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sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Causas perdidas - Revista Oeste

Silvio Navarro

As ruas não ecoam as palavras de ordem contra o governo, desconcertam os institutos de pesquisa e esvaziam os balões de ensaio sobre candidaturas que representam a "terceira via"  

Nos últimos cinco meses, o presidente Jair Bolsonaro enfrentou a maior artilharia já promovida no país contra um governo pela imprensa tradicional e seus políticos e influenciadores favoritos desde Fernando Collor de Melo (1990-1992). 
Foram incontáveis as manchetes que prenunciaram o término precoce por meio de um impeachment iminente, o caos econômico e um genocídio resultante do que consideraram um “descaso na condução da pandemia”. O fim da linha culminaria no surgimento natural de uma candidatura da chamada “terceira via”, capaz de angariar o espólio dos bolsonaristas e dos intelectuais que desertaram do PT. Tudo devidamente atestado pelos institutos de pesquisa. 
Ilustração: Naomi Akimoto Iria/Revista Oeste
Ilustração: Naomi Akimoto Iria/Revista Oeste

O mês de setembro chegou à metade e até agora nada se comprovou. O retrato nítido dessas previsões equivocadas foi o contraste entre a multidão que tomou as ruas no 7 de Setembro e o fiasco da manifestação do último domingo, 12. A despeito do rastilho de pólvora provocado pelo discurso inflamado de Bolsonaro contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no Dia da Independência — que precisou ser contornado no dia seguinte com a ajuda do ex-presidente Michel Temer (leia nesta edição) —, o Brasil não via tamanha mobilização popular há pelo menos seis anos, quando Dilma Rousseff foi afastada do cargo. Algo semelhante à campanha das “Diretas Já”.

Não é preciso ser um grande analista político para perceber que a passeata convocada como contraponto à festa bolsonarista tem um erro na origem. Sabe-se lá se por inocência ou delírio de grandeza, seus organizadores optaram por repetir os mesmos locais lotados no 7 de Setembro — a Avenida Paulista, a orla de Copacabana e a Esplanada dos Ministérios, o que tornou a comparação inevitável. Outro detalhe: quem empunhou o microfone não conseguiu explicar objetivamente por que o presidente deveria ser expulso da cadeira — muito menos disfarçar que estava ali por interesses políticos pessoais.

A despeito de todo o esforço de boa parte da mídia, as imagens não puderam ser disfarçadas. O vexame ficou ainda maior quando confrontadas lado a lado. No dia 7 de Setembro, 11 dos 18 quarteirões da avenida estavam completamente tomados de gente, além das ruas paralelas e perpendiculares. Levando-se em conta a rotatividade dos manifestantes, é possível concluir que cerca de 320 mil pessoas passaram por ali (leia box no fim da reportagem). No dia 12, entretanto, o público ultrapassou por pouco 5 mil almas aglomeradas em frente ao Masp. O mesmo ocorreu no Rio e em Brasília.

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O fato é que movimentos como MBL e Vem Pra Rua, partidos como o Novo, postulantes sem voto à Presidência e parte da esquerda ainda tímida em assumir que estará no palanque de Lula no ano que vem ficaram desconcertados diante da falta de adesão. O PT, aliás, é relevante frisar, foi o primeiro a tirar o time de campo quando percebeu que, a cada dia que passa, fica mais clara a polarização com Bolsonaro — e que não é hora de errar com uma “pataquada” como a do dia 12. O vídeo do governador paulista João Doria (PSDB) dançando no palco da Paulista, por exemplo, é suficiente para amparar a decisão de quem optou por não aparecer ali.

