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sexta-feira, 21 de abril de 2023

A verdade foi sepultada viva - Percival Puggina


         Sob sete palmos de terra e cinco anos de sigilo, a Verdade gemia dentro do caixão. A balbúrdia dos militantes nas tribunas, nos microfones, ante as câmeras, nas redações, abafava seus clamores. Parente próxima da Verdade, a Lógica corria de porta em porta e alertava nas esquinas e mesas de bar que ela sobrevivia; sufocada, mas viva. O governo gastava promessas, anunciava emendas, prometia recursos e cargos (a moeda oficial da compra de consciências em instituições enfermas) para que nenhuma comissão parlamentar de inquérito a fosse resgatar.

Era muito mais conveniente ao governo um inquérito que aplicou tornozeleiras e colocou atrás das grades mais de duas mil pessoas. Todas empacotadas com o rótulo de terroristas, ou vândalas, ou golpistas responsáveis por incitação ao crime e associação criminosa (vândalos reais e seus financiadores, se presos, estão no lugar certo).

Aos donos do poder vinha sendo bem mais confortável pespegar rótulos à oposição do que examinar os próprios meios de ação desde uma perspectiva moral. Ontem, a propósito, um jornalista da Jovem Pan retirou do baú da memória uma brilhante frase que o ex-senador José Serra usava para denunciar a conduta dos petistas no parlamento dizendo que batiam a carteira e saíam gritando “Pega ladrão!”.

Era muito, muito conveniente examinar aqueles vídeos, sepultá-los no ataúde da Verdade, mandar prender o secretário de segurança do Distrito Federal que estava em férias, destituir o governador do DF e convocar Bolsonaro para depor.  
Ao mesmo tempo, deixar solto o general Gonçalves Dias, sem sequer ouvir o Ministro da Justiça. 
Aos vídeos, diziam, impunha-se sigilo por uma questão de “segurança das próprias instalações de segurança do Palácio do Planalto”. Não entendo de segurança, mas reconheço uma hipocrisia.

O general Gonçalves Dias, também se soube ontem, foi Secretário de Segurança da Presidência da República nos dois mandatos anteriores de Lula e chefe da Coordenadoria de Segurança Institucional da ex-presidente Dilma Rousseff.

Com o que se sabe hoje, devo exclamar: Que inquérito, senhores! Que inquérito!

Aqui, desde esta pequena cápsula de trabalho a que chamo gabinete, penso no omisso senador mineiro Rodrigo Pacheco e nos enfeitados caciques partidários que com larga margem o reelegeram para presidir o Senado Federal. Talvez agora, que o chão se abriu sob seus pés e as vítimas dessa omissão caem no seu colo, o senador, enfim, se disponha à desagradável e inédita experiência de cumprir seu dever para com a nação.

A Lógica, sentada ao lado do túmulo da verdade, aguarda a CPMI e a exumação da parente sepultada viva.   

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Dentro do ataúde, a mulher grita



Para quem uma mulher se veste? Para si mesma, o que inclui os homens e as outras mulheres. Mas evitemos generalizações: isso não se aplica a todas as mulheres, claro, somente àquelas que veem alguma graça na vida, que catam uma felicidade mínima aqui, outra ali, em instantes do cotidiano.

As mulheres e os homens mais próximos da presidente têm problemas com a lei: Erenice Guerra é investigada na Zelotes, Lula e Mercadante serão presos, Gim Argello acaba de ser preso, José Eduardo Cardozo será processado, Fernando Pimentel será cassado e ela mesma não se sente muito bem com os últimos gestos de Rodrigo Janot que finalmente descobriu que Eduardo Cunha não é o único nem o mais grave de todos os gravíssimos casos de polícia debaixo do nariz do Procurador-Geral. Entretanto, isso nem é o pior para a governante durona diluída em crimes que vê pelas costas os partidos governistas se afastando de certo caixão que carregaram até a beirada da sepultura.

Dentro do ataúde, a mulher grita. Grita denunciando o vice-presidente por exercer as funções políticas e institucionais dele; acusando talvez mais de 2/3 dos brasileiros de golpistas que ela vitimou; queixando-se de um golpe do Congresso obediente ao rito que o próprio governo encomendou no Supremo Tribunal Federal ao custo de uma interpretação malandra da Constituição e da fraude ao regimento interno da Câmara resultando no prolongamento inútil do transe do país.Ainda se debatendo em delinquências diárias no interior do esquife, repete, sempre aos gritos a lhe deformar as feições desgraciosas e os modos democráticos ausentes, que foi eleita-pelo-voto-popular como se não soubéssemos que só conseguiu isso fazendo o diabo: com fraudes, extorsão, propinas. E como se o voto que não imunizou Collor quando sofreu impeachment e que não impediu o PT de pedir o afastamento de Itamar Franco e FHC, pudesse imunizá-la contra a lei.

A escalada de crimes para preservar o poder mantém o governo nessa putrefação pública que poderia ser evitada se – e aqui, creio, reside a desgraça de Dilma Rousseff do ponto de vista pessoal – um dos homens ou das mulheres próximas da presidente tivesse, não digo honestidade que já é demais, mas alguma temperança para fazê-la saber que há limites para a falta de limites. Mas a insanidade mal calculada e a parvoíce eficiente não a fazem burra: Dilma sabe que sabemos que ela sabe que termina domingo no Congresso (detestado pela mulherzinha de alma tirana na crença de que poderia e mesmo tinha o direito de governar sozinha) e, mais tarde, na cadeia – a mais sórdida mentira já havida num Brasil que terá visto de tudo quando os poderosos mentores e patronos dela ainda livres forem para cadeia porque, ricos ou pobres de origem, não são nem elite nem povo, mas escória.

No próximo domingo, a irascível czarina da roubalheira vestirá a mortalha do impeachment. Para quem? Será obrigada legalmente a fazê-lo por e para homens e mulheres indignados num país destruído que terá dado o primeiro passo para se refazer, ainda zonzo com a nova ordem que ele mesmo inaugura.

Fonte: Valentina de Botas – Coluna do Augusto Nunes - VEJA