da oferta pelo Butantan ao governo Bolsonaro  de 50 milhões de doses da CoronaVac, o imunizante estava em desenvolvimento e não tinha autorização da Anvisa = quando um produto está em desenvolvimento, especialmente se tratando de medicamento, não pode ser considerado DISPONÍVEL PARA USO. Além do mais a legislação proíbe a venda em territórios nacionais de fármacos não autorizados pela Anvisa.
 
- quanto ao imunizante da Pfizer, ainda que esqueçamos as cláusulas abusivas, draconianas, que a farmacêutica tentou impor ao Brasil, aquele imunizando não estava disponível no Brasil, e por exigir, na ocasião, a temperatura de -75º C para armazenamento e transporte seguro, era o produto da Pfizer o mais inadequado  par ao Brasil, tendo em conta que temperaturas entre 30ºC a 40ºC são as predominantes no Brasil. Só este ano, em abril ou maio foi que a farmacêutica reduziu a necessidade de frio extremo para armazenar suas vacinas.
COMPRAR O QUE NÃO EXISTIA no caso da  CoronaVac - de época em que começou a fabricar o imunizante até o inicio de junho/2021 o Butantan havia produzido 47.000.000 de doses - seria, para dizer o mínimo uma irresponsabilidade do governo do capitão; 
COMPRAR O QUE NÃO EXISTIA E NÃO TINHA CONDIÇÕES DE ARMAZENAR, seria uma irresponsabilidade do governo Bolsonaro.]
Onde começa a correção e termina a negligência na na recusa em adquirir os 130 milhões de doses oferecidos pela Pfizer e pelo Butantan em agosto de 2020, com entregas a partir de dezembro? 

No país alternativo em que o general Ramos decidiu viver, o colega de farda Eduardo Pazuello fez uma boa gestão no Ministério da Saúde. "O Pazuello fez o trabalho que podia fazer dentro das condições. A gestão dos estados, o problema no oxigênio... Pergunto o seguinte: na história dessa pandemia, onde estão os prefeitos? Onde estão os governadores? Os secretários municipais de Saúde, os secretários estaduais? Foi tudo o Pazuello? É fácil culpar uma pessoa. Vários erros cometidos." De fato, o raciocínio do general comprova que é mais fácil gastar saliva e energia terceirizando culpas do que resolvendo os problemas. O chefe da Casa Civil de Bolsonaro revelou-se capaz de tudo na entrevista, só não conseguiu descer do Mundo da Lua.

O governo rendeu-se ao centrão. Mas o general rebatizou o fisiologismo. Chama a promiscuidade de alinhamento. "Não é velha política. [Antes] era toma lá, dá cá. Eu te dou um cargo, você vai fazer isso pra mim. Havia desvios de recursos. No governo Bolsonaro não foi assim. Foi um alinhamento de base para poder permitir votações. [...] Quem está alinhado ao governo tem direito a ter espaço no governo. Não foi toma lá, dá cá. Foi uma decisão do presidente, e acertada." 

A impunidade assegurada pelo Exército a Pazuello enviou para a lata do lixo as regras que proíbem militares de participar de atos políticos. Mas Ramos sustenta que Pazuello estava fantasiado de paisano quando virou um general de palanque. "O general Pazuello estava ali como civil. [...] O presidente da República é o comandante supremo das Forças Armadas. Isso tem que ficar bem claro. Ele é o comandante supremo. Trocou o ministro da Defesa, trocou os comandantes..." Então, tá!...[se o respeitável articulista ler com atenção, e imparcialidade, o Capítulo II do RDE, há de concordar que Pazuello não cometeu nenhuma transgressão disciplinar -  a aplicação do recurso JUSTIFICAÇÃO previsto no RDE - favorece o ex-ministro da Saúde.

 

Josias de Souza, jornalista - Blog do Josias - UOL

 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Presidencialismo de colisão x parlamentarismo - O Estado de S.Paulo

José Serra

Precisamos alcançar, nos termos da Constituição, caminhos para enfrentar crises conjunturais

Os recorrentes embates entre o Executivo e o Congresso representam uma generosa fonte de incentivos para a reflexão sobre a mudança do sistema de governo em nosso país. Os exemplos desses embates são numerosos e não estão circunscritos aos mandatos atuais.Tudo começa com a falta de entendimento entre o Executivo e os parlamentares que apresentam proposições para a solução de problemas nas mais diferentes áreas, que acabam sendo atropeladas por recursos que o governo utiliza heterodoxamente com o propósito de formar maioria. É esta maioria que lhe permite dar curso a seus projetos ou amenizar a fiscalização que poderia e deveria sofrer.

Nesse contexto, as saídas propostas pela sociedade (impeachment, por exemplo) para contornar as ondas de perda de credibilidade que recaem sobre o presidente tendem a transformar o nosso sistema de governo num verdadeiro presidencialismo de colisão. Penalizando o País, como trava ao nosso desenvolvimento. Para a opinião pública, passamos a impressão de que nos dedicamos mais a aparar as arestas políticas do dia a dia do que a dar retorno positivo aos que depositaram em nós a confiança para resolver as dificuldades econômicas e sociais.

O parlamentarismo é uma convicção que carrego desde a época da Constituinte, partindo de um argumento fundamental: a necessidade de participação mais efetiva e responsável do Congresso na definição, implantação e controle das políticas governamentais. O presidencialismo favorece a situação oposta: a grande concentração do poder de decisão nas mãos do Executivo leva o Parlamento a sentir-se pouco comprometido, flertando constantemente com a polarização.

Há quem acredite que a nossa democracia esteja em perigo, que estamos andando no fio da navalha entre o seu enfraquecimento e o risco do autoritarismo. Não penso assim, mas acredito, não é de hoje, que o modelo presidencialista esteja desgastado e que precisamos voltar a cogitar o parlamentarismo. Um parlamentarismo sem subterfúgios, sem meias palavras, que fortalecerá o chefe do Poder Executivo, seus ministros e o seu programa de governo.

No presidencialismo, o Parlamento se fortalece na razão direta do enfraquecimento do governo. No parlamentarismo, aumenta a chance de uma aliança política positiva Executivo/Legislativo, que proporcione um governo mais forte.O parlamentarismo permite mudanças na equipe e no programa de governo sem traumas institucionais. Abre caminho, igualmente, para coalizões governamentais baseadas em programas, e não em puras adesões em troca de favores. Oportuno enfatizar que uma condição essencial para o pleno funcionamento do parlamentarismo reside na possibilidade de o presidente, em face de impasses que impeçam a definição de maioria parlamentar estável, dissolver a Câmara e convocar novas eleições. [o poder de dissolver o Congresso pode ser outorgado no regime presidencialista, bastando ajustes na Constituição.] O sistema favorece, a médio prazo, as condições de governabilidade no país, abaladas em momentos de crise.

O Brasil viveu, desde a promulgação da Constituição, momentos dignos de registro. Consolidamos a democracia política, que tem na Carta sua guardiã mais efetiva, e, apesar dos muitos percalços, estabelecemos as bases de uma economia fundada numa moeda consistente e sólida. Mas precisamos alcançar, nos termos constitucionais, mediante amplo entendimento político, os caminhos para o enfrentamento de crises conjunturais. Abrindo a oportunidade para um avanço que respeite a história e a cultura do povo brasileiro.

Diz-se, com frequência, que o parlamentarismo é apresentado como uma panaceia toda vez que o País passa por alguma crise política ou de governabilidade, mas que os problemas de crescimento econômico, inflação, salários, emprego, desenvolvimento e, sobretudo, de injustiça social não serão resolvidos pelo sistema de governo. A meu ver, não se trata de criar ou recriar panaceias, mas de encontrar uma forma de governo que aumente as possibilidades de os problemas nacionais serem mais bem enfrentados e equacionados.

É, também, corriqueira a crítica de que, no parlamentarismo, o fisiologismo e a cooptação exercerão de forma plena e livre sua influência negativa no processo político brasileiro. Esse é um argumento equivocado, que tem como ponto mais fraco o fato de ignorar que, num sistema parlamentarista, o Congresso passa a ser corresponsável pelas decisões do Executivo, aprovando os programas de governo e a composição do próprio gabinete. Estas atribuições constituem um poderoso fator para atenuar os vícios e reforçar as qualidades do Parlamento. Sem um Congresso forte e responsável, a democracia sempre sairá perdendo.

Arraigar-se na máxima de que no Brasil o presidencialismo é o sistema de governo que tem tradição, por ter cruzado toda a história da República, e que ao parlamentarismo falta condição semelhante é opor-se, como princípio, a todas as possibilidades de mudanças institucionais significativas, sugerindo que elas sempre conduzirão ao desconhecido. Mas esse desconhecido e os horrores que comporta não são, contudo, explicitados.Ficar preso à ideia de que o presidencialismo é bom, mas o presidente em exercício, seja quem for, é que não é bom é imaginar que as crises políticas e econômicas às quais o Brasil está sujeito podem ser separadas do sistema de governo que as envolve.

Defendo o parlamentarismo porque acredito que é possível e necessário um Poder Executivo mais forte. Quando digo isso, evidentemente, não estou falando num Executivo repressor dos direitos individuais ou sociais, ou que tenha força para oprimir o Legislativo. Penso exclusivamente num governo com capacidade para definir e implementar políticas públicas de forma mais coerente, persistente, que tenham como resultado concreto o crescimento e o desenvolvimento do Brasil. Penso na eficácia, na legitimidade e na flexibilidade do sistema de governo, num contexto democrático cada vez mais fortalecido.
 
José Serra, senador da República - O Estado de S.Paulo
 

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Se nossa renda por habitante crescer 1,5% este ano e essa taxa se mantiver, levaremos 47 anos para dobrá-la e alcançar o nível que Portugal já hoje desfruta

Duvido que algum país tenha um número de irresponsáveis por metro quadrado comparável ao nosso. Baseando o cálculo só no circuito institucional sediado em Brasília, excluindo o resto do País, nossa vantagem sobre o resto do mundo nesse quesito deve ser acachapante.  Para bem aquilatarmos a extensão da coisa, tanto faz começarmos pelo lado grotesco – lagostas, vinhos de qualidade, auxílio-paletó, auxílio-moradia – ou pelo lado teratológico, quero dizer, pelo contingente de 26 milhões de pessoas sem trabalho, por nosso sistema educacional, horroroso nos três níveis, pela corrupção de proporções amazônicas, pela taxa de homicídios subindo de patamar e agora, para nosso infinito espanto, pelo rompimento de barragens causando danos irreparáveis a algumas de nossas mais importantes bacias hídricas. 

Culpa de Deus? Não, culpa da ignorância técnica, da falta de fiscalização e do desprezo pela natureza e pela vida das coletividades que vivem nas proximidades. A verdade é uma só: a desigualdade social e o desmazelo generalizado estão nos tornando um país estúpido, violento e cruel.  Se nossa renda por habitante crescer 1,5% este ano (o que não é trivial) e essa taxa se mantiver por um longo período, levaremos 47 anos para dobrá-la e alcançar o nível que Portugal já hoje desfruta. Repito: 47 anos. Essa projeção macabra deveria ser suficiente para mudar as atitudes e padrões éticos dos donos do poder. Deveria ser uma espada de Dâmocles obrigando os três Poderes a se levarem mais a sério e a tratar com respeito os 207 milhões de habitantes deste país “abençoado por natureza”. O que vemos acontecer diuturnamente em Brasília dista anos-luz desse mandamento elementar.

Só consigo compreender a lerdeza (pirraça, fisiologismo, falta de vergonha…) com que a reforma da Previdência é tratada por grande parcela do Congresso a partir da ignorância de muitos a respeito do futuro que nos aguarda. A referida parcela simplesmente não compreende que essa reforma é apenas o primeiro passo numa dura série de mudanças que teremos que fazer, de um jeito ou de outro. De reformas muito mais drásticas do que essa que temos sobre a mesa poderá depender, quem sabe, até nossa sobrevivência como entidade nacional integrada.

Não me deterei nos prós e contras do governo Bolsonaro, assunto martelado diariamente na imprensa e nas redes sociais. Não sei se ele adotará ou não um estilo consentâneo com a magistratura a que foi alçado e com a gravidade da crise em que os governos anteriores nos meteram. Quero apenas lembrar que a eleição já passou, que os palanques já foram ou deveriam ter sido desmontados e que a presente hora tem de ser de distensão e pacificação, não de mais acirramento.

A História do Brasil não é o oito ou oitenta que tantos se comprazem em trombetear. Erramos muito, mas também acertamos bastante. Tivemos muito azar em algumas ocasiões, mas outras houve em que Deus deu realmente a impressão de ser brasileiro. Veja-se a preservação da integridade territorial, que nos proporcionou esse que talvez seja o maior dos nossos ativos: nossa dimensão continental. É certo que, em nosso caso, a unidade não foi suficiente para alicerçar um mercado interno robusto; seria demais esperar isso no nível de pobreza prevalecente quando nos livramos do regime colonial. De 1930 a 1980, nossa economia cresceu vigorosamente. Naquele período poderíamos ter constituído um mercado interno respeitável e não o fizemos, agora, sim, por uma imperdoável sequência de erros, a começar pelo modelo de crescimento concentrado no Estado, trampolim para a obscena consolidação de uma casta patrimonialista no topo da pirâmide política, reforçada pela trincheira geográfica que Brasília passou a proporcionar-lhe.