Veja também:  Acompanhe em imagens um resumo da manifestação de 12/9:

Oficialmente, nenhum dos nomes que sonham com o Palácio do Planalto jogou a toalha — e é improvável que isso ocorra pelo menos até março, quando começam a valer os prazos do calendário eleitoral. Ciro Gomes (PDT) investiu na contratação do marqueteiro do petrolão, João Santana, para tentar suavizar sua carranca. João Amôedo (Novo) mantém o partido à mercê de suas vontades. E João Doria, o favorito da imprensa “nem Lula, nem Bolsonaro”, trava uma disputa interna com o gaúcho Eduardo Leite. Outros nomes que os institutos de pesquisa tentam insuflar vão ficando pelo caminho, como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM), a senadora Simone Tebet (MDB) e o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, que desapareceu.

Fim do picadeiro da CPI
Outro dado digno de registro é a inexpressividade da CPI da Covid. Alardeada como o front legislativo capaz de sangrar o governo Bolsonaro, a comissão chega cambaleante aos últimos dias de vida. Ao longo de cinco meses, a equipe dos xerifes da pandemia não conseguiu uma única denúncia robusta: foi da cloroquina à Copa América de futebol, mandou prender depoentes e humilhou médicos (e principalmente médicas) que contestaram o tribunal inquisitorial de Renan Calheiros (MDB-AL) e Omar Aziz (PSD-AM). O circo vai chegar ao fim ameaçando acusar Bolsonaro, no máximo, de charlatanismo e da morte do ator Tarcísio Meira.
 
O comissariado só não enveredou por onde deveria: o “covidão” em Manaus, no Pará, e o tal Consórcio do Nordeste, chefiado pelo ex-ministro petista Carlos Gabas — seguramente a figura mais blindada pelos senadores. A última cartada de Renan foi encomendar uma análise dos documentos da CPI ao jurista Miguel Reale Júnior, um dos coautores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff. 
O objetivo era encontrar argamassa para sustentar que Bolsonaro incorreu em algum crime de responsabilidade — segundo os jornais, a equipe dele já apontou sete sugestões. 
A partir daí, caberia ao procurador-geral da República, Augusto Aras, redigir uma denúncia ao Supremo, o que dez em dez políticos no Congresso não apostam nenhuma ficha que acontecerá. Outra estratégia é incluir no relatório mudanças na Lei do Impeachment. “O relator pode recomendar providências para aperfeiçoar a legislação”, afirmou o senador Marcos Rogério (DEM-RO), que vai apresentar um parecer paralelo ao de Renan, assinado pelo grupo minoritário da comissão. “Mas não creio que caberia mudança na Lei do Impeachment, porque não tem correlação direta com a CPI, que apura fatos determinados. São eles: ação e omissão do governo federal e dos Estados e municípios no enfrentamento da covid-19. Ele está misturando as estações e deixando claro que sua motivação, desde o início, foi o enfrentamento eleitoral e o embate com o presidente. Está indo além do papel da CPI.” [lembrando que a decisão final se pedido de impeachment vira processo de impeachment, depende de 342 deputados votarem a favor do impeachment. Nenhuma lei será capaz de produzir os tão necessários 342 votos.]

Renan divulgará seu texto na semana que vem. O documento será anunciado com pirotecnia no Senado, num evento coordenado pela produtora Paula Lavigne, mulher do cantor Caetano Veloso — é possível que ele também compareça. A ideia dos assessores da CPI é reunir pais de famosos mortos pela covid-19, como a mãe do ator Paulo Gustavo, para discursar ao som de Como Nossos Pais, canção de Ivan Lins, gravada por Elis Regina. [nem esse circo pretendido terá condições de produzir os já citados 342 votos; o circo, a pirotecnia ocorrerá no Senado, já tem até picadeiro - o palco onde ainda funciona a covidãop - mas a apreciação de pedido de impeachment, caso Lira encaminha algum, será no Plenário da Câmara.]

Democracia vem da junção em grego de demos (povo) e kratia (poder, governo). No primeiro parágrafo da Constituição brasileira, consta a frase: “Todo o poder emana do povo”. Talvez esse seja justamente o ponto de partida: muita gente do piso de cima não consegue entender onde o povo está.

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Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste