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sábado, 14 de janeiro de 2023

“Até não ficar nada!” - Percival Puggina

         Esta é uma batalha pelo futuro da humanidade. Se a liberdade de expressão for perdida na América, tirania é tudo que resta à frente. (Elon Musk)

Todos sabem que sou conservador e liberal, nessa ordem. Como conservador sei que não há vida civilizada sem instituições. Há dois séculos a humanidade descobriu que as instituições do Estado comprometem a vida civilizada quando fazem mau uso de seu poder.

Escrevo sobre sintomas que sinto. No caso, como brasileiro, sou paciente dos males nacionais. Pacientes podem discordar das terapias indicadas pelos médicos; jamais, porém, algum discordou dos próprios sintomas. “Doutor, eu não sinto isso que digo sentir.” Ninguém fala algo assim.

Portanto, só uma pessoa alienada como esse doente imaginário, que perdeu também o juízo, não perceberá os sinais de um avanço contra a liberdade de opinião e de algo ainda pior na perspectiva da política. 
Refiro-me ao oficializado combate à divergência, até que toda a luz da comunicação parta das bem-remuneradas usinas do oficialismo estatal e a divergência acabe a toco de vela e a troco de feira.
 
Uma a uma estão caindo as cartas da direita “até não ficar nada”, como na canção A Cartomante de Ivan Lins. 
Alguém poderia imaginar o debate político brasileiro sem Rodrigo Constantino, um analista arguto, lógico, hábil demolidor de falácias e narrativas enganosas? 
Quem poderia pensar no “Pingo nos Is” em poucos dias reduzido à atual expressão pálida de si mesmo? 
Que dizer da Jovem Pan, sem Guilherme Fiuza, Augusto Nunes, Caio Coppola, Cristina Graeml, Ana Paula Henkel, Carla Cecato, Zoé Martinez, Marco Antônio Costa? 
A solitária coincidência entre as dificuldades enfrentadas pela Revista Oeste, Brasil Paralelo, programa Sem Filtro, Gazeta do Povo, JCO e tantos outros é desafinarem da orquestra e divergirem de seu maestro.

Você já percebeu que os principais comunicadores do país que não sejam de esquerda estão perdendo seus canais nas plataformas por decisões judiciais ou delas próprias? E note-se: a tudo que acabo por descrever nestes pequenos espaço de liberdade, somam-se decisões tomadas pelas direções das empresas confessadamente movidas pelo medo – medo legítimo – de  ilegítimas e desmedidas sanções. Pense que hoje temos uma forma de exílio digital (!) constrangendo comunicadores e parlamentares a usar plataformas no exterior.

Será isso coisa recente? Claro que não. Olhando pelo retrovisor, lá atrás, os grandes grupos de comunicação, ao afinarem seus instrumentos e se tornarem naquilo que o escritor Felix Maier chamou de “imprensa antifas”, no mesmo diapasão e desmazelo ético, despediram seus mais influentes jornalistas não alinhados com as intenções políticas do petismo. Ou isso não aconteceu, ou foram outras coincidências? Pessoalmente, só posso dizer que dessa escalada para a tirania, na rota denunciada por Elon Musk, de fato sinto os sintomas que sinto.     

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Causas perdidas - Revista Oeste

Silvio Navarro

As ruas não ecoam as palavras de ordem contra o governo, desconcertam os institutos de pesquisa e esvaziam os balões de ensaio sobre candidaturas que representam a "terceira via"  

Nos últimos cinco meses, o presidente Jair Bolsonaro enfrentou a maior artilharia já promovida no país contra um governo pela imprensa tradicional e seus políticos e influenciadores favoritos desde Fernando Collor de Melo (1990-1992). 
Foram incontáveis as manchetes que prenunciaram o término precoce por meio de um impeachment iminente, o caos econômico e um genocídio resultante do que consideraram um “descaso na condução da pandemia”. O fim da linha culminaria no surgimento natural de uma candidatura da chamada “terceira via”, capaz de angariar o espólio dos bolsonaristas e dos intelectuais que desertaram do PT. Tudo devidamente atestado pelos institutos de pesquisa. 
Ilustração: Naomi Akimoto Iria/Revista Oeste
Ilustração: Naomi Akimoto Iria/Revista Oeste

O mês de setembro chegou à metade e até agora nada se comprovou. O retrato nítido dessas previsões equivocadas foi o contraste entre a multidão que tomou as ruas no 7 de Setembro e o fiasco da manifestação do último domingo, 12. A despeito do rastilho de pólvora provocado pelo discurso inflamado de Bolsonaro contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no Dia da Independência — que precisou ser contornado no dia seguinte com a ajuda do ex-presidente Michel Temer (leia nesta edição) —, o Brasil não via tamanha mobilização popular há pelo menos seis anos, quando Dilma Rousseff foi afastada do cargo. Algo semelhante à campanha das “Diretas Já”.

Não é preciso ser um grande analista político para perceber que a passeata convocada como contraponto à festa bolsonarista tem um erro na origem. Sabe-se lá se por inocência ou delírio de grandeza, seus organizadores optaram por repetir os mesmos locais lotados no 7 de Setembro — a Avenida Paulista, a orla de Copacabana e a Esplanada dos Ministérios, o que tornou a comparação inevitável. Outro detalhe: quem empunhou o microfone não conseguiu explicar objetivamente por que o presidente deveria ser expulso da cadeira — muito menos disfarçar que estava ali por interesses políticos pessoais.

A despeito de todo o esforço de boa parte da mídia, as imagens não puderam ser disfarçadas. O vexame ficou ainda maior quando confrontadas lado a lado. No dia 7 de Setembro, 11 dos 18 quarteirões da avenida estavam completamente tomados de gente, além das ruas paralelas e perpendiculares. Levando-se em conta a rotatividade dos manifestantes, é possível concluir que cerca de 320 mil pessoas passaram por ali (leia box no fim da reportagem). No dia 12, entretanto, o público ultrapassou por pouco 5 mil almas aglomeradas em frente ao Masp. O mesmo ocorreu no Rio e em Brasília.

(...........)

O fato é que movimentos como MBL e Vem Pra Rua, partidos como o Novo, postulantes sem voto à Presidência e parte da esquerda ainda tímida em assumir que estará no palanque de Lula no ano que vem ficaram desconcertados diante da falta de adesão. O PT, aliás, é relevante frisar, foi o primeiro a tirar o time de campo quando percebeu que, a cada dia que passa, fica mais clara a polarização com Bolsonaro — e que não é hora de errar com uma “pataquada” como a do dia 12. O vídeo do governador paulista João Doria (PSDB) dançando no palco da Paulista, por exemplo, é suficiente para amparar a decisão de quem optou por não aparecer ali.

Veja também:  Acompanhe em imagens um resumo da manifestação de 12/9:

Oficialmente, nenhum dos nomes que sonham com o Palácio do Planalto jogou a toalha — e é improvável que isso ocorra pelo menos até março, quando começam a valer os prazos do calendário eleitoral. Ciro Gomes (PDT) investiu na contratação do marqueteiro do petrolão, João Santana, para tentar suavizar sua carranca. João Amôedo (Novo) mantém o partido à mercê de suas vontades. E João Doria, o favorito da imprensa “nem Lula, nem Bolsonaro”, trava uma disputa interna com o gaúcho Eduardo Leite. Outros nomes que os institutos de pesquisa tentam insuflar vão ficando pelo caminho, como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM), a senadora Simone Tebet (MDB) e o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, que desapareceu.

Fim do picadeiro da CPI
Outro dado digno de registro é a inexpressividade da CPI da Covid. Alardeada como o front legislativo capaz de sangrar o governo Bolsonaro, a comissão chega cambaleante aos últimos dias de vida. Ao longo de cinco meses, a equipe dos xerifes da pandemia não conseguiu uma única denúncia robusta: foi da cloroquina à Copa América de futebol, mandou prender depoentes e humilhou médicos (e principalmente médicas) que contestaram o tribunal inquisitorial de Renan Calheiros (MDB-AL) e Omar Aziz (PSD-AM). O circo vai chegar ao fim ameaçando acusar Bolsonaro, no máximo, de charlatanismo e da morte do ator Tarcísio Meira.
 
O comissariado só não enveredou por onde deveria: o “covidão” em Manaus, no Pará, e o tal Consórcio do Nordeste, chefiado pelo ex-ministro petista Carlos Gabas — seguramente a figura mais blindada pelos senadores. A última cartada de Renan foi encomendar uma análise dos documentos da CPI ao jurista Miguel Reale Júnior, um dos coautores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff. 
O objetivo era encontrar argamassa para sustentar que Bolsonaro incorreu em algum crime de responsabilidade — segundo os jornais, a equipe dele já apontou sete sugestões. 
A partir daí, caberia ao procurador-geral da República, Augusto Aras, redigir uma denúncia ao Supremo, o que dez em dez políticos no Congresso não apostam nenhuma ficha que acontecerá. Outra estratégia é incluir no relatório mudanças na Lei do Impeachment. “O relator pode recomendar providências para aperfeiçoar a legislação”, afirmou o senador Marcos Rogério (DEM-RO), que vai apresentar um parecer paralelo ao de Renan, assinado pelo grupo minoritário da comissão. “Mas não creio que caberia mudança na Lei do Impeachment, porque não tem correlação direta com a CPI, que apura fatos determinados. São eles: ação e omissão do governo federal e dos Estados e municípios no enfrentamento da covid-19. Ele está misturando as estações e deixando claro que sua motivação, desde o início, foi o enfrentamento eleitoral e o embate com o presidente. Está indo além do papel da CPI.” [lembrando que a decisão final se pedido de impeachment vira processo de impeachment, depende de 342 deputados votarem a favor do impeachment. Nenhuma lei será capaz de produzir os tão necessários 342 votos.]

Renan divulgará seu texto na semana que vem. O documento será anunciado com pirotecnia no Senado, num evento coordenado pela produtora Paula Lavigne, mulher do cantor Caetano Veloso — é possível que ele também compareça. A ideia dos assessores da CPI é reunir pais de famosos mortos pela covid-19, como a mãe do ator Paulo Gustavo, para discursar ao som de Como Nossos Pais, canção de Ivan Lins, gravada por Elis Regina. [nem esse circo pretendido terá condições de produzir os já citados 342 votos; o circo, a pirotecnia ocorrerá no Senado, já tem até picadeiro - o palco onde ainda funciona a covidãop - mas a apreciação de pedido de impeachment, caso Lira encaminha algum, será no Plenário da Câmara.]

Democracia vem da junção em grego de demos (povo) e kratia (poder, governo). No primeiro parágrafo da Constituição brasileira, consta a frase: “Todo o poder emana do povo”. Talvez esse seja justamente o ponto de partida: muita gente do piso de cima não consegue entender onde o povo está.

Manifestação home office - Quantos manifestantes cabem na Paulista?

‘Meritocracia é a utopia do liberalismo’, afirma Pondé

Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste

 

 

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Cabeça de camarão - Nas Entrelinhas

Luiz Carlos Azedo

Hoje, Doria não seria o candidato do PSDB à Presidência. Perderia as prévias da legenda para o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ou o senador Tasso Jereissati (CE)

O que é o centro democrático? O ex-ministro Moreira Franco, discípulo do pessedismo de Amaral Peixoto, resume assim: a direita da esquerda e a esquerda da direita. Juntar essas forças num projeto eleitoral é o maior desfio político da conjuntura para os partidos que compõem esse campo — DEM, PSD, MDB, PSDB, Cidadania, PV e PDT —, porque as eleições de 2022 estão logo ali e o cenário eleitoral foi polarizado pelo presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Existe um eleitorado órfão, porque não deseja a continuidade de Bolsonaro ou a volta de Lula. Para essa fatia de eleitores, o chamado centro democrático é como um suculento camarão empanado. Nas eleições, porém, sem cabeça, o crustáceo morrerá na areia da praia.

Como na música Cartomante, de Ivan Lins e Vitor Martins, grande sucesso na voz de Elis Regina“Cai o rei de Espadas/ Cai o rei de Ouros/ Cai o rei de Paus/ Cai, não fica nada” —, os pré-candidatos que buscam articular e unificar esse campo estão desistindo ou se inviabilizando. Os casos mais emblemáticos são o ex-juiz da Lava-Jato Sergio Moro, uma espécie de rei de Espadas na crise ética, e o apresentador Luciano Huck, o rei de Ouros, para grande massa de empreendedores do país. O primeiro iniciou uma bem-sucedida carreira de consultor jurídico na área de análise de riscos; o segundo, vai dar um upgrade na carreira de comunicador, ao substituir o apresentador Fausto Silva nas tardes de domingo da Rede Globo.

Está difícil a vida do rei de Paus, o governador de São Paulo, João Doria, que lançou precocemente sua pré-candidatura e confrontou Bolsonaro na crise sanitária. O problema dele é o desgaste que enfrenta pelo fato de São Paulo ser o epicentro da pandemia de covid-19, com grande impacto na economia no estado e reflexos no desempenho de seu governo. Ensanduichado entre uma base bolsonarista muito forte, principalmente nas médias e pequenas cidades do interior, e a recidiva do petismo nos grandes centros urbanos, Doria não consegue fechar majoritariamente o eleitorado paulista. Sem São Paulo, sua candidatura não decola nacionalmente

Hoje, Doria não seria o candidato do PSDB à Presidência. Perderia as prévias da legenda para o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ou o senador Tasso Jereissati (CE), um dos líderes históricos do partido. O quarto pretendente, o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio, é um azarão. A Executiva Nacional do PSDB aprovou, por unanimidade, as regras para a escolha do candidato do partido à Presidência da República em 2022. Elaborada pelo ex-deputado Marcus Pestana (MG), e discutida em uma comissão que debate as prévias do PSDB, encabeçada pelo ex-deputado José Aníbal (SP), o modelo pôs em xeque a candidatura de Doria.

Pelas regras aprovadas, os votos dos filiados sem mandato valerão 25% do total. Os outros 75% dos votos serão dados por três grupos diferentes: prefeitos e vice-prefeitos filiados ao PSDB; vereadores, deputados estaduais e distritais; e deputados federais, senadores, governadores e os ex-presidentes da sigla. Doria defendia votos com o mesmo peso para todos os integrantes do partido. Inconformado, quer mudar as regras do jogo na próxima reunião da Executiva.

Rei de Copas
Enquanto o rei de Paus não é escolhido pelo PSDB, o rei de Copas também não consegue derivar para o eleitorado de centro como gostaria. O candidato do PDT, Ciro Gomes, escolheu Lula como principal adversário no primeiro turno, mas essa estratégia não foi endossada pelo presidente da legenda, Carlos Lupi. É uma tática complicada, porque pressupõe deslocar o petista da disputa com Bolsonaro, seduzindo os eleitores de centro. Poderia até ocupar o espaço deixado pela disputa interna no PSDB, mas não é o que acontece. O problema é que o estilo de Ciro não se encaixa muito nesse figurino, por ter construído uma trajetória eleitoral de candidato de esquerda.

Resta ainda outra pré-candidatura sem legenda garantida, a do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que pleiteia a vaga de candidato a presidente do DEM, partido hoje muito próximo do Bolsonaro. E uma legenda sem candidato, o PSD do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que procura um nome competitivo de perfil liberal. DEM e PSD são partidos importantes para a chamada união da direita com o centro e do centro com a direita.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, colunista - Correio Braziliense