Parece-me, pois, que o alfa e o ômega da irresponsabilidade política brasileira é essa incapacidade infantil de perceber o inferno a que inexoravelmente chegaremos se reformas drásticas não forem efetivadas. Um ponto de partida conveniente para quem tiver ânimo e coragem para abrir os olhos é relembrar o que aconteceu nas três últimas décadas do século 19 nos três casos clássicos de “industrialização tardia” – ou seja, na Alemanha, no Japão e nos Estados Unidos. Firmar a unidade territorial e construir um poder central digno de respeito foram a condição sine qua non para constituir o mercado interno, base do crescimento industrial acelerado que esses três países conheceram. A Alemanha, além de uma reforma administrativa admirável, iniciada no começo do século 19, levou a cabo a unificação em 1870. Sob a égide da Prússia e a liderança de Bismarck, os 40 principados então existentes se uniram no que viria a ser uma formidável potência industrial. No Japão, a restauração da dinastia Meiji levou ao poder uma nova elite que rapidamente quebrou o sistema feudal, desarmou a corporação dos samurais, padronizou o sistema educacional em nível nacional e abriu rapidamente o país para o exterior, em busca de tecnologia. Não menos impressionante, nos Estados Unidos a drástica reorientação do sistema educacional no sentido tecnológico, por meio dos land-grant colleges, e a sangrentíssima guerra de 1861-1865 contra o sul escravocrata fincaram os pilares do espetacular crescimento econômico na quarta parte do século.

No Brasil, a dificuldade é escolher qual o melhor exemplo de infantilidade e irresponsabilidade. Minha inclinação é a organização partidária. A proliferação desabrida não seria tão grave se o resultado dela fosse apenas nominal, mas não é o caso: analisada como um número de partidos efetivos, nossa estrutura partidária é, nada mais e nada menos, a mais fragmentada do planeta.
Vinte e seis milhões de pessoas sem trabalho ficam sem saber se é para rir ou para chorar.

Bolívar Laumonier - O Estado de S. Paulo


domingo, 19 de maio de 2019

A recessão e a ameaça

Sem as reformas, mais cedo ou mais tarde estarão todos, em Brasília ou no Twitter, brigando apenas pelos escombros de um país falido

Na terça-feira, dia 14, a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que decidiu pela manutenção da taxa Selic em 6,5%, fez um alerta grave: a retomada da atividade econômica parou. Para piorar a situação, é possível que o Produto Interno Bruto do primeiro trimestre de 2019 tenha recuado na comparação com o último trimestre de 2018 – o aviso que constava da ata foi reforçado pelo dado do Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), do Banco Central, divulgado um dia depois do texto do Copom e que apontou retração de 0,68%. Se o recuo for confirmado pelo IBGE em 30 de maio, seria o primeiro desde o quarto trimestre de 2016 e, se houver nova retração neste segundo trimestre de 2019, estaríamos mais uma vez em recessão.
Antes da divulgação da ata do Copom e do IBC-Br, o mercado financeiro já havia reduzido mais uma vez suas expectativas para o crescimento da economia brasileira em 2019. O mais recente Relatório Focus, divulgado às segundas-feiras e que registra as previsões de dezenas de instituições financeiras, estima um crescimento de 1,45% para o PIB deste ano – é a 11.ª redução seguida na previsão, que superava os 2,5% em janeiro deste ano, durante os primeiros dias do governo Bolsonaro. Os números preocupantes da economia nacional não deixam muitas dúvidas sobre qual é a grande ameaça para o Brasil de hoje. Não são os tuítes agressivos e desbocados do filósofo Olavo de Carvalho; nem a sanha da ala militar do governo, que busca ampliar sua influência (que já não é pequena) avançando sobre pastas como o MEC e o Itamaraty, como no caso recente das mudanças na Apex; nem a incontinência verbal dos filhos de Jair Bolsonaro; nem mesmo a esquerda, que mantém seu poder de mobilização – seria ingenuidade pensar o contrário –, mas não consegue esconder o fato de que seus protestos usam plataformas relevantes, a exemplo da educação, como mero pretexto para retomar o “Lula livre”. Todos esses elementos servem, sim, para causar e alimentar instabilidade, mas nada será tão fatal para o país quanto a paralisação total da economia.

Para tentar destravar a atividade econômica e estimular a geração de emprego, Bolsonaro tem feito o possível, como no caso da MP da Liberdade Econômica. As mudanças que o governo quer implantar nas normas de segurança do trabalho, se forem bem feitas, também podem tirar cargas desnecessárias das costas do setor produtivo, especialmente do microempresário. Mas o Executivo só pode agir por conta própria até certo ponto. As grandes mudanças dependem do Congresso, e não é segredo para ninguém que os investidores internos e externos continuam esperando o desfecho das reformas, especialmente a previdenciária.

No Legislativo, podemos até apontar a fraqueza de um PSL que, embora tenha a maior bancada na Câmara, não consegue se impor como bloco político coeso em defesa das plataformas de Bolsonaro. Mas o grande risco atende pelo nome de Centrão, aquele bloco difuso de legendas cuja única ideologia é o “farinha pouca, meu pirão primeiro”, e que tem número suficiente para bloquear o programa econômico de Bolsonaro e Paulo Guedes. Insatisfeito por não ver sua sede de cargos saciada pelo Planalto, o Centrão já fez uma demonstração de força – talvez “chantagem” seja uma palavra mais adequada – durante a tramitação da MP da reforma que mudava a estrutura do governo. O grupo impôs derrotas a Bolsonaro, forçando o retorno de alguns ministérios que tinham sido extintos e incluindo no texto mudanças que dificultam o combate à corrupção, em evidente retaliação contra o ministro Sergio Moro.

E o Centrão já deu mostras de que pode repetir a dose, impedindo o enxugamento do Estado, a pauta de privatizações e as reformas. Em 1.º de maio, o deputado e líder sindical Paulinho da Força (SD-SP) disse para quem quisesse ouvir que o objetivo era desidratar a reforma da Previdência de forma a impedir a reeleição de Bolsonaro em 2022 – em outras palavras, a reforma não poderia ser tão boa a ponto de gerar um crescimento econômico que rendesse dividendos eleitorais ao presidente. Por mais que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tivesse rapidamente afirmado que a opinião de Paulinho não é majoritária no Centrão, só a tramitação da reforma na Comissão Especial e no plenário mostrará quem tem razão – e o sindicalista nem precisa convencer a maioria dos colegas; basta que traga para seu lado deputados suficientes para negar ao governo os votos de que ele necessita. E talvez nem seja preciso esperar tanto: a notícia, divulgada na tarde de sexta-feira, de que os deputados pretendem enviar um projeto alternativo de reforma da Previdência já entrega o jogo do Centrão.

É preciso trazer à luz a irresponsabilidade de quem se mostra disposto a sacrificar o país em nome dos próprios interesses. E o governo tem um desafio hercúleo, o de não abrir mão de seus princípios enquanto supera suas dificuldades de articulação e aprende a negociar com quem parece só entender a linguagem do fisiologismo – pois negociar é preciso, pelo simples fato de que hoje o governo não tem 308 votos na Câmara, nem 49 no Senado. Certo é que, sem as reformas, mais cedo ou mais tarde estarão todos, em Brasília ou no Twitter, brigando apenas pelos escombros de um país falido e pelas mentes de dezenas de milhões de desempregados que terão preocupações muito mais urgentes que qualquer guerra cultural que porventura esteja em curso.


Editorial - Gazeta do Povo

 


quarta-feira, 15 de maio de 2019

O desafio do presidente

Quando um presidente admite não saber como formar sua base é o caso de dar razão aos que estão pessimistas.

O presidente Jair Bolsonaro desafiaa grande mídia” a lhe dizer como deve formar sua base de apoio no Congresso. Nem é preciso dizer que tal bravata piora a percepção de fragilidade política do governo, além de atribuir a terceiros uma responsabilidade que Bolsonaro recebeu junto com os poderes presidenciais – e que é, tal como estes, pessoal e intransferível.

O presidente parece incomodado com as críticas sobre a desarticulação de seu governo no Congresso, mas a única resposta que conseguiu dar a elas foi esse desafio pueril. “Não estamos formando aquilo que a grande mídia ainda fala, que tem que ter uma base”, disse, em seu estilo peculiar, à Rádio Bandeirantes. “Eu queria que a mídia dissesse como é que é feita essa base, já que eles criticam tanto, né? Ô presidente, a base é feita dessa maneira, o ingrediente é esse, vai fazer ou não vai? Então eu quero isso deles. Mas eu falo: a turma critica que eu não tenho interlocução, que sou falho nessa questão e não formei uma base. Agora, a resposta está na ponta da língua, qualquer um sabe dar, agora eu queria que a grande mídia me dissesse claramente como eu formaria essa base.”

Quando um presidente da República admite não saber como formar sua base parlamentar, algo que está na essência da governabilidade, é o caso de dar razão aos que estão pessimistas com o futuro do País. Economistas ouvidos pelo Estado dizem que a situação brasileira, já grave, se torna ainda mais preocupante na medida em que o governo demonstra mais traquejo para gerar crises do que para extingui-las. A confiança, fundamental para a retomada do crescimento, está ficando cada vez menor em razão da incapacidade de Bolsonaro de fazer o que dele se espera como presidente – isto é, liderar o governo, dando diretrizes firmes sobre suas propostas e indicando aos governistas como defendê-las no Congresso.
Bolsonaro, ao contrário, deixou claro que, para ele, é cada um por si. Na referida entrevista, o presidente disse que “muita gente lá (no Congresso) tem consciência do que tem que fazer”. Ou seja, Bolsonaro simplesmente espera que o apoio parlamentar às medidas propostas pelo governo seja dado somente porque essa seria a coisa certa a fazer, sem necessidade de convencimento político – que, para o presidente, é sinônimo de corrupção.  “Com todo o respeito que eu tenho aos deputados e senadores, mas até o governo passado os grandes partidos se reuniam com o chefe do Executivo e distribuíam diretoria de banco, ou presidência de estatais, era assim que era feita (a formação da base), e a mídia sempre criticava essa forma de fazer a base eleitoral”, disse Bolsonaro, referindo-se ao fisiologismo que reinou em especial na era lulopetista. Tem toda a razão o presidente ao dizer que “essa forma de fazer política não deu certo”, mas a forma que o presidente escolheu de fazer política – tratando quem dele discorda como inimigo, como impatriota ou como degenerado – é tão deletéria quanto o toma lá dá cá que o eleitor rejeitou nas urnas.

As maiores críticas a essa opção do presidente, que contribui para demonizar a política, partem justamente dos parlamentares que se dispõem a apoiar o governo. Suas queixas se centram na falta de disposição de Bolsonaro e de compartilhar o poder – e isso nada tem a ver com fisiologismo, e sim com o fato de que o presidente não tem poderes absolutos, ainda que possa se considerar, como Bolsonaro, instrumento da Providência divina.

A cada declaração de Bolsonaro hostil à formação de uma base parlamentar, compreendem-se as reticências dos governistas em cerrar fileiras em favor dos projetos mais ambiciosos do Palácio do Planalto, em especial a desgastante reforma da Previdência – a respeito da qual, insista-se, Bolsonaro jamais demonstrou convicção, nem agora nem no passado. Com isso, o presidente contribui para ampliar seu isolamento, sintoma de desgoverno.  O presidente não precisa desafiar a “grande mídia” a lhe provar a importância de formar uma boa base parlamentar, pois a história recente infelizmente mostra o que acontece quando presidentes acham que podem governar sem uma.


Opinião - O Estado de S. Paulo
 

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Auxílio-moradia: quando indevido, é parasitismo patrimonialista

Os donos do poder, que dividem em favor deles o bolo do orçamento público, praticam três tipos de parasitismo que desidrata diuturnamente o Estado brasileiro (a literatura interpretativa do Brasil – Sérgio Buarque de Holanda, Faoro etc. - chama isso de patrimonialismo):
1º) o político: agentes públicos que cuidam do dinheiro de todos como se fosse patrimônio privado, ingressando aqui todo tipo de fisiologismo, nepotismo, clientelismo, favoritismo, troca de favores, distribuição de cargos, nomeações de amigos incompetentes, manipulação de emendas parlamentares etc.

2º) o corporativo: agentes públicos ou privados (sindicatos, por exemplo) que contam com acesso ao poder para conquistar benesses indevidas; e

3º) o empresarial: agentes econômicos e financeiros que conseguem satisfazer seus interesses privados mediante o acesso ou a influência no poder político, alcançando isenções fiscais indevidas, empréstimos subsidiados, concessões fisiológicas, financiamentos privilegiados, sistema tributário favorecido etc.

O auxílio-moradia indevido, que é desfrutado por ministros de Estado, juízes e tantas outras corporações, insere-se na categoria do parasitismo sanguessuga do dinheiro público. Um exemplo dessa escatologia ocorre quando um casal de juízes habita a mesma casa e recebe o penduricalho chamado auxílio-moradia, que se converteu numa espécie de “premiação” para aqueles agentes estatais que já conseguiram comprar um imóvel na vida. É um tipo de reconhecimento do “mérito”.
Normalmente os programas de ajuda estatal são voltados para quem não tem imóvel (Minha Casa Minha Vida, por exemplo). Em várias ocasiões o auxílio-moradia, no entanto, é dado para os que têm imóvel próprio.

Esse auxílio-moradia concedido indiscriminadamente transforma-se num tipo de “aluguel” (um rendimento extra) pago com dinheiro público a quem já conseguiu seu imóvel. Mais uma vez é nossa República na contramão do que deveria ser o justo e equitativo.

A filha de um ministro, que é desembargadora, tem dois imóveis no Leblon. Como premiação extra, por já ter conseguido dois imóveis na vida, também recebe o auxílio-moradia. A ação que questiona os excessos do benefício está parada no STF há três anos. Seu relator é precisamente seu pai.

É triste ver os poderes estatais indo para o fundo poço por causa dos seus próprios agentes. São as pessoas que fazem as instituições. Os agentes públicos que denigrem suas funções praticam uma espécie de alterofagia (devastação do outro) das suas próprias instituições, que vão morrendo por falta de credibilidade.  Quando várias instituições de um país não são confiáveis, o próprio país é visto como de segunda categoria. Temos que reconstruir a República brasileira, mas antes é preciso implodir o sistema vigente, que é corrupto, vetusto e degenerado.

