STF passou duas tardes discutindo habeas corpus de
Palocci, que pedia para sair da cadeia porque já fora condenado à prisão
Se
muitas vezes você simplesmente não entende o que votam os ministros do
Supremo Tribunal Federal, fique tranquilo, você não está sozinho. Os ministros
dialogam uns com os outros, naquela linguagem pomposa e repleta de vênias, e
quase sempre apenas no arremate final se entende para onde estão indo ou como
vão votar. Mas, no episódio do habeas corpus impetrado em favor do ex-ministro
Antonio Palocci, que é uma aula de como a lei brasileira pode produzir
equívocos, ficou claro como alguns juízes raciocinam.
O que
estava em jogo na
votação do habeas corpus pedido pela defesa de Palocci era se ele sairia da
cadeia ou seguiria preso de maneira provisória por ordem do juiz Sergio Moro. A
defesa alegava que as razões que geraram o encarceramento já não eram mais
válidas porque seu julgamento havia sido concluído na primeira instância.
Verdade, Palocci foi condenado a 12 anos e quatro meses de prisão por Moro. A
prisão preventiva do ex-ministro foi decretada porque ele poderia interferir no
processo de investigação, praticar novos crimes ou pôr em risco a ordem
pública.
Palocci
pediu então para ser solto porque já estava condenado à prisão. Parece paradoxal. E é. Veja o que
disse o ministro Lewandowski ao votar a favor da libertação do condenado: “Com
a proclamação da sentença, a prisão preventiva já exauriu todos os seus
requisitos no tocante da conveniência da execução criminal, não mais
subsistindo o risco de interferência na produção probatória, razão pela qual
não se justifica sob este fundamento a manutenção da custódia cautelar”. Em
outras palavras, já que ele foi condenado à prisão, não pode mais atrapalhar as
investigações e deve ser solto.
O STF
voltou
indiretamente a discutir a prisão em segunda instância. Afinal, o paradoxo de
Palocci atende exatamente àquela determinação legal de que a prisão pode, sim,
ser executada após a confirmação da sentença em segunda instância. Significa,
pelo que não está escrito, que a sentença da primeira instância é insuficiente.
Então, livrar Palocci da cadeia atendia exatamente a esta premissa. Como ele
foi julgado e condenado, agora pode esperar em liberdade a decisão da segunda
instância. Ocorre
que, além de tudo, Palocci
é réu confesso que tenta reduzir sua pena oferecendo escancaradamente uma
colaboração premiada. Os quatro ministros que votaram pela soltura de Palocci
(Toffoli, Lewandowski, Gilmar e Marco Aurélio) ignoraram isso e se ativeram à
tese da segunda instância. E defenderam ainda a instituição do habeas corpus.
Ignoram também que o “paciente” tentou, mesmo depois de preso, esconder
propinas transferindo recursos de sua conta para as de outras pessoas.
A tese da
defesa de
Palocci perdeu de 7 x 4, como todos sabem, mas isso não é importante. O que se
depreende ao final de cada votação é que há diversas cabeças e diversas
sentenças no tribunal mais alto do país. O que é bom e adequado, por isso os
tribunais são colegiados. Mas, por vezes, não poucas, o STF produz decisões que
espantam muito mais do que consolidam uma orientação às instâncias inferiores
da Justiça. No caso do habeas corpus de Lula, por exemplo, por muito pouco o
STF não desautorizou uma decisão do STJ que foi baseada em decisão anterior do
próprio Supremo. Seria um exercício de autoimolação, que por seis votos a cinco
foi evitado. Há casos em que o STF acaba gerando até
mesmo certa insegurança jurídica. Além destas votações com elevado teor
político, existem decisões que atropelam a lei e mudanças de entendimento de
ministros sobre assuntos consolidados que confundem a todos. Uma consultora de
investimentos diz que muitos dos seus clientes estrangeiros que pensam em
investir no Brasil pisam no freio toda vez que prosperam iniciativas como a de
Lewandowski, que, ao arrepio da Constituição, não permitiu que os direitos
políticos de Dilma fossem cassados no ato do seu impeachment. Ou como a de
Gilmar, que anunciou ter mudado de ideia um ano e meio depois de votar a favor
da prisão após julgamento em segunda instância.
(...)
ALOPRADO
NÚMERO 2
O senador
Lindbergh Farias (PT-RJ) declarou na tribuna do Senado que de fato aconselhou o
ex-presidente Lula a não sair do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC onde esteve
entrincheirado por dois dias antes de se entregar à PF. Disse que assim o PT
poderia ter pressionado melhor o STF na decisão sobre prisão em segunda
instância. Alguma novidade? Nada, apenas mais uma alopração.
FALA
SÉRIO
O PT
resolveu fazer uma vaquinha para que, segundo um blog amigo, “os filhos de Lula
não morram de fome". Lembra aquela outra vaquinha feita para ajudar José
Dirceu a pagar a multa de R$ 971 mil determinada pelo STF no caso mensalão.
Mais de 3,9 mil pessoas deram dinheiro para Dirceu pagar a pena. Alguns
anos depois, ao condenar o ex-ministro por outro crime de corrupção, o juiz
Sergio Moro congelou R$ 20 milhões do pobre e desamparado petista.
(...)
SAÚDE,
PRA QUE SAÚDE?
Desde
2014 o governo do estado do Rio descumpre sistematicamente a determinação legal
de gastar pelo menos 12% do seu orçamento com Saúde. A cada ano os recursos são
menores. Em 2014, foram 10,82%. Em 2015, caíram para 8,81%, e, em 2016,
despencaram para 5,76%.
No ano passado, apenas 5,10% do orçamento estadual
foram aplicados em saúde, segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro.
Na próxima quinta, o governador Pezão terá de se explicar em audiência no
Tribunal de Justiça.
LOBBY DAS
ARMAS
Cidades
inteiras foram destruídas na Síria por bombas e mísseis. Milhares de civis
foram mortos por tiros de fuzis e metralhadoras. O que os EUA fizeram?
Nada.
Os aloprados perderam
O fato é que não houve mobilização popular em favor
de Lula
No dia
mais importante da história recente do Brasil, os aloprados perderam e o bom
senso, o respeito às leis e às instituições prevaleceu. Por alguns momentos
desde a emissão da ordem de prisão contra Lula, temeu-se o pior. Os conhecidos
revoltados do PT e dos partidos e dos movimentos que circulam o PT como
satélites cerraram os punhos e sustentaram que Lula não sairia da sede do
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para a cadeia.
O líder
do MTST Guilherme Boulos conclamou sua turma a resistir “em trincheira"
contra a prisão de Lula. A amigos escreveu, na noite de quinta-feira, que havia
um pacto para que Lula não se entregasse, e pediu que a militância ocupasse
pelo menos 30 quarteirões em torno do sindicato. Gilberto Carvalho pediu que a
militância fizesse uma barreira humana para impedir a entrada da polícia.
Desenhava-se uma tragédia.
O
aloprado pai, João Pedro Stédile, do MST, chamou seus liderados para ocuparem
as praças e as ruas de São Bernardo do Campo. “Vamos nos insurgir", bradou
o líder. Não colou. As praças ficaram vazias e só mesmo as ruas ao redor do
sindicato se encheram. Não aconteceu o “mar de gente" sonhado por outro
ativista do caos, o senador petista Lindbergh Farias. Aparentemente, não houve
tempo para Stédile arrumar ônibus e quentinhas e juntar o seu “exército”. [não foi por falta de tempo para arregimentar marginais;
o que houve é que com o PT fora do poder, o general da banda Stédile só pode fornecer passagem de coletivo urbano (nada de fretar ônibus especial) e fornecer pão com margarina.
Também há o fato do Stédile ser um valentão de palanque e sabe que qualquer bobeira que der, terá o mesmo fim do Renato Rainha, outro ex-chefão do 'mst' que curte uma cadeia.
Os juízes de agora mandam prender e a Polícia só precisa de um mandado de prisão para tirar das ruas esses marginais de araque.]
O fato é
que não houve mobilização popular em favor de Lula. Talvez por isso tenha
prevalecido o bom senso. Os discursos da inflamada presidente do PT, senadora
Gleisi Hoffman, também não funcionaram. Desde a sentença de Moro, antes mesmo
da sua confirmação no TRF-4, Gleisi falava de uma insurreição nacional.
Imaginava que as ruas das cidades seriam tomadas por multidões em favor de
Lula. Chegou a dizer que, para prender Lula, “vai ter que matar gente". Ninguém
matou, ninguém morreu. [Gleisi começa a se preocupar é com sua própria liberdade; é questão de dias ser condenada por uma série de crimes, inclusive já teve todos os seus bens bloqueados.
Felizmente, para Gleisi e outras candidatas ao honroso cargo de presidiária, a prisão federal a ser inaugurada em Brasilia tem uma ala feminina com capacidade para quase 100 detentas.]
Os
advogados recomendaram fortemente a rendição de Lula. Argumentaram que uma
desobediência à Justiça atrapalharia muito as próximas etapas do processo. Eles
acreditam que, antes do final do ano, e, se derem sorte, bem antes mesmo da
eleição de outubro, conseguirão colocar o ex-presidente em prisão domiciliar. O próprio
Lula, pragmático como é, preferiu seguir o bom senso. Apesar de ser incendiário
no discurso, porque fala para uma plateia que espera isso dele, Lula sabia que
o que estava em jogo ontem era, antes de tudo, a sua pele. Qualquer movimento
errado poderia ter impacto negativo em sua vida pessoal. Na sua vida no
cárcere, na duração da sua prisão, no seu futuro. Até a perda da cela especial
guardada para ele na sede da PF em Curitiba entrou no seu raciocínio.
Também era difícil medir os resultados políticos
que resultariam de uma resistência. Seus efeitos poderiam inclusive ser ruins
para o PT. Por isso também os aloprados perderam. Enquanto a militância ouvia
discursos enfáticos na frente do sindicato, lá dentro Lula e seus advogados
negociavam com a Polícia Federal a forma em que se daria sua rendição. Lula
será preso a qualquer momento, talvez depois da missa em homenagem a dona Marisa
Letícia, que será realizada neste sábado no próprio sindicato. O acordo não
ofendeu a Justiça, que foi sábia e deu a Lula a tranquilidade e o tempo que ele
precisava para se entregar.
Ascânio Seleme - O Globo