VEJA publica relatos exclusivos de um representante de cada Poder sobre os momentos marcantes do epicentro de um dia triste que não pode ser esquecido
FLÁVIO DINO: “TEVE DEDOS EM RISTE DE LADO A LADO”
Nervoso, o ministro da Justiça discutiu com generais, diz ter certeza de que houve uma tentativa de golpe contra o presidente Lula [Entendemos ser indispensável destacar que o golpe que iria ocorrer, "tentado", se concretizado, seria o primeiro GOLPE DE ESTADO, em toda a História Mundial, realizado por pessoas desarmadas, em sua maioria sexagenários e, completando o modelo inusitado de golpe, o seu natural beneficiário estava há mais de 10 dias fora do Brasil - nos Estados Unidos - o cargo havia sido transmitido normalmente e a posse do novo presidente ocorrido na data aprazada - 1º jan 2023 - tudo conforme a Constituição.]efetuada e afirma que os militares estavam torcendo por uma virada de mesa.
"Percebi que a coisa poderia sair do controle e rumei para o ministério. Era apenas o início de um dia que ainda não acabou. A invasão do Congresso aconteceu diante dos meus olhos. Da janela do meu gabinete, vi quando a multidão derrubou as grades, jogou uma viatura no espelho d’água e escalou o prédio. Havia uns poucos policiais tentando conter os criminosos. Entrei em pânico. Era preciso falar com o presidente. Aquela invasão poderia incentivar protestos similares em todo o Brasil. Lula estava vendo pela TV. Ficamos com medo de perder o controle do país. Se aquilo se multiplicasse, não teríamos força para superar. O golpe seria consumado. Nervoso, xinguei o Bolsonaro, o bolsonarismo, xinguei quem havia tramado aquilo e as forças de segurança [imperioso destacar que as forças de segurança estavam sob o comando do novo governo] que permitiram aquele caos." Invadiram o Planalto e estavam quebrando tudo. Da minha janela vi uma fumacinha preta subindo do prédio do Supremo. Estavam tocando fogo no STF. O caos havia se espalhado. Era preciso agir rápido. Minha ordem era prender todo mundo. Mas nem isso foi possível de imediato.
Depois da destruição, deu-se um embate com os militares. Fui ao Quartel do Exército e disse que a gente ia prender todo mundo que estava no acampamento. Foi quando vi tanques saindo de uma ruazinha. Se alguém ainda tinha alguma dúvida de que um golpe estava em andamento, ela se dissipou naquele momento. A maioria do Alto-Comando torcia — e friso este verbo, torcia — para que o levante tivesse dado certo. Repeti sem parar para o comandante do Exército: ‘General, nós vamos pegar todos, sem exceção. É a minha ordem’. Ele tentou crescer para cima de mim. Teve dedos em riste de lado a lado. A adrenalina estava a mil. Eu repetia: ‘Estão todos presos, estão todos presos’. Ele dizia: ‘Não, não, não’. No meio dessa discussão, outro general interveio e disse que a polícia nunca tinha entrado no quartel para prender pessoas. Essa é uma evidência acima de qualquer dúvida razoável de que havia a simpatia nas Forças por uma virada de mesa. O Exército estava dividido entre bolsonaristas golpistas e bolsonaristas legalistas, mas sempre bolsonaristas.
Diante de um confronto iminente, concordamos em efetuar as prisões dos golpistas apenas no dia seguinte. Vendo hoje, seis meses depois, acho que foi o certo a fazer. Se fosse diferente, seria perigoso para as pessoas e talvez pior ainda para a democracia. Imagina a PM de um lado e o Exército do outro…"
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GILMAR MENDES: “FELIZMENTE ISSO ACONTECEU EM JANEIRO”
Decano do Supremo Tribunal Federal, que chorou ao ver os escombros, destaca a forte reação das instituições e diz que o ataque teria desfecho imprevisível caso tivesse ocorrido durante o governo de Jair Bolsonaro
"Almoçava com um amigo juiz em Portugal e, por coincidência, falávamos sobre como havia sido relativamente pacífica a transição de governo no Brasil quando recebi pelo celular as primeiras imagens da confusão. Fiquei em choque. Logo lembrei que tinha feito um prognóstico caso Bolsonaro ganhasse as eleições: o conflito com o Supremo Tribunal aumentaria. Pessoas próximas afirmavam que, se ele vencesse, teríamos de deixar o país. Tudo que eu estava falando sobre o sucesso da passagem de poder tinha acabado de ser revogado. Desde as comemorações do Sete de Setembro de 2021 eu temia que algo como aquilo ocorresse. Liguei de imediato para os ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes, e para a presidente Rosa Weber. Todos estavam tentando entender o que estava acontecendo. Flávio me descreveu pari passu a invasão dos prédios, a omissão da polícia e discutimos o que poderia ser feito de imediato.
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O presidente da Câmara avalia que os ataques foram consequência da polarização política que ainda divide o país e defende o aprofundamento das investigações para evitar a consolidação de narrativas falsas
Outros afirmam que foi uma tentativa de golpe. As narrativas reproduzem a polarização política no país. O que a gente pode afirmar é que houve um movimento organizado de desrespeito à ordem, uma agressão inominável às instituições, uma tentativa de criação de um Estado anárquico. Para um golpe, era preciso apoio bélico, militar, e não acredito que se chegou a esse ponto. Torço e trabalho para que esse episódio seja completamente esclarecido, que passe para a história sem versões de conveniência, com os responsáveis devidamente punidos, para que isso nunca mais se repita.
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Publicado em VEJA, edição nº 2849, de 12 de julho de 2023