O eleitor é o grande responsável pela implantação de uma nova República. Resta saber se em 2018 ele será um eleitor cidadão ou, mais uma vez, um cúmplice de ladrão. [o eleitor brasileiro, em sua grande maioria, tem a vocação inata, encravada em seu DNA, para ser cúmplice de ladrão.

E, no momento em que reelegeu coisas como Lula e Dilma, corroborou tal vocação e abriu mão, ainda que informalmente, do DIREITO/DEVER de escolher seus governantes, especialmente, o presidente da República.

Para que a situação volte ao normal e, talvez, em um futuro não muito distante, esses eleitores recebam  os poderes dos quais,  por deficiência genética, abdicaram,  se torna necessário a INTERVENÇÃO MILITAR CONSTITUCIONAL,  que no estrito respeito à Constituição,  procederá as reformas necessárias para que se possa cogitar de uma NOVA REPÚBLICA, em maiúscula, e não o arremedo de 'república', inventado por Sarney e seus seguidores.]



Publicado originalmente no O Estado de S. Paulo - Luiz Flavio Gomes
 

sábado, 15 de julho de 2017

Um cenário de perigos para Temer

sábado, 10 de setembro de 2016

De costas para a sociedade

De costas para a sociedade, governo não escapará ao fisiologismo

A efetivação do presidente Michel Temer, na imediata sequência do impeachment, processou-se como mero ato burocrático, despojado do simbolismo que o acontecimento impunha. Política também é feita de gestos e símbolos. Foram subestimados.  Ato contínuo, as forças derrotadas, que levaram o país à ruína e protagonizaram os maiores escândalos financeiros de toda a nossa história —mensalão, petrolão e agora o ataque aos fundos de pensão, o fundão—, foram às ruas, em atos de vandalismo explícito, "denunciar" as medidas de austeridade a que o país terá de recorrer para curar-se das lesões que elas próprias lhe impuseram.

O governo Temer começa a perder uma batalha vital:
a da comunicação. O ambiente de desobediência civil, com conclamação a greve geral e até mesmo a guerra civil, proclamado por pelegos das centrais sindicais e autoridades da ordem deposta —a começar pela própria Dilma e seu mentor, Lula—, transmite ao público sinais invertidos: de que o impeachment não apenas é golpe mas imporá sacrifícios desnecessários para lesar "conquistas sociais".

Quem fala são investigados da Justiça –alguns já réus, caso de Lula, ou denunciados, caso de Dilma–, a adotar tom acusatório, quando têm só direito à defesa nas barras dos tribunais. E o que fazem o presidente e seu governo? Limitam-se a conversar com o Congresso, em busca de aprovar medidas legais contra a crise. Isso é indispensável, mas não basta. De costas para a sociedade, não escaparão ao fisiologismo.  O novo governo irá se legitimar nas ruas se estiver sintonizado, em permanente comunicação. É preciso que a sociedade saiba como estão as contas do país e quem e como as dilapidou. A analogia com o orçamento doméstico é de fácil assimilação pelo cidadão.

Simples: não se pode gastar mais do que se tem; não se pode endividar além da capacidade de pagar. O governo deposto gastou o que tinha e não tinha –e gastou mal. E roubou –muito.  Os números são eloquentes. Segundo os investigadores, o ataque aos fundos de pensão –um assalto a aposentados e viúvas de pensionistas!– soma mais de R$ 50 bilhões.

É mais que o petrolão, com os seus R$ 42 bilhões já auditados pela Lava Jato —e que o jornal "The New York Times" havia classificado como o maior roubo da história da humanidade. E há ainda por investigar, entre outros, BNDES, Caixa, Banco do Brasil, Dnit, Eletrobras. E a quadrilha é exatamente a recém-deposta pelo mais brando dos seus delitos, o crime de responsabilidade fiscal: PT, seu governo e seu aparato sindical, os mesmos que hoje bagunçam as ruas, no inacreditável papel de acusadores indignados.

É o ladrão acusando a vítima de roubá-lo. Sem interlocução do governo com as ruas, a vítima acabará abraçada ao ladrão e acusando a polícia e a Justiça. Já há sinais preocupantes.  A elite vermelha do PT, que controla várias centrais sindicais, investe no caos, em defesa de seu projeto bolivariano, indiferente à crise, que já produziu 12 milhões de desempregados. Com uma mão, pressiona o governo por aumentos a categorias que já desfrutam de estabilidade funcional e ameaça com greve geral; com a outra, saqueia os fundos de pensão, lesando os aposentados. A sociedade precisa saber disso.


Precisa repudiá-las e entender que não se sai da crise sem sacrifício. Porém, é preciso a força moral do exemplo, cortando na própria carne. Daí o desastre simbólico dos aumentos e da submissão aos lobbies corporativistas. O governo precisa enfrentar o PT e seus asseclas, sobretudo agora, quando seus crimes começam a vir à tona.
 
Fonte: Ronaldo Caiado - Folha de S. Paulo 
 

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O começo do fim



Mais uma etapa da desconstrução da hegemonia petista foi cumprida na noite de domingo com o alijamento do partido das principais funções da Câmara, como presidências de comissões ou postos na nova direção da Mesa, que será presidida, contra a vontade do Palácio do Planalto, pelo peemedebista Eduardo Cunha, que transformou a maioria megalômana que o governo teria teoricamente na Câmara em minoria de 136 votos, menos de 1/3 do plenário.

O governo, em uma só eleição, perdeu o controle que sempre tentou manter sobre o Legislativo e já não é possível garantir que CPIs perigosas para ele, como a da Petrobras, deixarão de funcionar, ou terão sua constituição controlada pelo governo. Mesmo por que já não se sabe mais quem é governo e quem é oposição na Câmara, e tudo terá que ser negociado ponto a ponto, com ministros responsáveis pela articulação política tendo saído desgastados desse embate para a presidência da Câmara.

O ministro em teoria responsável maior pelas relações institucionais, o petista Pepe Vargas, que já não tinha o apoio do próprio PT, mostrou que não se sai bem também com os demais aliados. Ainda provocou Cunha ao dizer que o presidente da Câmara "pode muito, mas não pode tudo", o que é uma verdade, mas o muito que ele pode é mais do que Pepe parece perceber.

Não se saiu melhor o Chefe do Gabinete Civil Aloísio Mercadante em sua primeira prova de fogo como o mais importante ministro do segundo governo Dilma, e potencial candidato à sua sucessão. O PT mal começa o governo já parece sem capacidade para comandar uma base aliada que desde a eleição presidencial dava sinais de que não caminharia unida nesse segundo mandato, conseguido às custas de desgastes institucionais que cobrarão seu custo ao longo dele.

A presidente Dilma, por sua vez, ampliou a distância que a separa do ex-presidente Lula, que tentou um acordo com o PMDB temendo a derrota, que afinal veio no primeiro turno, maior do que previam os articuladores governistas. O que separa Lula de Dilma não são princípios e valores [os dois jamais poderão ser separados ou unidos por algo características que não possuem e sequer sabem o que significam.]  mas o pragmatismo, que o ex-presidente tem de sobra e a atual, não.

A disputa com o PMDB, que volta a ocupar as presidências da Câmara e do Senado, leva o Palácio do Planalto a uma situação de confronto que não serve aos seus interesses imediatos e, ao contrário, serve aos do PMDB, que se prepara para apresentar candidatura própria em 2018 ou, no limite, pode ter a presidência da República no seu colo caso as trapaças da sorte encaminhem o processo de desgaste petista para um desfecho político provocado pelo julgamento do petrolão.

A presidente Dilma tem horror a Eduardo Cunha, dizem, por sua característica marcadamente fisiológica, e teria razão se fosse esse o motivo. Mas, na presidência da República, e dirigindo um governo montado na base do fisiologismo, Dilma não tem mais o direito de alegar questões éticas para tomar decisões políticas.

Desde quando era a chefe do Gabinete Civil de Lula, pelo menos, ela sabe como o jogo do poder é jogado e já teve a experiência dolorosa no seu primeiro governo de ter que chamar de volta ao ministério  partidos que haviam sido expulsos por questões éticas. Ganhou as duas eleições a bordo de uma aliança política construída à base de mensalões e petrolões, e já não tem mais condições de convencer ninguém de que é contra esses métodos.

Eduardo Cunha de um lado, potencialmente de oposição, e Renan Calheiros de outro, potencialmente de situação, podem trocar de lado com a maior tranquilidade, e representam a maneira de fazer política do PMDB. No embate entre correntes dissidentes nas duas eleições, o DEM assumiu sua vontade de derrotar o PT e foi com Cunha já no primeiro turno.

O PSDB iria com ele no segundo turno, mas seguiu a máxima expressa pelo senador José Serra de que para derrotar o PT não vale qualquer coisa. [exatamente por pensar assim é que o PSDB perdeu, por ouvir opiniões de FHC, a oportunidade de detonar o Lula em 2005.] Arlindo Chinaglia achou que era apoio à sua candidatura, mas na realidade Serra estava acompanhando a orientação do presidente do partido, o senador Aécio Neves, que levou os tucanos a apoiar Julio Delgado para dificultar a volta do PSB ao seio governista.

PSDB e PSB fizeram a coisa certa, apresentaram alternativas às candidaturas favoritas, e ajudaram a derrotar o governo, que agora tem uma base de apoio imprevisível para anos políticos imprevisíveis.

Fonte: O Globo – Merval Pereira